Estas linhas foram escritas às 11:30 da noite da sexta-feira (22/11) em Bogotá, sob um toque de recolher que não se via desde 1977. Uma noite silenciosa, poder-se-ia dizer, se considerarmos que podemos ouvir o vizinho tossir do prédio em frente, mas, segundos depois, se ouve o helicóptero que vigia o setor desde a manhã de 21 de novembro, data em que os trabalhadores da Colômbia decidiram parar, desesperados com o “Paquetazo” de medidas anunciado por Iván Duque. Um desespero talvez comparável ao medo que invade ao presidente e ao seu dono: o senador e ex-presidente Álvaro Uribe Vélez.
[Source]
Essa iniciativa de protesto, surgida a partir de organizações de esquerda, sindicatos e associações de trabalhadores, superou aos seus próprios convocadores. Esse é o resultado de um grande descontentamento acumulado durante décadas de exploração e violência. Não foi uma soma lenta e gradual; pelo contrário, o histórico atraso do campo, a violência política, o ínfimo desenvolvimento da indústria, a repressão política e a violência contra os mais vulneráveis se nutriram dos cortes à educação, dos ataques ao meio-ambiente, da redução no salário dos jovens, do incremento do narcotráfico e de seu poder mafioso, do assassinato de líderes sociais e de menores de idade acusados de guerrilheiros etc. O resultado é mais do que uma soma de descontentamentos, é um despertar de consciência que levou os trabalhadores colombianos a sair às ruas e exigir a vida digna que merecem há séculos e para dar um fim a anos de miséria, fome e devastação.
O exemplo das lutas de Porto Rico, Equador e Chile serviu como uma centelha para acender o descontentamento. As multidões que se aglomeraram em todo o país chegaram a recordes históricos. Embora o governo tenha tentado avaliar uma cifra de 150 mil pessoas se mobilizando no país, a realidade é que só em Bogotá essa cifra pode ter-se multiplicado por nove ou dez.
Desde alguns dias antes da mobilização percebia-se o medo que hoje invade a burguesia colombiana. Seus meios de comunicação fabricaram todo tipo de mentiras dissuasivas. Decidiu-se pelo fechamento das fronteiras. Forças da polícia patrulhavam setores estratégicos da cidade. Os prédios do Estado e das grandes empresas foram objeto de toda proteção. Nos dias anteriores foram invadidas as sedes do Partido Comunista, de coletivos artísticos e de meios de comunicação independentes. No entanto, isso não impediu que o povo saísse às ruas.
21 de novembro: a Colômbia decide escrever sua própria história
Desde o início das mobilizações o ESMAD (Esquadrão Móvel Antidistúrbios) mostrou sua violência, sobretudo sobre os setores populares. Enquanto a marcha pela rodovia 7 (coluna vertebral de Bogotá) se adiantou sem perturbações, a polícia havia infiltrado todo tipo de elementos lúmpen. Os que tentavam provocar atos de violência eram expulsos da mobilização pelos manifestantes. Alguns ladrões conseguiram roubar celulares, mas todos os que vivem em Bogotá já viveram pelo menos uma experiência dessas. Em outros pontos do país, a brutalidade policial se deixou sentir de forma explícita. O caso mais lamentável foi talvez o ataque sofrido por jovens que se ajoelharam em gesto de paz diante dos agentes da ordem. Estes últimos responderam convertendo uma encruzilhada de avenidas em um campo de batalha. Ao cair da tarde, as mobilizações se mantinham.
Na cidade de Cali a polícia permitiu uma onda de distúrbios para justificar uma ampla repressão. Com isso, justificaram o toque de recolher. A resposta da cidadania, indignada com a falta de compromisso dos prefeitos com o direito ao protesto e com a brutalidade e sevícia demonstradas pela polícia nacional contra pessoas indefesas (sobretudo mulheres), motivou o apelo a um panelaço. Desde às 7 horas da noite, em diversas cidades do país, panelas e frigideiras – que cada vez mais estão difíceis de encher – foram espancadas por colheres e garfos durante horas. Inclusive cidades que tradicionalmente eram uribistas – como Medellín – fizeram soar suas panelas em uma informe sintonia rítmica de emancipação.
