Bangladesh: os trabalhadores começam a se mover

A derrubada revolucionária do regime de Hasina desencadeada pelos estudantes, e seus protestos corajosos, abriu as comportas para uma nova onda de luta de classes em Bangladesh. A revolução avança!

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Os trabalhadores tomaram emprestado e adaptaram os métodos militantes e os slogans dos estudantes em sua luta contra os patrões. Embora Hasina tenha ido embora, seu sistema permanece. Cada patrão e dono de fábrica é como uma “Pequena Hasina”, oprimindo e explorando brutalmente milhões de trabalhadores. Agora, os trabalhadores estão cada vez mais utilizando a vitória democrática duramente conquistada de 5 de agosto para lutar contra esses déspotas também.

Apenas uma semana após a queda de Hasina, fizemos uma previsão. Dissemos na ocasião:

“Para a classe trabalhadora, ‘democracia’ não é algo abstrato. Em vez disso, é um meio para um fim – um meio de ganhar melhores salários e condições, menos horas de trabalho e uma vida digna. Milhões de trabalhadores buscarão utilizar suas novas liberdades democráticas, conquistadas nas ruas, para pressionar por suas demandas e aliviar o jugo insuportável que o capitalismo coloca em seus pescoços.”

Já se evidencia que estávamos corretos. A queda de Hasina, longe de ser o fim da revolução, marcou o início de um novo capítulo. Pessoas comuns começaram a documentar e compartilhar suas lutas nas mídias sociais e em pequenos veículos de imprensa. Há um muro de silêncio na grande imprensa sobre a ação militante do movimento dos trabalhadores.

As condições econômicas no país continuam terríveis. Elas pioraram enormemente nos últimos anos, alimentando a raiva que finalmente derrubou o velho regime. A dívida disparou acima da cifra de US$ 100 bilhões pela primeira vez no ano passado, à medida que a economia desacelerava. E, perto do fim do regime, o saque de ativos estatais e a fuga de capitais atingiram proporções epidêmicas. Hasina não é a única que fugiu do país. Muitos outros capitalistas ligados ao seu regime simplesmente encheram malas de dinheiro e deixaram o país, deixando as fábricas ociosas.

Enquanto isso, os trabalhadores viram os preços crescentes dos alimentos básicos e combustível em um país onde mais de 37,7 milhões de pessoas sofrem de “insegurança alimentar”, e os salários para os trabalhadores do setor de vestuário, em grande parte mulheres, são tão baixos, chagam a $ 80. Até mesmo esses salários agora não são pagos em muitas partes de Bangladesh como resultado do caos causado pela má gestão dos capitalistas.

Cenas de trabalhadores fazendo fila de oito a nove horas do lado de fora dos bancos para acessar seus salários se tornaram comuns. Trabalhadores do vestuário alegam que a conexão com a internet está ativa antes que seu salário entre nas contas bancárias, mas depois que o dinheiro entra nas contas bancárias, a internet é cortada e eles não conseguem sacá-lo. Mas os trabalhadores estão contra-atacando agora.

Os trabalhadores do vestuário na Searock Apparels Ltd, em Gazipur, não recebem seus salários há três meses. O proprietário despediu os trabalhadores e, em resposta, os trabalhadores ocuparam a rodovia Dhaka-Mymensingh por vários dias. Os estudantes mostraram que a ação coletiva e direta compensa. Na verdade, é a única coisa que compensa, e os trabalhadores aprenderam bem essa lição.

380 trabalhadores da Synovia Pharma PLC não recebem salários há 31 meses. Eles organizaram um protesto do lado de fora da sede da empresa em 13 de agosto. Os trabalhadores estão vivendo em condições desumanas como resultado disso e também estão lutando por direitos sindicais.

Em 14 de agosto, os trabalhadores do vestuário desempregados em Tongi começaram os protestos bloqueando as estradas — um método de luta cada vez mais comum — exigindo empregos e direitos trabalhistas iguais entre homens e mulheres.

