Um espírito revolucionário move cada compasso das sinfonias de Beethoven, especialmente a Quinta. Os famosos compassos de abertura dessa obra (ouça) foram comparados ao Destino batendo à porta. Esses golpes de martelo são talvez a abertura mais marcante de toda a história da música. O maestro Nikolaus Harnancourt, cujo ciclo gravado das sinfonias de Beethoven foi amplamente aclamado, disse sobre essa sinfonia: “Isso não é música; é agitação política. Está nos dizendo: o mundo que temos não é bom. Vamos mudá-lo! Vamos!” Outro maestro e musicólogo famoso, John Elliot Gardener, descobriu que todos os principais temas dessa sinfonia são baseados em canções revolucionárias francesas.
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Esta é a primeira sinfonia a traçar, de maneira sistemática, o progresso da clave menor para a maior. Embora essa transição tivesse sido feita antes, o desenvolvimento irresistível de menor para maior, seu desenvolvimento dialético, não tem precedentes. Como a própria revolução, a luta que se desenrola no desenvolvimento da Quinta de Beethoven passa por toda uma série de fases: de um tremendo impulso para a frente que varre tudo em seu caminho, até momentos de indecisão e desespero, levando ao último movimento com seu brilho glorioso de triunfo.
A mensagem central da Quinta de Beethoven é a luta e o triunfo sobre todas as adversidades. Como vimos, as raízes dessa sinfonia estão mais uma vez firmemente na Revolução Francesa. No entanto, sua mensagem não depende disso ou de qualquer outra associação. Ela pode se comunicar com muitas pessoas em diferentes circunstâncias. Mas a mensagem é sempre a mesma: é preciso lutar! Nunca se render! No final, certamente, venceremos!
Os alemães que a ouviram durante a vida de Beethoven, obtiveram inspiração para lutar contra os ocupantes franceses de sua terra natal. Durante a Segunda Guerra Mundial, os compassos de abertura da Quinta (que, por coincidência, são o equivalente musical do sinal do código Morse para “V” – significando vitória) foram usados para reunir o povo francês para lutar contra os ocupantes alemães. Assim, a grande música nos fala ao longo dos séculos, muito tempo depois que suas verdadeiras origens se perderam nas brumas do tempo.
Beethoven foi um revolucionário em todos os sentidos da palavra. O tipo de música que ele escreveu nunca tinha sido ouvido antes. Antes disso, a música era, principalmente, um assunto aristocrático. Josef Haydn (cujo pai era um simples fabricante de rodas) trabalhou para a família Esterhazy por mais de trinta anos. Sua música foi projetada, sobretudo, para agradar seu público aristocrático. É ótima música, sem dúvida, mas também pouco exigente. As sinfonias de Beethoven são outro mundo.
Egmont
A única ópera de Beethoven, Fidelio, nasceu originalmente como Leonora, com uma mulher como figura central. Leonora foi escrita em 1805, quando o exército francês vitorioso entrou em Viena. Na primeira noite, a maioria da plateia era formada por oficiais franceses e suas damas. Como a Eroica, ela também tem claras conotações revolucionárias, especialmente no famoso coro dos prisioneiros. Os presos políticos que emergem lentamente da escuridão de sua masmorra para a luz do dia, cantam um coro emocionante: “Oh, que alegria respirar o ar livre…” Esta é uma verdadeira ode à Liberdade, um elemento constante no pensamento e na obra de Beethoven.
Da mesma forma, a música incidental da peça Egmont, baseada nos eventos da revolta dos Países Baixos contra o domínio espanhol, tem uma mensagem revolucionária explícita. O Egmont histórico era um nobre flamengo no século 16, aquele período terrível em que os Países Baixos sofreram sob o calcanhar do despotismo espanhol. Um soldado talentoso e corajoso, Egmont lutou no lado espanhol nas guerras de Carlos V, e até foi feito governador de Flandres pelos espanhóis. Mas, apesar de seus serviços à coroa espanhola, ele se tornou suspeito e foi decapitado em Bruxelas, em 5 de junho de 1568.
