Na sexta-feira, 15 de março, o presidente colombiano Gustavo Petro saiu às ruas de Cali. No discurso que proferiu naquele dia, propôs uma Assembleia Constituinte como forma de resolver os vários problemas que a sua presidência encontrou na tentativa de aprovar as reformas para as quais foi eleito.
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No discurso, Petro disse:
“Se as instituições que temos hoje na Colômbia não são capazes de fazer jus às reformas sociais que o povo decretou através do seu voto… então não é o povo que deve voltar para casa de joelhos, derrotado. Pelo contrário, devemos promover a transformação dessas instituições… E, portanto, se esta possibilidade de um governo eleito popularmente no contexto do estado atual e sob a atual constituição da Colômbia não pode aplicar a constituição porque ela está rodeado de tal forma que não pode ser aplicada e é cerceada, então a Colômbia terá que recorrer a uma Assembleia Nacional Constituinte”.
A oligarquia fez um alvoroço em decorrência desta questão. A direita reacionária, com ligações com os traficantes de droga e os paramilitares, declarou que Petro está finalmente avançando no sentido de se perpetuar no poder. María Fernanda Cabal (atualmente a coisa mais próxima que a oposição tem de um líder) declarou que esse discurso representava um “golpe de Estado”.
Essa proposta é um reflexo da crise do reformismo, que em última análise não conseguiu implementar nenhuma das reformas propostas nas eleições de 2022 ou a lista de reivindicações pelas quais o Conselho Nacional de Greve desviou a trajetória da greve nacional de 2021. Depois de um ano e meio no poder, o governo do Pacto Histórico (coligação eleitoral de Petro) não conseguiu aprovar as reformas sanitárias, previdenciárias ou trabalhistas que prometeu. Mas a verdadeira questão é: será que o capitalismo colombiano e a democracia capitalista, que uma Assembleia Constituinte reafirmaria, são suficientes para alcançar estas reformas sociais?
A paralisia do programa de reformas de Petro
Até hoje, nenhuma das reformas cuja promessa levou Petro ao poder chegou à mesa presidencial. Cada uma das reformas suscitou um grande debate nacional. A oligarquia semeou o pânico com a ideia de que a reforma trabalhista aumentaria o desemprego devido à formalização do trabalho e à implementação do adicional noturno e do subsídio de férias. Afirmaram que a reforma da saúde destruiria completamente o que a revista Forbes chama de “um dos melhores sistemas de saúde da América Latina”. E levantaram um clamor sobre como a reforma previdenciária supostamente acabaria com o Estado roubando os fundos das aposentadorias dos trabalhadores.
No entanto, a realidade por trás dessas calúnias é reveladora. Os empresários, por meio da Federação Nacional dos Empresários Comerciantes (Fenalco), declaram que a reforma trabalhista significa um aumento de 30% nos custos, enquanto o Banco da República declarou que a reforma trabalhista poderia acabar eliminando 450 mil empregos. Não só isso, a reforma trabalhista teve que morrer na sétima comissão do Senado devido ao baixo quórum em seu debate e à artimanha da oposição em se abster para matá-la. Mas o que isso diz sobre as empresas colombianas? Em um país onde o salário-mínimo é de 1 milhão e 300 mil pesos (o equivalente a R$ 1691), o fato de um aumento nos custos laborais aparentemente eliminar tantos empregos mostra precisamente que tantas empresas não conseguem sequer oferecer um salário digno aos seus trabalhadores.
A reforma da saúde, da mesma forma, se perdeu pelo labirinto legislativo, após o expurgo da ministra da saúde, Carolina Corcho, que foi removida por ousar sugerir que o monopólio colombiano das companhias de seguros precisava ser substituído por um modelo único de saúde, e substituída por Guillermo Jaramillo, que o diluiu pela metade. Petro teve que recorrer a manobras executivas como a implementação de uma reforma sanitária nas prestadoras de seguros públicos de saúde (EPSs), que neste momento são controladas pelo governo.
A reforma agrária é possivelmente a dívida histórica mais importante que o governo de Petro tem procurado saldar. A análise da Oxfam (2018), utilizando dados do Censo Agrícola Nacional, indica que a Colômbia é o país latino-americano com maior concentração de terras. 1% das maiores explorações agrícolas detêm 81% das terras. Os restantes 19% da terra estão divididos entre 99% das explorações agrícolas. Os 0,1% das explorações agrícolas com mais de 2 mil hectares ocupam 60% de todas as terras. Neste contexto, é altamente revelador que o “governo da mudança” tenha proposto uma reforma agrária, desde o poder executivo, que compensa os proprietários e revende as terras aos camponeses. O seu progresso também é revelador: apenas 4% dos terrenos planejados para revenda até 7 de março foram adquiridos pelo plano.