Os trabalhadores do vestuário na Anowara Dress Makers Ltd, em Chittagong, também ocuparam a estrada do lado de fora de seu local de trabalho em 15 de agosto, cobrando salários não pagos. Enquanto isso, cerca de 3.000 trabalhadores da fábrica de algodão na Naheed Cotton Mills Ltd, em Tangail, ocuparam a rodovia Dhaka-Tangail em 16 de agosto, exigindo um aumento nos salários.

Em vários lugares vimos trabalhadores ocupando diretamente as fábricas. Assim como as mobilizações em massa dos estudantes e das massas oprimidas colocaram a questão “quem comanda a sociedade: as massas ou Hasina?” quando se mobilizaram aos milhões nas últimas semanas, esses trabalhadores estão colocando a questão “quem comanda as fábricas: os trabalhadores ou as “Pequena Hasinas” que as possuem?”

Trabalhadores da Opso Saline Ltd, em Barishal, por exemplo, realizaram uma paralisação e ocupação dentro de sua fábrica em 15 de agosto. Esses trabalhadores exigiram melhores salários e condições, mas também direitos sindicais. A revolução recente está sendo corretamente saudada como uma vitória democrática. Mas para a classe trabalhadora, direitos democráticos significam, em primeiro lugar, o direito de se organizar e lutar por seus interesses de classe.

Os trabalhadores estão se organizando e tomando a luta contra seus patrões em suas próprias mãos. Mesmo onde não há sindicatos, os trabalhadores estão organizando ocupações de fábricas e rodovias.

Essas batalhas estão sendo travadas nas fábricas e nas rodovias, não nas salas de conferência de imprensa ou por meio de apelos ao governo interino, que é a tática a que os líderes sindicais estão se limitando.

Sem dúvida, os líderes sindicais estão sentindo uma enorme pressão, forçando-os a levantar a cabeça — o que deve ser um sentimento incomum para alguns deles, com muitos burocratas importantes tendo ligações diretas com o Estado da Liga Awami. Mas na maioria dos relatos das ações desses trabalhadores, vemos pouca menção a filiais sindicais. Parecem ser espontâneas e estão lançando novas lideranças.

Embora os obstáculos burocráticos dentro dos sindicatos devam ser combatidos, e os burocratas forçados a assumir a luta ou a se afastar, o que é realmente necessário nesta nova fase da revolução, são novas e mais flexíveis as formas de organização. São necessários órgãos que possam expressar adequadamente o clima vulcânico na classe trabalhadora e direcioná-lo para a obtenção de todas as suas demandas econômicas e políticas.

Os estudantes mostraram o caminho a seguir. Os comitês estudantis de base que surgiram antes e depois de 5 de agosto assumiram funções básicas do Estado em muitos lugares. Foi uma pequena demonstração do fato de que não precisamos de capitalistas, latifundiários ou de seu Estado burocrático para administrar a sociedade.

Aproveitando essa lição, comitês de trabalhadores em todas as fábricas e locais de trabalho, conectando e atraindo camadas mais amplas das massas oprimidas, dariam força invencível ao movimento espontâneo dos trabalhadores. Por meio deles, os trabalhadores, em várias fábricas, poderiam ajudar uns aos outros, limpando as “Pequenas Hasinas” e o sistema do qual elas fazem parte.

Os trabalhadores já estão se inspirando no exemplo dos estudantes, isso está claro. As demandas de “9 pontos”, “13 pontos” e “1 ponto” levantadas nas fábricas têm ecos diretos da luta dos estudantes. Os estudantes de esquerda mais revolucionários devem se unir aos trabalhadores, trazendo o exemplo dos comitês revolucionários e conectando essas lutas, aparentemente desconectadas, com a necessidade de completar a revolução, isto é, com a necessidade de esmagar completamente o domínio dos capitalistas e latifundiários, e dos trabalhadores tomarem o poder em suas próprias mãos.

Em nosso último artigo, previmos que a entrada dos trabalhadores em cena exporia rapidamente a linguagem “democrática” vazia do novo governo. Ver-se-iam forçados a provar a quem realmente servem: aos patrões. Com a erupção repentina das lutas dos trabalhadores, parece que essa previsão pode ser confirmada mais cedo do que nunca.

