O capitalismo parou de levar a humanidade à frente. Deveria ter sido derrubado há muito tempo pela classe trabalhadora. Por que não foi? A chave da resposta está no papel da direção e do partido revolucionário. Este artigo, baseado em uma palestra durante a Escola Marxista de Verão de Montreal de 2021, examina os diferentes lados dessa questão e as ricas lições do movimento da classe trabalhadora mundial.
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O ano de 2020 virou o mundo de cabeça para baixo. A pandemia da Covid-19 expôs a falência completa do sistema capitalista aos olhos de milhões de pessoas. O mantra de que “estamos todos juntos” se mostrou como a mentira que realmente é. Em todo o mundo, os lucros vêm antes das necessidades. Enquanto milhões de pessoas perderam seus empregos, os ricos estão mais ricos do que nunca. Nos Estados Unidos, o país mais rico da história da humanidade, milhões de pessoas passam fome.
A crise econômica desencadeada pela Covid-19 se soma ao que foi uma década perdida. Desde a crise anterior, em 2008, a austeridade devastou os serviços públicos, os trabalhadores viram seus salários reais estagnarem ou caírem enquanto os jovens constituem a primeira geração a ser mais pobre do que seus pais desde a 2ª Guerra Mundial.
É com base nisso que as ideias socialistas estão voltando. Este ano, a Victims of Communism Foundation [Fundação Vítimas do Comunismo], que não pode ser acusada de ter um viés favorável ao marxismo, divulgou sua pesquisa anual revelando que 49% dos jovens de 16 a 23 anos de idade (a Geração Z) têm uma visão favorável ao socialismo, nove pontos percentuais a mais desde 2019. Entre os americanos como um todo, essa cifra aumentou de 36% para 40%. Na terra do macarthismo, 18% da Geração Z acham que o comunismo é um sistema mais justo do que o capitalismo!
Essas cifras não são tão surpreendentes quanto se pode imaginar. A geração mais jovem, em particular, não experimentou nada além de austeridade, padrões de vida em declínio, terrorismo, intervenções imperialistas e destruição ambiental. A era de ouro do capitalismo, as décadas de 1960 e 1970, está morta e enterrada. Mais pessoas do que nunca querem ver a derrubada revolucionária do capitalismo.
As condições estão maduras
A realidade é que o sistema capitalista há muito se transformou em um freio ao desenvolvimento humano. Poderia ter sido derrubado há muito tempo por uma revolução dirigida pela classe trabalhadora. Por que isso ainda não aconteceu?
Certamente não porque estejam ausentes as condições objetivas para a construção de uma sociedade socialista baseada na superabundância. Não há dúvidas de que, do ponto de vista econômico, existem todas as condições para satisfazer as necessidades humanas. Temos meios para alimentar toda a população humana. Existem a tecnologia e o conhecimento para produzir as necessidades da vida em harmonia com a natureza. Grandes empresas, como Amazon e Walmart, mostram que é possível organizar a produção e a distribuição em escala global. Muitas tarefas difíceis ou perigosas podem ser realizadas por máquinas.
Marx explicou que o sistema capitalista “cria seus próprios coveiros” ao criar a classe trabalhadora – a classe que constrói os prédios ao nosso redor, produz os itens de consumo de que necessitamos e distribui os bens e serviços. Ele também explicou que o socialismo não era apenas uma boa ideia que surgiu na cabeça de alguns pensadores. Ele mostrou que, sob o capitalismo, é a classe trabalhadora que pode liderar a luta para o estabelecimento de uma sociedade socialista ao assumir o controle dos meios de produção. Marx explicou que essa classe teve que se organizar para superar a resistência dos patrões, dos banqueiros, dos CEOs e seus políticos. Essa classe hoje (ao contrário da época de Marx) forma a esmagadora maioria da sociedade. Uma vez mobilizada e determinada a derrubar o capitalismo, nada pode detê-la.
Então, por que a classe trabalhadora ainda não derrubou o sistema capitalista através de uma revolução?
Culpa dos trabalhadores?
Leon Trotsky, o líder da revolução russa ao lado de Lenin, escreveu um ensaio fantástico pouco antes de sua morte intitulado “A classe, o partido e a direção – por que o proletariado espanhol foi derrotado?”.
