O banqueiro Lasso, presidente do Equador, utilizou-se do procedimento de "morte cruzada" para fechar o Congresso Nacional apenas duas horas antes do início da votação de seu processo de impeachment por corrupção. Agora, devem ser convocadas eleições dentro do prazo de seis meses, para a renovação tanto do Executivo (a presidência) quanto do Legislativo (o congresso). Mas, nesse ínterim, o presidente permanece no cargo e vai governar por decreto e sem controle parlamentar. Portanto, é um autogolpe.
Não por acaso Lasso mobilizou os soldados em torno do Congresso e do Palácio Presidencial, e a liderança do Exército, cúmplice da decisão, saiu para respaldar a “morte cruzada”.
Corretamente, a direção da CONAIE rejeitou a medida, que Leonidas Iza classificou com precisão de autogolpe, e apelou por vigilância, assembléias permanentes e a criação de uma ampla Assembléia Nacional do Poder Popular e Plurinacional. Para as próximas horas, foi convocado um plenário nacional da entidade para definir possíveis mobilizações contra o golpe de Lasso.
No entanto, é necessário assinalar que a declaração da CONAIE está pedindo um parecer do Tribunal Constitucional. Devemos advertir que é um erro grave tentar combater um golpe burguês com apelos à legalidade burguesa. O decreto de Lasso, que, por outro lado, é tecnicamente legal por estar previsto na Constituição, é um golpe porque é uma manobra para burlar o voto democrático dos parlamentares quando se sabia que isso lhe seria desfavorável.
O mais escandaloso é que, enquanto o presidente dissolve o congresso, ao mesmo tempo reserva para si mesmo poderes para governar por decreto por seis meses em assuntos econômicos urgentes. O conselho de ministros já anunciou uma série de decretos que pretende aplicar, o primeiro seria a reforma tributária e o segundo a reforma trabalhista, obviamente ambos favoráveis aos empregadores e contrários aos interesses da classe trabalhadora.
Como explicamos em artigos anteriores, o governo Lasso foi um governo muito débil, que só conseguiu se eleger no segundo turno devido ao voto nulo do partido indígena Pachakutik. A pouca popularidade que o governo poderia ter, a perdeu desde a greve nacional de junho de 2022, quando respondeu às demandas dos trabalhadores e camponeses com uma repressão brutal. Nas eleições locais de fevereiro deste ano, sua coalizão foi duramente derrotada; e o referendo proposto pelo próprio Lasso foi um fracasso total, com a derrota nas oito questões apresentadas. O índice de aprovação do presidente é de míseros 13%, com 51% avaliando sua gestão como ruim e 32% como péssima.
A situação econômica e social só piorou. A declaração da CONAIE apresentou dados assustadores: 70% da população está desempregada, subempregada ou em condições precárias; mais de 6 milhões de famílias vivem na pobreza ou extrema pobreza; mais de 200.000 equatorianos foram forçados a deixar o país no que é a segunda crise migratória mais importante dos últimos 40 anos; mais de 130.000 jovens não puderam ingressar na universidade. A tudo isso devemos acrescentar a crise de violência ligada às quadrilhas de traficantes que operam impunemente.
Temendo um movimento de massas a partir de baixo, até mesmo os representantes políticos da classe dominante decidiram derrubar Lasso, em um movimento a partir de cima, através do parlamento, criando assim uma maioria a favor do impeachment. O processo de impeachment foi aberto na terça-feira, dia 16, e sua votação final deveria ocorrer no sábado, dia 20.
Ademais, o decreto de Lasso revela a repugnante hipocrisia do imperialismo norte-americano e de seus lacaios na oligarquia capitalista da América Latina. Quando o presidente peruano Castillo decidiu dissolver o congresso e convocar eleições antecipadas, usando um procedimento análogo ao de Lasso, a liderança militar, empresarial e política burguesa imediatamente lançou um golpe, temendo que a decisão de Castillo (que ademais queria convocar uma Assembléia Constituinte) pudesse despertar o movimento das massas nas ruas. No caso do Peru, Washington se apressou a reconhecer o golpe contra o presidente democraticamente eleito, um golpe do qual a embaixada americana já estava informada.
Mas no caso do Equador, onde quem decide é um presidente banqueiro, lacaio do imperialismo, cuja intenção não é a de aplicar o mandato popular, mas justamente a de evitá-lo e governar por decreto em benefício dos capitalistas e multinacionais, então os EUA se apressam em apoiar o autogolpe de Lasso. Em uma declaração poucas horas após a decretação da “morte cruzada”, o porta-voz do Departamento de Estado, Vedant Patel, anunciou que "nosso relacionamento bilateral com o governo do Equador ... continua forte", acrescentando que o presidente Biden estava "ciente" da decisão de Lasso. É claro que Lasso consultou seu mestre na Casa Branca antes de tomar qualquer decisão. Sem a menor vergonha, o porta-voz dos Estados Unidos ofereceu seu apoio "às instituições e processos democráticos do Equador", justamente quando a democracia está sendo violada, e expressou seu respeito "pela vontade do Governo e do povo equatoriano", sendo que ambas as coisas (governo e o povo) estão em contradição.
Estamos claramente ante um movimento da classe dominante, com o apoio do imperialismo norte-americano, para manter no poder um banqueiro que já nem sequer tem apoio parlamentar, para que aplique medidas econômicas urgentes contra a classe trabalhadora e a favor da oligarquia. A única resposta possível por parte dos trabalhadores, camponeses e da juventude equatoriana é sair às ruas para impedir esta manobra.
A luta contra o autogolpe de Lasso não deve se limitar à questão democrática, mas deve estar vinculada a um plano de reivindicações que responda às necessidades mais imediatas das massas. Para que o povo tenha saúde, educação, moradia e trabalho, há que se fazer com que os capitalistas paguem pela crise, começando-se pelo repúdio da onerosa dívida externa e pela expropriação da oligarquia.
O problema não é que "o modelo neoliberal tenha fracassado", como afirmam Correa e Iza, mas sim que o neoliberalismo é o reflexo da crise do capitalismo em um país dominado pelo imperialismo e também da tentativa da oligarquia capitalista de fazer a maioria, os trabalhadores e os camponeses, pagar por essa crise. Portanto, o que deve ser derrotado é o capitalismo.
Nos últimos 25 anos, tem se demonstrado repetidamente que o povo equatoriano, os trabalhadores e os camponeses pobres, quando se movem, são capazes de defender seus interesses com coragem e derrubar aqueles que governam contra a maioria.
É imperativo tirar lições dos movimentos recentes. Nas duas últimas ocasiões, na insurreição de outubro de 2019 e na greve nacional de junho de 2022, o que faltou foi uma perspectiva clara de tomada do poder pela liderança do movimento. As promessas feitas nas duas ocasiões pelo governo (em 2019 por Moreno, em 2022 por Lasso), de apaziguar o movimento e tirar as massas das ruas, nunca foram cumpridas. Não se trata de trocar um governo por outro, mas de derrubar a oligarquia capitalista e que a classe trabalhadora governe em benefício da maioria e não de uma minoria parasitária submetida ao imperialismo.
É preciso construir uma direção revolucionária, fundamentada nas ideias do marxismo, com a perspectiva da transformação socialista da sociedade, no Equador, na América Latina e no mundo.
18 de maio de 2023