Beethoven teve acesso à história de Egmont a partir da tragédia com esse nome, escrita por Goethe em 1788, um ano antes da Revolução Francesa. Aqui, o homem, cuja estátua está agora em Bruxelas, é apresentado como um herói da guerra de libertação nacional dos Países Baixos contra os opressores espanhóis. Beethoven adaptou a peça de Goethe para a música. Ele via Egmont como um símbolo da luta revolucionária contra a tirania em todas as épocas e em todos os países. Ao colocar a ação no século XVI, ele poderia evitar a acusação de subversão, mas subversivo era…
Hoje, apenas a famosa abertura de Egmont é bem conhecida. É uma pena, porque a música incidental de Beethoven para Egmont contém outros materiais maravilhosos. O discurso final de Egmont, enquanto ele vai calmamente em direção à sua morte, é uma verdadeira denúncia da tirania, e um chamado corajoso ao povo para que se revolte e, se necessário, dê sua vida à causa da liberdade. Termina com as seguintes linhas:
Avante, boa gente! A Deusa
da vitória vos conduz. E enquanto o mar
avança por vossos diques,
esmagai, derrubai as muralhas
da tirania, e varrei-as,
enquanto se afogam, do chão
que elas usurpam.
Escutai, escutai! Quão frequentemente este som
chamar-me-ia para sair avidamente
em direção ao campo de batalha e
vitória! Quão alegremente os camaradas de fato
avançam por seu perigoso caminho!
Eu também sairei desta
masmorra em direção a uma morte
honorável: eu morro pela liberdade pela qual
vivi e lutei, e para a qual, agora,
ofereço-me como vítima pesarosa.
Sim, reuni-los todos!
Fechai vossas fileiras, vós não
me assustais. Estou acostumado a estar
de pé entre lanças e,
cercado pela morte iminente,
sentir o sangue da minha vida corajosa
correndo duas vezes mais rápido em minhas veias.
Amigos, despertai a coragem! Atrás de vós
estão vossos pais, vossas esposas, vossos filhos.
Mas estas pessoas são guiadas pelas palavras
vazias de seu governante, não por sua própria inclinação.
Amigos, defendei o que é vosso! E
caí de bom grado para salvar aqueles que mais amais,
e segui enquanto eu lidero.
Estas palavras são seguidas pela Sinfonia da Vitória, que encerra o trabalho em uma labareda de fogo (ouça). Mas como se pode acabar uma tragédia desta forma? Como alguém pode falar de vitória, quando o líder da rebelião foi executado? Esse pequeno detalhe nos diz tudo o que precisamos saber sobre as perspectivas de Beethoven. Aqui temos um otimista teimoso e incorrigível, um homem que se recusa a admitir a derrota, um homem com uma confiança ilimitada no futuro da humanidade. Nessa música maravilhosa ele está nos dizendo: não importa quantas derrotas soframos, não importa quantos heróis pereçam, não importa quantas vezes sejamos jogados ao chão, sempre nos levantaremos novamente! Vocês nunca poderão nos derrotar! Pois vocês nunca poderão conquistar nossas mentes e almas. Esta música expressa o espírito eterno da revolução.
A longa noite escura
O otimismo revolucionário de Beethoven estava prestes a experimentar seu teste mais sério. Apesar de Napoleão ter restaurado todas as formas externas do Antigo Regime, o medo e a aversão à França napoleônica na Europa monarquista não eram menores que antes. Os chefes coroados da Europa temiam a revolução mesmo na forma degenerada e distorcida do bonapartismo, assim como, mais tarde, temeram e odiaram a caricatura burocrática stalinista de Outubro. Conspiraram contra Napoleão, lançaram ataques contra ele, tentaram de todos os modos estrangulá-lo e sufocá-lo.
O avanço dos exércitos de Napoleão em todas as frentes deu um conteúdo material a esses sentimentos de alarme. Os regimes monarquistas reacionários da Europa, liderados pela Inglaterra com seu suprimento ilimitado de ouro, não pouparam esforços para enfrentar a ameaça francesa. Entramos em um período convulsivo de guerra, conquista estrangeira e lutas de libertação nacional que, com fluxos e refluxos, duraram mais de uma década. O Grande Armée de Napoleão conquistou quase toda a Europa Continental, antes de finalmente sofrer uma séria derrota no deserto gelado da Rússia em 1812. Enfraquecido por esse pesado golpe, Napoleão foi finalmente derrotado por uma força anglo-prussiana nos campos enlameados de Waterloo.