Como o título sugere, o texto analisa a revolução espanhola de 1931-39 e as razões de sua derrota. Entraremos em alguns detalhes dessa revolução mais tarde. Por ora, basta dizer que apesar dos numerosos levantes, das iniciativas espontâneas dos trabalhadores para assumir o controle das fábricas e dos camponeses para tomar o controle de suas terras, apesar das fortes organizações sindicais e de uma rica tradição de luta, a classe trabalhadora espanhola não tomou o poder. Um regime fascista liderado por Francisco Franco foi estabelecido em 1939 e durou até os anos 1970.
O texto de Trotsky, embora curto (Trotsky foi assassinado antes que pudesse terminá-lo), é uma mina de ouro de lições, explicando tais derrotas revolucionárias – e como se preparar para as vitórias. Este texto deveria ser leitura obrigatória para todo socialista hoje.
“A classe, o partido e a direção” começa com uma polêmica contra um pequeno jornal supostamente marxista, o “Que faire?”. Em um artigo, Que faire? explicou a derrota da revolução espanhola pela “imaturidade” da classe trabalhadora. Se a revolução espanhola fracassou, a culpa recaía sobre as próprias massas.
Essa ideia de culpar as massas é muito comum no movimento operário hoje. Na verdade, para muitos na esquerda a culpa é da própria classe trabalhadora por não ter derrubado o capitalismo.
A classe trabalhadora é supostamente “muito fraca” para mudar o mundo. Essa foi uma das explicações de alguns esquerdistas para o fracasso em completar a revolução venezuelana, que se estende desde o início dos anos 2000. Apesar de uma mobilização histórica durante o golpe de 2002, apesar de votar repetidamente no partido socialista de Hugo Chávez (PSUV), apesar dos trabalhadores assumirem o controle de seus locais de trabalho e apesar de resistirem a novos golpes desde 2019, ainda há pessoas que dizem que a classe trabalhadora venezuelana é muito fraca.
Por exemplo, em “A Economia Política de Transição para o Socialismo”, Jesús Farías, um dos dirigentes do PSUV, afirmou: “Podemos dizer sem medo de nos enganar que um dos principais obstáculos para um desenvolvimento mais acelerado das transformações sociais no país reside na fragilidade organizacional, política e ideológica da classe trabalhadora, incapaz de cumprir hoje o seu papel de principal motor do progresso social”.
Yanis Varoufakis, ex-ministro das finanças do governo Syriza na Grécia em 2015, é outro exemplo dessa tendência. Em um artigo de 2013 com o divertidíssimo título “Confissões de um marxista errático”, explicou que a crise na Europa está “grávida não de uma alternativa progressista, mas de forças radicalmente regressivas”. Dizia isso no momento em que a classe trabalhadora grega já havia realizado 30 greves gerais desde 2008! Sem confiança na classe trabalhadora e vendo apenas a possibilidade de “regressão”, ele afirmou que a única opção era criar uma ampla coalizão que “incluísse direitistas” para salvar a União Europeia e para “salvar o capitalismo de si mesmo”.
Outros jornalistas, intelectuais e personalidades supostamente de esquerda dizem que a classe trabalhadora não quer mudanças e não se deixa atrair por um programa de “esquerda”. É o caso de Paul Mason, um conhecido jornalista de esquerda britânico.
Na Grã-Bretanha, centenas de milhares de pessoas se juntaram entusiasticamente ao Partido Trabalhista após Jeremy Corbyn, um autoproclamado socialista, tornar-se líder do partido em 2015. Desde sua derrota nas eleições de 2019 Corbyn não é mais o líder e a ala direita do partido recuperou o controle sob Sir Keir Starmer, que começou o trabalho sujo de purgar a esquerda do partido.
Na sequência da derrota de Corbyn, Mason argumenta que, para a “classe trabalhadora tradicional” na Grã-Bretanha, certas “partes da agenda da esquerda estão desconectadas dela: as políticas de imigração aberta, a defesa dos direitos humanos, as políticas de bem-estar universal e, acima de tudo, o antimilitarismo e o anti-imperialismo”. Políticas de bem-estar universal, que horror! Ele acrescenta: “Isso ajuda a contar uma história de esperança para um eleitorado que tem pavor a mudanças?”.
Portanto, o problema aqui é que os trabalhadores supostamente não querem mudanças – têm medo de mudanças. A conclusão lógica para Mason é apoiar Keir Starmer, o líder moderado do Partido Trabalhista britânico. Mason perdeu completamente a fé na capacidade da classe trabalhadora de mudar a sociedade – supondo-se que ele alguma vez teve essa fé.