Em 14 de agosto, o chefe do governo interino, Mohammed Yunus, realizou uma reunião com a Associação de Fabricantes e Exportadores de Vestuário de Bangladesh (BGMEA). Yunus apelou a esses capitalistas selvagens para “manter seus negócios longe da política”. Yunus não é idiota. Ele sabe que a maioria dos patrões em Bangladesh estava ligada por uma miríade de laços de clientelismo e corrupção ao velho regime e à deposta Liga Awami.

Ele sente o hálito quente da revolução em sua nuca e não tem intenção de perseguir esses criminosos – ele quer proteger os capitalistas. Mas ele precisa da cooperação deles para isso. E de fato, em troca, a BGMEA expressou sua total confiança em Yunus nesta reunião. Mas ele está vivendo em uma terra de fantasia se acha que pode manter política e economia separadas.

Mesmo nesta reunião, a BGMEA estendeu a mão pedindo esmolas, exigindo que seus pagamentos de empréstimos e contas de serviços públicos fossem flexibilizados! A turbulência em Bangladesh já levou grandes gigantes internacionais da moda a transferir muitos de seus pedidos para outros países do sul da Ásia. Os capitalistas de Bangladesh olharão para o governo do Dr. Yunus para proteger seus lucros em meio a um clima que piora. Mas quem pagará por isso? Os trabalhadores e os pobres.

Mas o Dr. Yunus também já está sentindo a pressão vinda dessa direção. No domingo, 18 de agosto, trabalhadoras do setor de TI realizaram uma ocupação do lado de fora da residência de Yunus, exigindo a nacionalização de seus empregos. Elas fazem parte do projeto Tottho Apa, que é um programa que oferece às mulheres de áreas rurais caminhos para o trabalho no setor de TI.

Em outros lugares, os trabalhadores estão exigindo, desse governo, justiça imediata pelos crimes cometidos contra seus irmãos e irmãs. Em Narsingdi, uma jovem trabalhadora chamada Rubel, de apenas 18 anos, foi recentemente eletrocutada no trabalho em uma fábrica. Em 17 de agosto, os trabalhadores marcharam em formação de batalha pelas ruas exigindo ação direta e que o dono da fábrica onde Rubel trabalhava fosse enforcado!

Outras demandas estão sendo apresentadas ao governo pelos trabalhadores nas Zonas de Processamento de Exportação (EPZs), em particular exigindo que eles cancelem as isenções especiais das leis trabalhistas de que os patrões, que lá operam, desfrutam. Os trabalhadores até ocuparam a entrada da EPZ de Dhaka em 19 de agosto, exigindo direitos trabalhistas iguais para homens e mulheres. Esses trabalhadores estão lutando por igualdade nas ruas e estão confiando corretamente em sua própria força para lutar por suas demandas. Nessas zonas economicamente vitais, os capitalistas, mais cedo ou mais tarde, vão exigir ordem, que o Estado tire os trabalhadores das ruas. Quando esse momento chegar, o governo será forçado a mostrar suas verdadeiras cores.

Enquanto isso, os trabalhadores dos governos locais também estão em movimento. Os trabalhadores da Barishal City Corporation entraram em greve e ocuparam um andar do prédio da City Corporation, em 19 de agosto, novamente, por salários e condições. Esta é uma força de trabalho de cerca de 1.000 trabalhadores. Eles veem claramente que, mesmo em nível de governo local, eles devem confiar em métodos de luta de classes para obter as mudanças que merecem.

Em outros lugares, os trabalhadores estão exigindo nacionalizações do governo. Centenas de trabalhadores da segurança ferroviária cercaram o Rail Bhaban (prédio) em Dhaka no domingo, 18 de agosto. Eles fecharam os outros funcionários lá dentro e apresentaram uma “demanda de 1 ponto”: nacionalização de seus empregos, que foram terceirizados e precarizados.

Esses trabalhadores alegaram que retomarão a ocupação em 21 de agosto se suas demandas não forem atendidas. Os trabalhadores ferroviários entendem claramente que não se pode confiar nos patrões no que se refere às ferrovias vitais que são cruciais para a economia.

De todos esses ângulos e muitos outros, os trabalhadores estão começando a pressionar por suas demandas. É impossível para o governo do Dr. Yunus satisfazer essas demandas, enquanto também serve seus verdadeiros amos: a classe capitalista dominante.