Para Beethoven, o ano de 1815 foi marcado por dois desastres: um no cenário mundial, outro de caráter pessoal: a derrota da França em Waterloo e a morte do amado irmão do compositor, Kasper. Profundamente afetado pela perda de seu irmão, Beethoven insistiu em se encarregar da educação de seu filho, Karl. Isso levou a uma disputa longa e amarga com a mãe de Karl em relação à custódia.
O período após 1815 foi de reação negra. A contrarrevolução monarquista-feudal triunfou ao longo da linha. O Congresso de Viena (1814-15) restabeleceu o governo dos Bourbons na França. Metternich e o czar da Rússia lançaram uma verdadeira cruzada para derrubar regimes progressistas em toda parte. Revolucionários, liberais e progressistas foram caçados, presos e executados. Uma ideologia reacionária baseada na religião e no princípio monarquista foi imposta. A Áustria e a Prússia monarquistas dominavam a Europa, apoiadas pelas baionetas da Rússia czarista.
É verdade que a guerra contra a França continha elementos de uma guerra de libertação nacional em países como a Alemanha. Mas o resultado foi inteiramente reacionário. O caso mais claro disso foi a Espanha. O domínio estrangeiro foi derrubado por um movimento nacional, cujo principal componente eram as “massas das trevas” – um campesinato oprimido e analfabeto, sob a influência de um clero fanático e reacionário. Sob o reinado de Fernando VII, a reação reinou na Espanha, onde o experimento com uma constituição liberal foi esmagado sob os pés.
As magníficas, torturadas pinturas dos últimos anos de Goya refletem a essência deste período turbulento. As pinturas e gravuras de Goya são um reflexo gráfico do mundo que ele viu ao seu redor. Como a música de Beethoven, essas pinturas são mais do que arte. Elas são uma declaração política. São um protesto furioso contra o espírito predominante de reação e obscurantismo. Como que para sublinhar seu protesto, Goya escolheu o caminho do auto-exílio voluntário do regime repressivo do rei traidor Fernando VII, seu antigo protetor. Goya não estava sozinho em seu ódio ao monarca espanhol — Beethoven se recusou a lhe enviar suas obras.
Em 1814 — a data do Congresso de Viena – Beethoven estava no auge de sua carreira. Mas a reação crescente em toda a Europa, que enterrou as esperanças de uma geração, teve um efeito amortecedor no espírito de Beethoven. Em 1812, quando o exército de Napoleão foi detido nos portões de Moscou, Beethoven estava trabalhando em suas sétima e oitava sinfonias. Então, depois de 1815, silêncio. Ele não escreveu mais sinfonias por quase uma década, quando escreveu sua última e maior sinfonia.
A derrota final do que restou da Revolução Francesa enterrou todas as esperanças e sufocou o impulso criativo. Os anos de 1815 a 1820 viram um declínio acentuado na produção de Beethoven quando comparado ao tremendo jorro de música no período anterior. Apenas seis obras dignas de nota foram produzidas em tantos anos. Elas incluem o ciclo de canções An der fernte Geliebte (para o ente querido distante), as últimas sonatas para violoncelo e piano, as sonatas para piano opus 101 e a grande sonata Hammerklavier, uma obra cheia de contradições internas e discórdia, possivelmente refletindo a discórdia em sua vida pessoal.
Ele agora estava profundamente surdo. Lemos histórias comoventes de sua luta para ouvir algo de suas próprias composições, que têm um caráter filosófico cada vez mais contemplativo e introvertido. O movimento lento da sonata Hammerklavier, por exemplo, é abertamente trágico, refletindo um senso de aceitação. A surdez de Beethoven o condenou a uma solidão agonizante, agravada por períodos frequentes de carência material. Ele se tornou cada vez mais introvertido, temperamental e desconfiado, o que só serviu para isolá-lo ainda mais das outras pessoas.