O que todos esses indivíduos expressam é a ideia de que são os próprios trabalhadores que não querem ou são incapazes de mudar a sociedade.
Essas ideias demonstram o fato de que essas pessoas não têm confiança na classe trabalhadora para fazer uma revolução, mudar a sociedade e dirigi-la eles próprios. Essas ideias são promovidas por vários jornalistas, liberais e acadêmicos. No entanto, elas também se infiltram no movimento sindical por meio da burocracia sindical. Na maioria das vezes, os líderes sindicais culpam os trabalhadores que os elegeram como dirigentes porque os trabalhadores supostamente “não querem lutar”.
Uma crise de direção
Como os marxistas respondem a esses argumentos? Por que a classe trabalhadora ainda não derrubou o capitalismo?
O ponto de partida para os marxistas é o papel fundamental da classe trabalhadora na mudança da sociedade. Os marxistas nada têm em comum com o pessimismo e o cinismo daqueles intelectuais e jornalistas que desprezam a classe trabalhadora. Não é verdade que a classe trabalhadora é “muito fraca” para derrubar o capitalismo. A realidade é que em inúmeras ocasiões nos últimos 100 anos os trabalhadores se levantaram para derrubar seus exploradores e mudar a sociedade. Eles fizeram tudo ao seu alcance para fazer isso, em várias ocasiões.
Mas em quase todas as vezes foram os líderes do movimento dos trabalhadores – seja dos sindicatos ou dos partidos dos trabalhadores – que detiveram o movimento. Eles fazem acordos com a classe capitalista em vez de tentar tomar o poder. Dezenas de revoluções foram travadas dessa forma pela direção do movimento. Em seu Programa de Transição, Leon Trotsky explica corretamente que “a crise histórica da humanidade se reduz à crise da liderança revolucionária”.
No entanto, devemos ter cuidado para não cair na caricatura dessa posição. Os marxistas não defendem a ideia de que os trabalhadores estão sempre prontos para uma revolução, que estão simplesmente esperando que os líderes socialistas mostrem o caminho. Dizer que a direção do movimento operário atua como freio não significa que, se tivéssemos socialistas à frente dos sindicatos, se tivéssemos uma organização revolucionária à frente do movimento operário, então uma revolução irromperia imediatamente e teria êxito automático na derrubada do capitalismo.
Não é verdade que os trabalhadores estão sempre prontos para lutar e apenas esperando por bons líderes. Um movimento de massa não acontece com um estalar de dedos. No entanto, a história mostra que existem momentos críticos na história quando as massas entram em luta: as revoluções. As questões importantes para qualquer ativista que deseja mudar o mundo são: como podemos organizar nossa classe, a classe trabalhadora, para derrubar o capitalismo? Qual é o papel dos socialistas para conseguir isso? Como podemos nos preparar para isso?
Consciência de classe
A consciência de classe dos trabalhadores não evolui em linha reta.
Foi por meio de um longo processo histórico que os trabalhadores compreenderam a necessidade de se organizarem. Os sindicatos foram criados para defender os trabalhadores na luta contínua contra os patrões. Eventualmente, os trabalhadores criaram organizações, partidos, para expressar suas aspirações políticas. Marx explicou que, sem organização, a classe trabalhadora é apenas matéria-prima para a exploração. Através de sua história de luta, a classe trabalhadora passa a participar da política por meio de sindicatos ou outras organizações. Esse processo é desigual e diferente de país para país.
Chegar à conclusão de que é preciso organizar é uma coisa, chegar à conclusão de que a derrubada revolucionária do capitalismo é necessária é outra coisa completamente diferente. A classe trabalhadora, quando entra em luta, não chega automaticamente a conclusões revolucionárias.
Na verdade, a consciência não é revolucionária. A consciência é geralmente muito conservadora. As pessoas se apegam a velhas idéias, às tradições, ao conforto do que é conhecido. Na maioria das vezes, as pessoas querem apenas viver em paz e em condições decentes. Quem pode culpá-los? Ninguém quer uma grande reviravolta em suas vidas. Os trabalhadores não procuram empregos para fazer greve.
As revoluções são exceções inevitáveis na história. Os trabalhadores não estão constantemente em luta, pelo contrário.
No entanto, há momentos em que o status quo simplesmente não é mais sustentável. Milhões de pessoas estão fartas. A austeridade recai sobre os trabalhadores. O custo de vida aumenta enquanto os salários estagnam. Os serviços públicos são privatizados. Os ricos vão ficando mais ricos, à vista de todos.