Enquanto isso, líderes sindicais preparavam o seu anúncio para expressar sua vontade de negociar com o governo. Minutos mais tarde, Iván Duque falou pela televisão. Seu tom bélico não disse nada claro: afirmou-se como defensor da democracia e prometeu repressão aos vândalos. Mas já sabíamos que o vandalismo era obra do Estado. Quando um tipo com a responsabilidade de governar um país não pode sequer se expressar com clareza, é hora de mandá-lo embora. Por isso, desobedecendo a orientação sindical, foi promovida uma nova jornada de protesto. Em diversas cidades foi decretada a lei seca e o toque de recolher.
O protesto continua
A partir da manhã evidenciaram-se os problemas de transporte na capital provocados pelo fechamento de estações e portais de TransMilenio (BRT). Isso não evitou que o centro da cidade ficasse inundado de gente. Sobretudo, com jovens. A marcha foi reprimida e se convocou panelaços em espaços públicos da cidade. A assistência foi massiva em todos os casos e o Estado respondeu com toque de recolher e com o anúncio de conversar na próxima semana.
Tão logo se iniciou o toque de recolher receberam-se informes de vândalos invadindo casas. A comunicação entre os trabalhadores permitiu evidenciar que se tratava de delinquentes contratados pela polícia, segundo alguns informes, por 50 mil pesos (aproximadamente 13 euros). Em zonas como na 7 de Agosto se ouviram disparos. A coisa saiu tão mal que o prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, denunciou que essas notícias faziam parte de uma campanha para criar o pânico. Agora, em vários conjuntos residenciais da cidade, os trabalhadores fazem guarda armados com o que encontraram em suas casas. Convocou-se a continuação do protesto neste sábado a partir das 10 horas da manhã).
Essa demonstração de violência, esse afã de usar todos os métodos de repressão possíveis, evidencia o medo de um presidente que o sul do país chamou de covarde. Uma covardia que vem de cima e se evidencia no desespero de Álvaro Uribe quando denuncia o bloqueio de sua conta de Twitter. As mesmas incongruências à hora de falar de repressão e respeito ao diálogo e à democracia são outras evidências do medo que domina o presidente Duque e seu dono Uribe.
Ao mesmo tempo em que promove a repressão e militariza Bogotá, Duque faz apelos a um “diálogo nacional” sobre as medidas sociais necessárias. Em mais de um sentido, essas táticas de bastão e cenoura lembram o chileno Piñera, mas a Colômbia não é o Chile e a prática de aplicar fórmulas externas sempre saiu muito cara para nossa oligarquia.
Essa situação em que o regime no poder e a classe que o respalda não são capazes de responder às menores necessidades de seus governados, em que a confiança do povo em sua autoridade máxima é nula e em que a única coisa que se garante por parte do governo é a violência e a morte, torna-se necessário passar à ofensiva.
E se derrubarmos o governo?
Neste momento, a única garantia que se tem para se dar um fim ao “pacote” de Duque é tirar sua infecta presença da cadeira de Bolívar. Chegar a isso não será fácil. O governo é fraco e impopular. Embora o descontentamento das massas seja mais do que evidente, não se consolidou uma direção revolucionária que oriente o movimento para a vitória. Para isso, é necessário que, nessas jornadas de luta que nos aproximaram de nossos vizinhos e nas quais vimos o despertar da consciência política de vários amigos, organizemos cabildos populares nos quais se analisem os problemas imediatos e se busquem soluções coletivas. Esses cabildos deverão funcionar sob uma estrutura democrática, de tal forma que fique garantido que seu controle repouse nas mãos de todo o povo. Será nesses criadouros que serão forjados os líderes que necessitamos.
Enquanto chegamos a esse cenário, devemos manter o protesto até que Iván Duque seja retirado do poder e, tanto ele quanto o seu dono, sejam processados. Como parte disso, devemos exigir a dissolução do ESMAD e formar comitês de defesa operária. Esses podem levar o nome de vítimas da violência estatal. Só eles, manejados democraticamente, podem-nos garantir a verdadeira segurança. Depois disso, só um programa socialista que surja dos cabildos organizados, poderá ser uma verdadeira saída de cinco séculos de violência capitalista. Conseguir isso não será fácil, mas os trabalhadores sabemos que o que é importante só aparece como resultado do esforço.
Fora Duque!
Construamos uma Colômbia Socialista!