Funcionários da grande desenvolvedora de jogos Activision Blizzard começaram a se organizar e a agir contra o assédio e a discriminação. Para expulsar o sexismo da indústria de tecnologia, devemos expulsar os patrões e lutar para colocar os trabalhadores no controle.
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Durante anos, uma cultura tóxica de sexismo galopante permeou a Activision Blizzard, a empresa de desenvolvimento de videogames por trás de títulos como World of Warcraft e Call of Duty.
Isso foi divulgado publicamente em 20 de julho, quando o Departamento de Fair Employment and Housing (DFEH) da Califórnia abriu um processo contra a empresa, alegando sexismo generalizado no local de trabalho, chamando a empresa de “um terreno fértil para assédio e discriminação”.
O processo também alega que as mulheres recebiam menos do que os homens para as mesmas funções, muitas vezes forçadas a cargos de escalão inferior, e eram promovidas com menos frequência do que seus pares homens.
A DFEH declara que os gerentes da Activision Blizzard promoveram uma cultura de trabalho sexista e permitiram que seus funcionários “participassem de ridicularizações sobre seus encontros sexuais, falassem abertamente sobre corpos femininos e fizessem várias piadas sobre estupro”.
As mulheres eram assediadas abertamente no trabalho e submetidas a tateamentos, comentários sexistas e avanços indesejáveis. Além disso, as mulheres negras e outras mulheres de cor foram desproporcionalmente discriminadas, sendo submetidas a intenso escrutínio e microgestão.
Ponto de ebulição
Tanto o RH quanto os executivos da empresa sabiam sobre o assédio contínuo relatado por funcionárias. A empresa, por sua vez, ativamente ignorou ou puniu as mulheres que se manifestaram. O ambiente misógino era tão descarado que, em 2013, o quarto de um hotel executivo da BlizzCon foi apelidado de ‘Cosby Suite’.1
A empresa respondeu à ação com uma declaração pública afirmando valorizar a diversidade e a inclusão no ambiente de trabalho. A declaração rejeitou tudo alegado na ação judicial da DFEH como “antigo” ou “impreciso”.
Frances Townsend, vice-presidente executiva de assuntos corporativos da Activision Blizzard e ex-conselheira de segurança interna do governo Bush, distribuiu um memorando furioso aos funcionários chamando o processo de “infundado”.
O COO, Joshua Taub, convocou uma reunião com 500 funcionários, exigindo aos trabalhadores que mantenham silêncio sobre a investigação. Quando um membro da equipe perguntou se a sindicalização poderia ajudar a resolver a questão do assédio sexual, o executivo respondeu: “A melhor forma de proteção é entrar em contato com seus supervisores, ligar para a linha de apoio e acessar os meios de comunicação”.
Em poucos dias, a raiva dos trabalhadores atingiu um ponto de ebulição e coletivamente começaram a se movimentar por si mesmos. Mais de 3.100 funcionários assinaram uma carta aberta rejeitando a declaração “abominável e insultuosa” dos executivos da empresa, afirmando:
“Para colocá-lo de forma clara e inequívoca, nossos valores como funcionários não são refletidos com precisão nas palavras e ações de nossa liderança … Os executivos de nossa empresa alegaram que ações serão tomadas para nos proteger, mas após vermos a ação legal – e as preocupantes respostas oficiais que se seguiram – não confiamos mais que nossos líderes colocarão a segurança dos funcionários acima de seus próprios interesses”.
A carta pedia a renúncia de Frances Townsend e concluía:
“Não seremos silenciados, não ficaremos de lado e não desistiremos até que a empresa que amamos seja um local de trabalho do qual todos possamos nos sentir orgulhosos de fazer parte novamente. Nós seremos a mudança”.
Controle dos trabalhadores
Em 28 de julho, os trabalhadores da Activision Blizzard passaram das palavras para a ação, organizando uma paralisação – um passo significativo considerando que os trabalhadores não são sindicalizados.
Ainda mais revelador foi o caráter de classe das demandas que apresentaram, incluindo a participação dos trabalhadores e o controle das políticas de contratação e de promoção – uma demanda avançada que coloca os trabalhadores no centro da luta contra a desigualdade.
Os trabalhadores também exigiram o fim das cláusulas de arbitragem obrigatórias em todos os contratos de trabalho, as quais, segundo os organizadores, “protegem os abusadores e limitam a possibilidade das vítimas buscarem restituição”.