Não são os revolucionários ou os socialistas que criam revoluções. É o capitalismo que cria as condições que obrigam milhões a se revoltar. Milhões de trabalhadores, apáticos um dia, estão nas ruas no dia seguinte. A consciência de ontem, que estava atrasada em relação aos eventos, alcança a realidade com uma explosão. E é aí que as revoluções acontecem.
Muitas vezes, é um “acidente” que inicia uma revolução. As revoluções árabes de 2010-2011 começaram na Tunísia quando um jovem vendedor ambulante se imolou em frente ao gabinete do governador local. Essa foi a faísca que acendeu o fogo. Um movimento de massa se seguiu, culminando com a derrubada da ditadura na Tunísia. O movimento então se espalhou para o Egito e depois para todo o mundo árabe. A raiva que vinha crescendo por décadas só precisava de uma faísca. Em quase todas as revoluções pode-se encontrar um evento semelhante.
O que é uma revolução? Trotsky, em sua História da Revolução Russa, explica assim:
“A característica mais indubitável de uma revolução é a interferência direta das massas nos eventos históricos. Em tempos normais, o Estado, seja monárquico ou democrático, se eleva acima da nação e a história é feita por especialistas nesse ramo – reis, ministros, burocratas, parlamentares, jornalistas. Mas naqueles momentos cruciais em que a velha ordem não é mais tolerável para as massas, elas rompem as barreiras que as excluem da arena política, afastam seus representantes tradicionais e criam por sua própria interferência a base inicial para um novo regime. Se isso é bom ou ruim, deixamos para o julgamento dos moralistas. Nós mesmos consideraremos os fatos como eles são fornecidos pelo curso objetivo do desenvolvimento. A história de uma revolução é para nós, antes de tudo, a história da entrada forçada das massas no domínio do governo sobre seu próprio destino.”
Esta citação resume perfeitamente a essência de uma revolução. É antes de tudo a entrada das massas – hoje compostas predominantemente por trabalhadores – no palco da história.
Se olharmos para os últimos 100 anos e até mais, as revoluções não faltaram. Na verdade, não se passou uma década sem pelo menos uma grande revolução.
A revolução russa de 1905 e 1917, a revolução alemã de 1923 e a revolução chinesa de 1925 a 1927, a revolução espanhola de 1931 a 1937, as greves em massa na França em 1936, a onda revolucionária na Itália, na Grécia e na França entre 1943 e 1945 e a revolução chinesa de 1949, a revolução na Hungria em 1956, o Maio de 1968 na França, a revolução chilena de 1970 a 1973, a revolução em Portugal em 1974, a revolução sandinista na Nicarágua de 1980 a 1983, a revolução em Burkina Faso de 1983 a 1987, a derrubada revolucionária da ditadura na Indonésia em 1998, a revolução na Venezuela sob Hugo Chávez nos anos 2000, as revoluções árabes de 2011.
A lista poderia continuar. A história é pontuada por momentos em que as massas não aguentam mais, vão às ruas e tomam seu destino em suas próprias mãos.
As revoluções podem ser comparadas aos terremotos. Ninguém pode prever exatamente quando ocorrerá um terremoto. E os terremotos geralmente são raros. Mas podemos estudar as placas tectônicas. Podemos saber onde ocorrem as condições para terremotos. Terremotos não acontecem o tempo todo, mas são inevitáveis.
É o mesmo com as revoluções. Ninguém pode prever exatamente quando virá uma revolução. Mas podemos estudar as condições econômicas, ver a raiva crescente entre os trabalhadores e prever uma época revolucionária.
A diferença é que as revoluções são feitas pelos seres humanos. Podemos nos preparar para isso e podemos desempenhar um papel que garanta sua vitória. Mas como podemos fazer isso?
Espontaneidade?
Como as revoluções são realizadas na prática? Se os trabalhadores pudessem simplesmente derrubar o capitalismo de uma só vez, não haveria necessidade de teorizar sobre a revolução. Não haveria necessidade de debater ideias, programas, medidas concretas etc. no movimento operário. Não haveria necessidade de criar organizações que defendam um ou outro programa.