Após a morte de seu irmão, ele desenvolveu uma obsessão por seu sobrinho Karl e ficou convencido de que deveria estar encarregado da educação do menino. Ele usou toda sua influência para obter a custódia de seu sobrinho e depois negou o acesso da mãe de Karl ao filho. Sem qualquer experiência na paternidade, ele tratou Karl com dureza e rigidez excessivas. Isso levou Karl a tentar o suicídio — um golpe devastador para Beethoven. Mais tarde eles se reconciliaram, mas todo o negócio levou apenas a uma grande infelicidade e dor a todos os envolvidos.
Qual foi o motivo dessa estranha obsessão? Apesar de sua natureza apaixonada, Beethoven nunca conseguiu formar um relacionamento satisfatório com uma mulher, e não teve filhos. Todas as suas emoções foram derramadas em sua música. Isso foi para o eterno benefício da humanidade, mas sem dúvida deixou um vazio na vida pessoal de Beethoven. Já não era jovem. Surdo, solitário e enfrentando o naufrágio de todas as suas esperanças, ele estava procurando desesperadamente preencher o vazio em sua alma.
Contrariado na esfera política, Beethoven lançou-se no que imaginava ser a vida familiar que nunca teve. Esse tipo de situação é bem conhecido pelos revolucionários. Enquanto em tempos de ascensão revolucionária, os assuntos pessoais e familiares parecem empalidecer. Em períodos de reação, essas coisas assumem um significado muito maior, induzindo algumas pessoas a abandonar o movimento e a buscar refúgio no seio da família.
É verdade que esse caso não mostra Beethoven da melhor maneira possível, e algumas pessoas de mente pequena tentaram usar o episódio de Karl para manchar o nome de Beethoven. Tais acusações lembram a observação de Hegel de que nenhum homem é um herói para seu criado, que vê todas as falhas de sua vida pessoal, suas excentricidades e vícios. Mas, como comenta Hegel, o criado pode criticar essas falhas. Seu alcance de visão não vê nada além de assuntos triviais, e isso explica por que ele só será um criado e não um grande homem. Por todas as suas falhas (e falhas são inevitáveis para todos os seres humanos), Beethoven foi um dos maiores homens que já viveram.
Isolamento
Apesar de tudo, nesta longa e escura noite de reação, Beethoven nunca perdeu a fé no futuro da humanidade e na revolução. Agora tornou-se lugar comum se referir ao seu grande humanitarismo. Isso está correto, porém somente até certo ponto. Coloca Beethoven no mesmo nível de párocos, pacifistas e velhinhas bem-intencionadas que dedicam seu tempo livre a “causas dignas”. Ou seja, coloca um gigante no mesmo nível de um pigmeu.
A perspectiva de Beethoven não era apenas um humanitarismo vago, que deseja que o mundo seja um lugar melhor, mas nunca ultrapassa a impotente torção de mãos e as piedosas boas intenções. Beethoven não era um humanista burguês, mas um republicano militante e um fervoroso defensor da Revolução Francesa. Ele não estava preparado para se render à reação predominante ou se comprometer com o status quo. Esse espírito revolucionário intransigente nunca o deixou até o fim de seus dias. Havia ferro na alma deste homem, que o sustentou através de todas as provações e tribulações da vida.
Sua surdez durou os últimos nove anos de sua vida. Um a um, ele havia perdido seus amigos mais confiáveis e estava completamente sozinho. Nessa solidão desesperada, Beethoven ficou restrito a se comunicar com as pessoas por escrito. Ele negligenciava sua aparência ainda mais do que antes, e parecia um mendigo quando saía. No entanto, mesmo em circunstâncias tão trágicas, ele estava trabalhando em suas maiores obras-primas.
Como Goya, em seu período negro, ele agora estava compondo não para o público, mas para si mesmo, encontrando expressão para seus pensamentos mais íntimos. A música de seus últimos anos é o produto da maturidade da velhice. Não é uma música bonita, mas muito profunda. Ela transcende o romantismo e aponta o caminho a seguir para o mundo torturado de nossos dias.
Longe de ser popular no momento, as obras de Beethoven eram profundamente fora de moda. Eles eram contra o espírito da época. Em tempos de reação, o público não quer idéias profundas. Assim, após a derrota da Comuna de Paris, as operetas leves e frívolas de Offenbach eram o último grito. A burguesia de Paris não queria ser lembrada de tempestade e estresse, mas sim beber champanhe e assistir às travessuras de lindas coristas. As músicas alegres, mas superficiais, de Offenbach refletiam esse espírito perfeitamente.