Em cada uma destas reformas, há um fator comum: a reduzida margem de manobra do capitalismo colombiano limitou enormemente a velocidade com que as reformas podem ser implementadas. Isso dá à oligarquia cada vez mais tempo para sabotá-las e preservar os seus lucros por todos os meios necessários. Mas este não é apenas um problema de tempo, é também um reflexo do estado do capitalismo mundial. Nenhum dos reformistas atuais se mostra capaz de realizar reformas extensas para melhorar a qualidade de vida da classe trabalhadora. Vivemos um período de reformismo sem reformas.
Contudo, não há dúvidas de que a oligarquia pagará um preço por esta sabotagem. Na medida em que a massa de trabalhadores, camponeses e estudantes veem em primeira mão como o capitalismo colombiano afoga as reformas, pelas quais marcharam em 2021, na burocracia, na propaganda e no sangue, compreenderão que a reforma não será obtida através de manobras legais vindas de cima, mas nas ruas.
Os limites da democracia burguesa
Em entrevista ao El Tiempo, Petro tentou deixar clara sua perspectiva, explicando que para ele uma Assembleia Constituinte não seria uma oportunidade para lançar uma nova constituição, mas para reorientar a Constituição de 1991 em vários pontos que não foram considerados na época. Petro encerra a entrevista propondo um programa de oito pontos que abrange diversos temas, como reforma agrária e mudanças climáticas como pontos focais para uma possível Assembleia Constituinte:
- Cumprimento do acordo de paz com os guerrilheiros desmobilizados das FARC.
- Melhoria das condições de vida dos colombianos em termos de saúde.
- Acesso à água e a uma renda básica, especialmente para a população mais idosa.
- Recuperar os objetivos da Constituição de 1991, priorizando a educação pública e a reforma agrária.
- Lutar contra a crise climática e descarbonização da economia.
- Garantir a política monetária, mantendo a independência do Banco Central e priorizando o emprego e a produção.
- Reorganização territorial para incluir regiões historicamente excluídas.
- Separar a política do financiamento privado e reformar o sistema judicial.
Este programa político baseia-se na ideia de que a Colômbia é um país feudal. Na entrevista ao El Tiempo, Petro declarou que é “um socialista”, mas que “aparecerá uma sociedade pós-capitalista porque o capitalismo se desenvolverá”. No entanto, é necessário compreender a natureza das tarefas que Petro propõe para uma Assembleia Constituinte. Estas tarefas, como a reforma agrária e a unificação territorial, são tarefas democrático-burguesas que a luta pela independência não conseguiu realizar na sua época.
Contudo, no atual período do capitalismo, os proprietários de terras e os capitalistas chegam tarde demais à cena da história para cumprir essas tarefas e estão completamente ligados ao mercado mundial. Isso não só os impede, por exemplo, de conduzir uma campanha de expropriação de terras como vimos na Guerra Civil Americana e na Revolução Francesa, como também os coloca na defesa da monopolização da terra.
Desde a mobilização de paramilitares para fins de apropriação de terras, até às manobras da FEDEGAN (Federación Colombiana de Ganaderos, efetivamente a voz dos latifundiários colombianos) para tomar a liderança da reforma agrária e garantir que esta seja baseada na compensação pelos seus latifúndios, ficou claro que os latifundiários colombianos estão altamente interessados em preservar a sua relação com o mercado dos EUA (para onde exportam 580 milhões de dólares em carne bovina e mais de 17 mil toneladas de leite).
Segundo Petro, a Constituição de 1991 não foi aplicada e por isso deve ser convocada uma Assembleia Constituinte. Mas isso levanta uma questão óbvia: por que a Constituição de 1991 não foi aplicada? Em entrevista ao El Tiempo, Petro afirma que isso ocorre porque o Estado foi capturado por mafiosos. Mas, ao mesmo tempo, afirma que não pode dizer que o seu governo está livre dessa mesma corrupção, uma vez que o Estado está intimamente ligado às mesmas máfias, mesmo sob a sua administração.
Um exemplo recente são os dois ex-procuradores (Francisco Barbosa e Marta Mancera, ambos remanescentes da presidência de Duque) que foram acusados de encobrir os crimes de Francisco Martinez, que, durante seu tempo como diretor do CTI (Cuerpo Técnico de Investigación , uma divisão da Procuradoria-Geral da República) em Buenaventura encobriu vários casos de tráfico de drogas. Esse é um dos muitos casos de corrupção que Petro herdou da oligarquia ao confiar nos referidos funcionários.