Entre os anarquistas, fala-se muito sobre a espontaneidade dos movimentos de massa. Quase todas das várias teorias anarquistas voltam à ideia de que as massas podem de alguma forma alcançar espontaneamente uma sociedade sem classes. Kropotkin, por exemplo, em seu artigo mais famoso sobre o anarquismo, explica que sua contribuição foi “indicar como, durante um período revolucionário, uma grande cidade – se seus habitantes aceitarem a ideia – poderia se organizar nas linhas do comunismo livre”. Implica, portanto, que os trabalhadores poderiam derrubar espontaneamente o capitalismo com uma revolução. Kropotkin não explica, no entanto, como os habitantes “aceitariam a ideia” do comunismo.
Não há dúvida de que há um elemento de espontaneidade em todos os movimentos de massa, em todas as revoluções. É até uma força, no início. Espontaneamente, milhões de pessoas que não estavam envolvidas na política vão às ruas e pegam a classe dominante de surpresa. Na maioria das vezes, a eclosão de uma revolução surpreende até mesmo revolucionários endurecidos. Na época da Revolução de Fevereiro de 1917 na Rússia, os bolcheviques de Petrogrado estavam tão atrasados que, no primeiro dia das manifestações, aconselharam os trabalhadores a não saírem para as ruas!
Mas a espontaneidade é suficiente para derrubar o capitalismo? A história nos mostra que não.
E, de fato, a realidade é que em cada movimento, em cada luta, em cada revolução, por mais espontâneos que pareçam esses eventos, há grupos ou indivíduos que desempenham um papel de direção.
Quer queiramos ou não, as massas de trabalhadores se expressam por meio de organizações, ou pelo menos por meio de indivíduos que desempenham o papel de líderes após terem conquistado a confiança de seus pares.
Mesmo em um movimento aparentemente espontâneo, alguém faz o discurso que convence seus colegas a entrarem em greve em uma assembleia geral. Uma organização ou um indivíduo escreve o folheto que apresenta os argumentos aos trabalhadores para uma greve. Uma organização ou indivíduos têm a ideia de ocupar o local de trabalho. Essas ideias não vêm do nada.
Por outro lado, no movimento dos trabalhadores, organizações ou indivíduos também podem exercer sua autoridade para frear uma luta. Pessoas ou organizações podem argumentar pelo fim da greve. Algumas pessoas dirão que você não pode ocupar um local de trabalho porque isso seria uma violação dos direitos de propriedade dos patrões.
Essa batalha de idéias e métodos não é decidida com antecedência. Nem todos os trabalhadores chegam às mesmas conclusões ao mesmo tempo. Uma minoria perceberá a necessidade de uma ocupação fabril, uma greve geral etc. antes dos demais. Em uma revolução, uma minoria entenderá que existe a possibilidade de os trabalhadores assumirem o controle da economia. Seu trabalho é se organizar para convencer o resto dos trabalhadores.
Mesmo em um movimento que parece espontâneo, as organizações acabarão desempenhando um papel de liderança.
Como Trotsky explica em A classe, o partido e a direção:
“A história é um processo da luta de classes. Mas as classes não exercem todo o seu peso de forma automática e simultânea. No processo da luta, as classes criam vários órgãos que desempenham um papel importante e independente e estão sujeitos a deformações … A liderança política nos momentos cruciais das viradas históricas pode se tornar um fator tão decisivo quanto o papel do comando principal durante os momentos críticos de guerra. A história não é um processo automático. Caso contrário, por que líderes? Por que partidos? Por que programas? Por que lutas teóricas?”
As diferentes tendências do movimento operário se expressam por meio de diferentes organizações. Os marxistas também querem se organizar – e criar um partido revolucionário.
O que é um partido revolucionário?
O termo “partido” tem uma conotação negativa entre algumas camadas do movimento operário e da juventude. E por um bom motivo! Os partidos políticos existentes fazem de tudo para afastar essas camadas. Mesmo os chamados partidos de “esquerda”, uma vez no poder, curvam-se aos ditames dos bancos e fazem o trabalho sujo dos capitalistas, às vezes até mais cruelmente do que a direita. Foi o caso de um dos governos de esquerda mais recentes, o Syriza, na Grécia em 2015.
Quando os marxistas falam sobre a necessidade de um partido revolucionário, não temos uma máquina eleitoral em mente. Um partido é, antes de mais nada, ideias, um programa baseado nessas ideias, métodos de implementação do programa e só então uma estrutura e uma organização que possa espalhar o programa por todo o movimento e conquistar as pessoas.