Nesse período, Beethoven escreveu a Missa Solemnis, Grosse Fuge e os últimos quartetos de cordas (1824-6), música muito à frente de seu tempo. Essa música mergulha muito mais fundo nas profundezas da alma humana, do que quase qualquer outra composição musical. No entanto, essa música era tão extraordinariamente original que muitas pessoas realmente entenderam que Beethoven havia enlouquecido. Beethoven não prestava qualquer atenção a tudo isso. Ele não se importava com a opinião pública e nunca foi discreto ao expressar suas opiniões. Isso era perigoso. Somente seu status de compositor famoso o manteve fora da prisão.
Devemos ter em mente que, nessa época, a Áustria era um dos principais centros de reação europeia. Não apenas a política, mas também a vida cultural eram sufocadas. Os espiões da polícia do imperador estavam em todas as esquinas. A censura mantinha um olhar vigilante sobre todas as atividades que poderiam ser consideradas até mesmo levemente subversivas. Sob tais circunstâncias, o respeitável burguês vienense não queria ouvir música destinada a despertá-los para a luta por um mundo melhor. Eles preferiam ter seus ouvidos gentilmente agradados pelas óperas cômicas de Rossini — o compositor do momento. Em contraste, a grande Missa Solemnis de Beethoven foi um fracasso.
O tormento na alma do grande homem encontrou seu reflexo naquela estranha composição conhecida como Grosse Fuge. É uma música intensamente pessoal que, sem dúvida, nos diz muito sobre o estado de espírito de Beethoven neste momento (ouça). Aqui estamos na presença de um mundo de conflito, dissonância e contradições não resolvidas. Não era o que o público queria ouvir.
A nona sinfonia
Beethoven, há muito, pensava na ideia de uma sinfonia coral, e usou como texto a Ode à Alegria de Schiller, que ele conhecia desde 1792. De fato, Schiller havia originalmente considerado uma Ode à Liberdade (Freiheit), mas por causa da enorme pressão das forças reacionárias, ele mudou a palavra para Alegria (Freude). No entanto, para Beethoven e sua geração, a mensagem era bastante clara. Era uma Ode à liberdade.
O primeiro esboço da Nona Sinfonia remonta a 1816, um ano após a batalha de Waterloo. Foi concluída sete anos depois, em 1822-24, depois que a Sociedade Filarmônica de Londres havia oferecido a soma de 50 libras por duas sinfonias. Em vez disso, eles receberam esta obra notável, que é muito mais do que quaisquer outras duas sinfonias já escritas.
A Nona sinfonia até hoje não perdeu sua capacidade de chocar e inspirar. Esta obra, que foi chamada de Marselha da Humanidade, foi apresentada pela primeira vez em Viena, em 7 de maio de 1824. Em meio à reação universal, essa música expressa a voz do otimismo revolucionário. É a voz de um homem que se recusa a admitir a derrota, cuja cabeça permanece intacta na adversidade.
Seu longo primeiro movimento surge gradualmente a partir de acordes nebulosos, tão indistintos que parecem emergir da escuridão, como o caos primevo que deveria preceder a Criação. É como um homem dizendo:
“Sim, passamos por uma noite escura quando tudo parecia sem esperança, mas o espírito humano é capaz de emergir triunfante da noite mais escura”.
Então segue-se a música mais incrível, cheia de mudanças dinâmicas, movimentos para frente, constantemente interrompidos pela contradição, mas inexoravelmente avançando. É como o primeiro movimento da Quinta, mas em uma escala infinitamente maior. Como a Quinta, esta é uma música violenta, e é uma violência revolucionária que não tolera oposição, mas que varre tudo à sua frente. Denota luta que é bem-sucedida contra incríveis adversidades, levando ao triunfo final.