Contudo, face a esses casos de corrupção, os comunistas na Colômbia explicaram que esta é a verdadeira natureza do Estado burguês. Não é um ator neutro que possa ser reorientado para as necessidades das massas. Pelo contrário, o Estado é formado por órgãos armados de homens em defesa da propriedade privada e das instituições que os apoiam. Não há constituição que possa livrar-se desta realidade sem tocar na propriedade privada.
Não só isto, mas o fenômeno da corrupção (ou seja, o enriquecimento ilícito através do uso das instituições do Estado capitalista) é parte integrante de todos os países capitalistas, desde a Grã-Bretanha (onde o Partido Conservador do Reino Unido não teve escrúpulos em distribuir contratos de resposta à pandemia aos amigos do primeiro-ministro Boris Johnson, levando ao fracasso da entrega de 20%, custando bilhões de libras e milhares de vidas) aos Estados Unidos (onde senadores como Dianne Feinstein enriqueceram através do uso de informações confidenciais para reforçar as suas especulações e investimentos).
A causa da corrupção colombiana não se encontra na mera malícia dos seus empresários e dos seus comparsas no tráfico de drogas (embora isso certamente desempenhe um papel), mas na natureza de um sistema econômico impulsionado pelo lucro e pela exploração da classe trabalhadora, em que a Colômbia funciona como parte do mercado capitalista mundial. Isto não pode ser resolvido simplesmente alterando as regras do sistema, mas apenas através de uma mudança radical.
O monopólio da oligarquia
A palavra de ordem de uma Assembleia Constituinte é incorreta, porque uma nova constituição não será capaz de resolver a questão do estrangulamento das reformas. O fracasso da oligarquia em cumprir a Constituição deve-se precisamente ao fato de que o verdadeiro poder político e econômico está nas suas mãos.
O problema não é simplesmente a configuração política da Colômbia. Pelo contrário, o erro consiste em não reconhecer o período histórico em que a Colômbia se encontra. Hoje, a economia mundial é caracterizada por uma concentração cada vez maior de capital e riqueza nas mãos de alguns bancos e monopólios gigantescos. Isto é demonstrado pelo fato de 55% do PIB da Colômbia provir das cinco maiores cidades do país, e toda a produção industrial estar concentrada nos grandes conglomerados como Nutresa, Argos e Terpel, entre outros. As 100 maiores empresas da Colômbia declaram apenas US$ 45 para cada US$ 100 em vendas no mercado.
O problema não é que o capitalismo não tenha se desenvolvido na Colômbia. O problema é que o desenvolvimento do sistema a nível mundial depende do atraso de países como a Colômbia precisamente para explorar as suas classes trabalhadoras ao menor custo possível.
Uma Assembleia Constituinte que não tocar na propriedade privada e que não estiver disposta a expropriar os pontos de comando da economia provará ser um beco sem saída, cujo único papel seria restaurar as ilusões nas instituições burguesas que têm destruído as vidas de milhões de colombianos ao longo das décadas, supervisionando a exploração da classe trabalhadora e a expropriação de terras dos camponeses
Por trás desta Assembleia Constituinte, Petro tenta mobilizar as suas bases, mas sem atacar a propriedade privada. Mas depois de as massas que o colocaram no poder se mobilizarem nas ruas para lutar por esta assembleia constituinte, é provável que fiquem desgastadas e desiludidas ao perceberem que, mesmo assim, não serão capazes de implementar as reformas pelas quais realmente estão lutando, uma vez que cada uma das reformas propostas por Petro (da reforma agrária à reforma trabalhista) entra em conflito direto com a riqueza da classe dominante colombiana.
No último ano e meio, vimos como o canal parlamentar não conseguiu concretizar as reformas para as quais Petro foi eleito. Elas foram paralisadas por funcionários burocratizados, por empresários que procuram proteger os seus lucros e por assassinos dispostos a matar líderes sociais. Elas só podem ser conquistadas nas ruas. No entanto, a classe trabalhadora, o campesinato e a juventude não sairão às ruas através de apelos abstratos por “vida e paz”. Em vez disso, as massas sairão para lutar quando estiverem armadas com um programa que coloque os seus destinos nas suas próprias mãos e lhes permita resolver os problemas que o capitalismo cria através dos seus próprios meios.
Constituição ou revolução?