Tudo com que os banqueiros e os grandes empresários se importam são seus lucros. Os trabalhadores chegarão a ver, a cada nova luta, que, enquanto eles, junto aos estudantes, derrubaram a ditadura de Hasina, a ditadura dos banqueiros e dos patrões permanece. Esse governo está decidido a proteger e representar essa classe que tem sangue em suas mãos. O governo interino, recheado cada vez com mais canalhas, com o passar do tempo, estará sujeito à mesma fúria da classe trabalhadora.

Isso ressalta o erro que foi, para os coordenadores estudantis, jogarem seu prestígio por trás do governo de Yunus e participarem ativamente dele como ministros.

Recentemente, Asif Mahmood, um dos dois principais coordenadores do Movimento Estudantil Antidiscriminação (ADSM) que assumiram ministérios neste governo, foi nomeado Ministro do Trabalho e Emprego.

Este é um movimento claro do governo interino capitalista para se proteger da raiva pública utilizando as credenciais revolucionárias dos líderes estudantis. Eles querem colocar a culpa pelas medidas draconianas anti-trabalhadores e outras medidas anti-povo nos próprios líderes estudantis.

Ressaltamos, mais uma vez, um ponto que levantamos em artigos anteriores: cada passo à frente nessa revolução foi conquistado pelas massas – estudantes, operários de fábrica, trabalhadores informais e outros – nas ruas. Não declaramos nenhuma confiança no governo do Dr. Yunus! Os trabalhadores e estudantes devem confiar apenas em sua própria força! Os coordenadores do ADSM devem romper com esse governo e rejeitar o cálice envenenado de ministérios dentro dele.

Na semana passada, os trabalhadores começaram a mostrar, em ações, não em palavras vazias, que uma nova sociedade é possível. Uma sociedade sem os patrões, banqueiros e todo o lixo e imundície variados da sociedade capitalista. Os trabalhadores são a principal fonte de riqueza na sociedade. Os trabalhadores da indústria têxtil, por exemplo, produzem itens para a H&M, Zara e outras multinacionais que extorquem bilhões de dólares de lucro desses trabalhadores e os desviam para o exterior.

Dizemos, expropriem todos aqueles ligados ao antigo regime! Nacionalizem os altos comandos da economia, ou seja, os bancos, as fábricas, os transportes, a agricultura industrial e as telecomunicações, sob controle democrático dos trabalhadores, sem compensação para os capitalistas vorazes!

Estabeleçam assistência médica gratuita para todos! Nacionalizem todos os hospitais e clínicas privatizados, sob controle democrático dos trabalhadores, sem compensação!

Reconhecimento igual de todas as línguas das minorias étnicas. Formação e contratação de trabalhadores especialistas para facilitar o uso de todas as línguas minoritárias na educação e outros serviços públicos.

Por um aumento de 100% nos salários de todos os trabalhadores!

Direitos sindicais plenos para trabalhadores de todas as indústrias!

Trabalhadores temporários devem receber contratos permanentes!

Igualdade total de direitos e oportunidades de emprego para mulheres e homens trabalhadores! Garantir o direito a um trabalho bem pago para todos!

Espalhar e unir esforços de estudantes e trabalhadores para formar seus próprios comitês de ação em todo o país!

Eleger delegados de comitês de trabalhadores e estudantes de todo o país, para um congresso nacional de delegados para formar um governo de trabalhadores e estudantes, sem os capitalistas!

Completar a revolução! Avançando para o socialismo!

Rejeitamos todos os velhos partidos – a Liga Awami, mas também o BNP e o Jamaat-e-Islami! Precisamos de um novo partido revolucionário para colocar esse programa em ação, para nos esforçarmos para dar a esse movimento uma liderança que possa atrair todas as fontes de descontentamento que agora estão em erupção e direcioná-las para a conclusão da revolução.

Isso só pode ser alcançado esmagando o capitalismo, esmagando o velho Estado da Liga Awami e colocando os trabalhadores no poder. A conclusão da revolução de Bangladesh só pode assumir a forma de uma revolução socialista.

Apelamos a todos aqueles que concordam conosco para se juntarem à Internacional Comunista Revolucionária!

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