Esta música nunca tinha sido ouvida antes. Era algo inteiramente novo e revolucionário. Hoje é impossível compreender o impacto que deve ter causado no público. O tema final que surge como uma explosão de sol radiante através das nuvens é, de fato, ouvido em toda a sinfonia em uma variedade de disfarces sutis (ouça). A mensagem do movimento final, coral, é inequívoca: “Todos os homens serão irmãos!” Esta é a mensagem final de Beethoven para a humanidade. É uma mensagem de esperança — e desafio.
Tão grande foi o tumulto que a polícia de Viena — sempre à procura de indícios de perigosas manifestações públicas — finalmente teve que intervir para detê-lo. Afinal, três ovações eram consideradas o limite até para o imperador. Tal demonstração de entusiasmo não seria considerada uma ofensa a Sua Majestade? A reação instintiva da polícia não foi equivocada. De fato, há algo profundamente subversivo na Nona, do primeiro ao último compasso.
A nona sinfonia foi um sucesso, mas não fez dinheiro. Beethoven estava agora com dificuldades financeiras e sua saúde estava se deteriorando. Ele pegou pneumonia e teve que passar por uma operação. A ferida infectou e seus últimos dias foram passados em agonia.
Beethoven morreu em Viena em 27 de março de 1827, com apenas 56 anos de idade, saúde minada e vida pessoal perseguida pela tragédia. Goya, que também era surdo, morreu no mesmo ano. 25.000 pessoas compareceram ao seu funeral — um fato que mostra até que ponto seu gênio foi reconhecido em vida. No entanto, ele permanece vivo hoje, tão vibrante e relevante como sempre. Assim como era o homem, também era sua música. Na sua música, sentimos que temos todo o homem. Sentimos que o conhecemos e o amamos por toda a nossa vida.
A grandeza de Beethoven consiste no fato de que, em sua música, o indivíduo e o universo são um só. Esta é a música que sugere, constantemente, uma luta para superar todos os obstáculos e subir a um estado superior. Sua música foi revolucionária porque, em sua intensidade abrasadora, lançou luz sobre aspectos da condição humana nunca antes expressos na música. Era verdade expressa na música.
Pós-escrito
A nona sinfonia foi a última palavra de Beethoven — um desafio destemido à reação aparentemente triunfante, que parecia toda-poderosa após a derrota dos exércitos franceses em 1815. Essa aparente vitória final das forças de reação levou a uma onda de desânimo e derrotismo que sufocava as esperanças da geração que havia buscado a salvação na Revolução Francesa. Muitos ex-revolucionários caíram em desespero, e mais de um foi para o lado do inimigo. É um quadro muito familiar para nossa própria geração, com estranhos paralelos com a situação que se seguiu ao colapso da União Soviética.
Também parecia que a Europa estava prostrada aos pés da reação monarquista. Quem poderia enfrentar um poder como os poderes monárquicos unidos da Europa, com a força do czar russo por trás de cada trono e espiões da polícia em cada esquina? Despotismo e obscurantismo religioso triunfavam. Em todos os lugares havia um silêncio sepulcral. E, no entanto, no meio dessa terrível desolação, um homem corajoso levantou a voz e deu ao mundo uma mensagem de esperança. Ele próprio nunca ouviu esta mensagem, exceto dentro de sua cabeça, onde ela nasceu.
Mas a derrota da França e a reimposição dos Bourbons não puderam impedir a ascensão do capitalismo e da burguesia, nem deter a maré da revolução que eclodia repetidamente: em 1830, 1848, 1871. O sistema de produção que triunfara na Inglaterra, agora começava a penetrar em outros países europeus. A indústria, o tear de força, as ferrovias e o navio a vapor eram as forças motoras da mudança universal e irreversível.
As ideias da Revolução Francesa — as ideias de liberdade, igualdade, fraternidade e os direitos do homem — continuaram a atrair a imaginação da nova geração. Mas, cada vez mais, as velhas ideias revolucionárias eram preenchidas com um novo conteúdo de classe. A ascensão do capitalismo significava o desenvolvimento da indústria e da classe trabalhadora — a portadora de uma nova ideia e de uma nova etapa na história da humanidade — o socialismo.