Como já explicamos, a tendência de organização já está presente na classe trabalhadora, levando à formação de sindicatos e partidos. As diferentes tendências do movimento operário são expressas por meio de diferentes organizações ou agrupamentos.
Os sindicatos, por sua própria natureza, visam reunir o maior número possível de trabalhadores. Quem proporia que os sindicatos incluíssem apenas trabalhadores revolucionários? Esses seriam sindicatos fracos, na verdade. Mas um partido revolucionário é composto de forma diferente dos sindicatos.
Em Uma Carta a um Sindicalista Francês sobre o Partido Comunista, Trotsky explica:
“Como esse grupo de iniciativa [o partido] deve ser composto? É claro que não pode ser constituído por um agrupamento profissional ou territorial. Não se trata de metalúrgicos, ferroviários, nem de carpinteiros de vanguarda, mas dos membros mais conscientes do proletariado de todo um país. Devem agrupar-se, elaborar um programa de ação bem definido, cimentar sua unidade por uma rigorosa disciplina interna e assim assegurar-se de uma influência norteadora em toda a ação militante da classe trabalhadora, em todos os órgãos desta classe e, sobretudo, nos sindicatos.”
Nem todas as camadas da classe trabalhadora e da juventude chegam às mesmas conclusões ao mesmo tempo. Alguns trabalhadores acreditam que o capitalismo é o melhor sistema. Outros não gostam do capitalismo, mas não acreditam que ele possa ser derrubado. Outros são simplesmente indiferentes. Mas outros chegam à conclusão de que a luta pelo socialismo é necessária. Tendo compreendido isso, essas pessoas necessariamente desejarão conduzir o movimento dos trabalhadores nessa direção.
Naturalmente, a tarefa dessa minoria socialista (a que Trotsky chama de “quadros”) será a de se organizar para ganhar a confiança das outras camadas da classe trabalhadora na luta. Essa tarefa será ainda mais eficaz se essa minoria for agrupada em uma organização com um programa comum.
Em “Discussão sobre o Programa de Transição”, Trotsky explica:
“Agora, o que é o partido? Em que consiste a coesão? Essa coesão é um entendimento comum dos eventos, das tarefas, e é esse entendimento comum que é o programa do partido. Assim como os trabalhadores modernos, mais do que os bárbaros, não podem trabalhar sem ferramentas, no partido o programa é a ferramenta. Sem o programa, todo trabalhador deve improvisar sua ferramenta, encontrar ferramentas improvisadas, e uma contradiz a outra.”
Um programa e uma organização precisam ser construídos antes de uma revolução, assim como um trabalhador deve se equipar com ferramentas antes de realizar uma determinada tarefa.
A Revolução Espanhola: uma classe sem partido ou direção
O que acontece quando não há direção revolucionária? Quando não há organização revolucionária? Ou quando as organizações que existem impedem o movimento?
A Classe, o Partido e a Direção de Trotsky fala sobre a derrota da revolução espanhola de 1931 a 1939. Esse evento inspirador é talvez o exemplo mais trágico do que acontece quando uma classe faz de tudo para derrubar o capitalismo enquanto não há uma direção revolucionária, ou quando as organizações existentes se recusam a tomar o poder.
A crise da década de 1930 atingiu fortemente a Espanha. A classe trabalhadora e os camponeses foram esmagados por uma pobreza avassaladora. Proprietários de terras e capitalistas (frequentemente os mesmos indivíduos) reduziram as condições de vida a um estado miserável para manter os lucros. Em 1931, diante da crescente raiva das massas, a classe dominante foi forçada a sacrificar a monarquia e a república foi proclamada. Mas, por si só, a transição para uma república democrática nada fez para resolver os problemas da classe trabalhadora e dos camponeses pobres.
Em fevereiro de 1936, após dois anos de governo de direita, as massas levaram a Frente Popular ao poder. Esse governo era composto por socialistas, comunistas, o POUM (um partido supostamente marxista, mas que oscilava constantemente entre a revolução e o reformismo) e até mesmo os anarquistas que lideravam a principal federação sindical, a CNT. Essas organizações de trabalhadores também incluíam os republicanos burgueses da Frente Popular. A presença dos partidos capitalistas forçou o governo a moderar seu programa, a desacelerar as reformas em favor dos camponeses e operários, a deixar intacta a propriedade burguesa. O governo da Frente Popular chegou ao ponto de reprimir os trabalhadores em luta.