O programa que Petro propõe é o cumprimento de todas as promessas quebradas da oligarquia, conforme listadas na Constituição de 1991 e nos acordos de paz de 2016. Estes documentos, no entanto, não refletem as aspirações da classe trabalhadora por uma sociedade verdadeiramente democrática, na qual a produção ocorra para satisfazer as necessidades da sociedade e não para o enriquecimento de uma minoria. Pelo contrário, estes documentos refletem as aspirações da ala mais moderada da oligarquia, que sonha com uma Colômbia em uma posição mais elevada no mercado mundial (e, portanto, uma Colômbia mais rica).
Este programa decorre do fato de o Pacto Histórico ser uma frente popular que propõe unir as forças progressistas do país sob a bandeira do capitalismo “progressista”. Com o Colombia Humana (o partido de Petro) na vanguarda, defende a ideia utópica de um capitalismo “humanitário” que pode transformar a Colômbia em uma potência mundial capaz de implementar as reformas, em oposição às quais a oligarquia tem atacado e matado líderes trabalhadores e camponeses ao longo da história do país. A premissa subjacente ao programa do partido é, em outras palavras, o desenvolvimento do capitalismo, a fim de criar uma base para as reformas sanitária, previdenciária, trabalhista e agrária.
Mas este programa é um beco sem saída. O programa de Petro propõe o desenvolvimento do capitalismo colombiano sobre uma base “mais justa e mais racional”, em oposição aos capitalistas colombianos que mantêm o controle total do Estado e, portanto, controlam a forma como a constituição é aplicada.
O que se necessita é a derrubada da oligarquia e das suas instituições corruptas. Isto só pode ser alcançado com base em um movimento revolucionário de massas da classe trabalhadora e do campesinato, pronto a desmantelar o Estado capitalista e a substituí-lo pelas suas próprias organizações democráticas, a desarmar os bandidos paramilitares da oligarquia e a nacionalizar os bancos, terras e monopólios, e colocá-los sob o controle dos trabalhadores.
Com base nessa luta, a enorme riqueza que a Colômbia produz para o imperialismo mundial e para os seus lacaios em Bogotá poderia ser tomada e colocada ao serviço da classe trabalhadora, do campesinato e da juventude colombiana para alcançar a reforma agrária, a “melhoria das condições de vida dos colombianos”, o “acesso à água”, a “priorização da educação pública” e todos os outros pontos da proposta de Assembleia Constituinte de Petro.
A base para tal movimento existe na sociedade colombiana. Seu potencial foi visto nas greves nacionais de 2019 e 2021. Vimos isso nas grandes manifestações em defesa das reformas do governo e em como cada manifestação das aspirações das massas tendeu a sair do controle da liderança do Pacto Histórico. No entanto, o potencial deste movimento está sendo desperdiçado e encarcerado, uma vez que está dentro dos limites impostos pela oligarquia colombiana, que tem representantes próprios no governo e no Pacto Histórico.
A tarefa mais urgente do movimento operário é romper com esses “camaradas” pró-capitalistas na coligação governamental e dentro do próprio Pacto Histórico, para estabelecer um partido de classe revolucionário independente, capaz de conduzir as massas exploradas à vitória nos eventos que virão, à medida que atravessamos um período não de Assembleia Constituinte e de desenvolvimento pacífico do capitalismo colombiano, mas de crises e de novas greves nacionais, onde as tradições dos cabildos (assembléias de massa) e da Primera Línea (grupos de autodefesa inspirados nos acontecimentos no Chile em 2019) serão novamente postos à prova contra as forças do Estado colombiano.
Existe a matéria-prima para um movimento revolucionário que possa transformar a sociedade colombiana desde a raiz. Vemos isso entre os jovens, lutando pela democratização da Universidade Nacional e pela expansão desse movimento para universidades de todo o país com as mesmas demandas. Vemos isso na classe trabalhadora, que se mobiliza em defesa das reformas sob a liderança das suas organizações centrais, e está pronta para acertar contas com a burguesia nas ruas. Vemos isso também no campesinato, que organizou os seus comitês para gerir a reforma agrária e quebrar as barreiras da burocracia estatal, a fim de cumprir a promessa de Petro de tornar a terra “dos camponeses desde o primeiro dia da minha presidência”.
Esta organização tem de ser guiada por um programa para colocar a classe trabalhadora no poder, para que possa planejar a economia para o bem da sociedade e possa orientar os milhões de trabalhadores na ação, à medida que procuram uma solução duradoura para a crise, em vez de uma mera trégua antes do inevitável retorno da oligarquia ao executivo. Só com tal organização poderemos eliminar a oligarquia colombiana e transformar profundamente a nossa sociedade, que a Constituição de 1991 não conseguiu resgatar da pobreza.