A música de Beethoven foi o ponto de partida para uma nova escola de música, o Romantismo, que estava inextricavelmente ligada à Revolução. Em abril de 1849, no calor da revolução na Alemanha, o jovem compositor Richard Wagner conduziu a Nona Sinfonia de Beethoven em Dresden. Na plateia estava o anarquista russo Bakunin, cujas ideias influenciaram Wagner em sua juventude. Entusiasmado com a música, Bakunin disse a Wagner que se houvesse algo que valesse a pena salvar das ruínas do mundo antigo, seria essa partitura.
Apenas noventa anos após a morte de Beethoven, o próprio czar russo foi derrubado pela classe trabalhadora. A Revolução de Outubro deveria desempenhar um papel semelhante ao da Revolução Francesa. Inspirou gerações de homens e mulheres com a visão de um mundo novo e melhor. É verdade que a Revolução Russa degenerou, sob condições de terrível atraso, em uma caricatura monstruosa que Trotsky, usando uma analogia histórica com a Revolução Francesa, caracterizou como bonapartismo proletário. E, assim como a ditadura de Napoleão minou a Revolução Francesa e levou à restauração dos Bourbons, a ditadura burocrática stalinista na Rússia levou à restauração do capitalismo.
Hoje, em um mundo dominado pelas forças da reação triunfante, enfrentamos uma situação semelhante à enfrentada por Beethoven e sua geração após 1815. Agora, como então, muitos ex-revolucionários abandonaram a luta. Não nos juntaremos ao campo dos cínicos e céticos, mas preferimos seguir o exemplo de Ludwig van Beethoven. Continuaremos a proclamar a inevitabilidade da revolução socialista. E a história vai provar que estamos certos.
Aqueles que preveem o fim da história, provaram estar errados muitas vezes. A história não é tão fácil de parar! Apenas três anos após a morte de Beethoven, os Bourbons franceses foram derrubados pela Revolução de Julho. Isto foi seguido por revoluções em toda a Europa em 1848-9. Então houve a Comuna de Paris de 1871, a primeira revolução genuína dos trabalhadores da história, que abriu o caminho para a Revolução Bolchevique em 1917.
Portanto, não vemos razão para pessimismo. A atual crise mundial confirma a análise marxista de que o sistema capitalista está em um beco sem saída histórico. Prevemos,, com confiança, que o colapso da União Soviética, longe de ser o fim da história, é apenas o prelúdio de seu primeiro ato. O segundo ato será a derrubada do capitalismo em um país ou outro, que preparará o caminho para uma nova onda revolucionária em uma escala nunca antes vista na história.
O declínio do capitalismo não se expressa apenas em termos econômicos e políticos. O impasse do sistema reflete-se, não apenas na estagnação das forças produtivas, mas também na estagnação geral da cultura. No entanto, como sempre acontece na história, sob a superfície, novas forças estão lutando para nascer. Essas forças exigem uma voz, uma ideia, uma bandeira em torno da qual se reunir e lutar. Isso chegará com o tempo e, quando acontecer, não será apenas na forma de programas políticos. Encontrará sua expressão na música e na arte, nos romances e na poesia, no teatro e no cinema. Pois Beethoven e Goya nos mostraram há muito tempo que a arte pode ser uma arma da revolução.
Como os grandes revolucionários franceses — Robespierre, Danton, Marat e Saint-Juste — Beethoven estava convencido de que escrevia para a posteridade. Quando (como frequentemente acontecia) músicos reclamavam que não podiam tocar sua música porque era muito difícil, ele costumava responder: “Não se preocupe, isso é música para o futuro”. Podemos dizer o mesmo sobre as ideias do socialismo. Elas representam o futuro, enquanto as ideias desacreditadas da burguesia representam o passado. Para quem acha isso difícil de entender, dizemos: não se preocupe, o futuro mostrará quem está certo!
No futuro, quando homens e mulheres relembrarem a história das revoluções e as repetidas tentativas de criar uma sociedade genuinamente humana, baseada na verdadeira liberdade, igualdade e fraternidade, eles se lembrarão do homem que, usando como meio uma música que ele podia ouvir, lutou por um amanhã melhor que ele nunca veria. Eles reviverão as grandes batalhas do passado e entenderão a linguagem de Beethoven: a linguagem universal da luta pelo estabelecimento de um mundo adequado para homens e mulheres livres viverem.