Sem esperar pelas reformas prometidas pela Frente Popular, os trabalhadores implementaram por conta própria a jornada de trabalho de 44 horas semanais, os aumentos salariais e libertaram os presos políticos do governo anterior de direita. Entre fevereiro e julho de 1936, todas as grandes cidades espanholas viveram pelo menos uma greve geral. Um milhão de trabalhadores entraram em greve no início de julho de 1936.
O movimento dos trabalhadores estava indo longe demais para os capitalistas. Em 17 de julho de 1936, o general Francisco Franco deu início a um levante fascista, com o total apoio dos industriais e proprietários de terras da Espanha. O objetivo era derrubar o governo, destruir os sindicatos e partidos operários e construir um governo forte para que os capitalistas pudessem perpetuar a exploração dos trabalhadores e camponeses sem sua constante luta. Diante do golpe fascista, os partidos da Frente Popular se recusaram a armar os trabalhadores para resistir.
Apesar da passividade desses partidos, os trabalhadores espontaneamente fizeram tudo ao seu alcance para repelir os fascistas. Eles pegaram varas, facas de cozinha e outras armas à mão, confraternizaram com os soldados e invadiram quartéis para encontrar armas de verdade. Os trabalhadores organizaram milícias que tomaram o lugar da polícia burguesa. Além dessas medidas de defesa “militar” contra o fascismo, os trabalhadores tomaram medidas econômicas. Na Catalunha, o transporte e as indústrias foram colocados quase completamente nas mãos de comitês de trabalhadores e comitês de fábrica. Ao lado do governo central de Madri e do governo da Catalunha, um segundo poder – o dos trabalhadores – estava surgindo.
Mas o que se seguiu? A direção de todas as organizações – os socialistas, os comunistas, o POUM e a CNT anarquista – freou o movimento. Na Catalunha, eles participaram do desmantelamento dos comitês de trabalhadores. Os socialistas e comunistas estavam na vanguarda ao dizer aos trabalhadores para irem para casa, não tomarem as fábricas e deixarem o governo burguês liderar a luta contra o fascismo. O POUM acompanhou as outras organizações e entrou no governo burguês catalão no outono de 1936, sancionando políticas destinadas a conter a revolução.
De particular interesse é a atitude dos dirigentes anarquistas da CNT. Nesse período, os dirigentes da CNT chegaram a se gabar de que poderiam ter chegado ao poder: “Se quiséssemos chegar ao poder, poderíamos tê-lo conquistado em maio [1937] com certeza. Mas somos contra a ditadura”.
Por serem anarquistas e, portanto, contra o poder em geral, os dirigentes da CNT se recusaram a consolidar a democracia operária que estava nascendo. A oportunidade foi perdida. Mas esses mesmos anarquistas, que se recusaram a tomar o poder em nome da classe trabalhadora, ficaram felizes em se juntar ao governo burguês da Catalunha! Não se pode esconder isso.
Os trabalhadores ficaram completamente desmoralizados. Esta trágica história termina com a vitória de Franco e dos fascistas na guerra civil de 1936 a 1939.
Por que a Revolução Espanhola foi derrotada?
Os trabalhadores espontaneamente rechaçaram os fascistas e assumiram o controle dos locais de trabalho, especialmente na Catalunha. Os trabalhadores estavam se movendo na direção certa. Mas todos os líderes das organizações da classe trabalhadora detiveram o movimento das massas. Como Trotsky explica em A classe, o partido e a direção, em tal situação não é fácil para a classe trabalhadora superar o conservadorismo de seus líderes. Uma alternativa já deve existir:
“Não se deve entender exatamente nada na esfera das inter-relações entre a classe e o partido, entre as massas e os líderes, para se repetir a afirmação vazia de que as massas espanholas apenas seguiram seus líderes. A única coisa que pode ser dita é que as massas, que buscaram o tempo todo abrir caminho para a direção correta, descobriram estar além de suas forças produzir no próprio fogo da batalha uma nova direção que correspondesse às demandas da revolução. Diante de nós está um processo profundamente dinâmico, com os vários estágios da revolução mudando rapidamente, com a direção ou várias seções da direção rapidamente desertando para o lado do inimigo de classe.”
E depois:
“Mas, mesmo nos casos em que a velha direção revelou sua corrupção interna, a classe não pode improvisar imediatamente uma nova direção, especialmente se não herdou do período anterior fortes quadros revolucionários capazes de aproveitar o colapso do antigo partido dirigente.”