Também pediram à empresa que abra os livros sobre dados de remuneração, taxas de promoção e faixas salariais, como um passo em direção a uma maior transparência e como uma forma de lutar pela igualdade para funcionários de todos os gêneros e etnias. Os trabalhadores também exigiram o direito de selecionar um terceiro para auditar as estruturas, recursos humanos e departamentos executivos da empresa.
Seguindo a liderança dos funcionários da Activision Blizzard, os funcionários da Ubisoft, outra empresa de desenvolvimento de jogos, escreveram sua própria carta aberta em solidariedade aos funcionários da Activision Blizzard e exigindo responsabilidade semelhante na Ubisoft.
Em resposta à paralisação e às demandas militantes dos trabalhadores, a Activision Blizzard contratou o notório escritório de advocacia antissindical WilmerHale – o mesmo escritório de advocacia de “conscientização e evasão sindical” contratado pela Amazon em seu esforço para semear dúvidas e desinformação sobre o movimento de organização em sua fábrica Bessemer Alabama.
De acordo com a cobertura do Promethean News, o exército de advogados de WilmerHale são “os Pinkerton2 de nosso tempo; eles trocaram seus rifles e espingardas por declarações judiciais para ameaçar os trabalhadores para o silêncio”. WilmerHale é contratado para fazer uma “revisão de política” para a empresa.
Exploração e organização
O processo da DFEH abriu as comportas da Activision Blizzard, expondo o estado nojento da cultura da empresa. No entanto, esta desenvolvedora de jogos não é a única. O abuso e a exploração são crescentes no Vale do Silício e empresas relacionadas. Embora o foco atualmente esteja na Activision Blizzard, o resto da indústria de tecnologia permanece inalterada.
Além disso, a DFEH da Califórnia está solicitando apenas indenizações monetárias e salários atrasados ainda indefinidos. Isso equivale a um tapa no pulso de uma empresa que registrou receitas de mais de US$ 8 bilhões no ano passado. Sem mudanças fundamentais na estrutura e na gestão da empresa, a cultura interna central de abuso quase certamente permanecerá a mesma.
Os trabalhadores de tecnologia não podem contar com o Estado para protegê-los dos patrões. Somente a organização e a mobilização coletiva por demandas da classe é que uma mudança real pode acontecer.
A paralisação organizada pelos trabalhadores foi um primeiro passo importante; e os trabalhadores estão começando a entender o poder em suas mãos. As paralisações e cartas abertas já assustaram os capitalistas e fizeram com que contratassem um escritório de advocacia antissindical. A luta de classes e a organização são, unidas, as chaves fundamentais para combater a opressão sexista e a desigualdade no local de trabalho.
No início deste ano, os trabalhadores do Google iniciaram uma campanha de sindicalização, apoiada pela Communication Workers of America. Mas o sindicato do Google é um “sindicato minoritário”, o que significa que não foram oficialmente reconhecidos e não têm poder de barganha.
O trabalho organizado precisa ter uma abordagem muito mais agressiva. Eles têm a oportunidade de sindicalizar os funcionários de algumas das empresas mais lucrativas do mundo – grandes empresas que controlam grande parte da mídia e da Internet.
Os sindicatos devem sindicalizar ativamente os funcionários não apenas da Activision Blizzard, mas da indústria de tecnologia como um todo.
Lute contra o sexismo! Lute contra o capitalismo!
A ação tomada pelos trabalhadores da Activision Blizzard agora forçou o presidente da empresa, J. Allen Brack, a renunciar. Esta é uma vitória importante, que dará aos trabalhadores confiança para lutar por novas mudanças. Mas, por enquanto, é apenas uma mudança cosmética no topo.
Em última análise, a cultura tóxica na Activision Blizzard e na indústria de tecnologia em geral não pode ser totalmente eliminada dentro dos limites do capitalismo. Enquanto as empresas de tecnologia permanecerem em mãos privadas, o sexismo que permeia todo o capitalismo vai permear essas empresas também. Para realmente arrancar essa cultura, devemos extirpar o próprio capitalismo.
Na prática, isso significa nacionalizar as grandes empresas de tecnologia, para serem administradas como um serviço público e com o interesse da maioria, sob o controle coletivo dos trabalhadores.
Somente por meio da administração democrática deste e de todos os outros setores importantes – incluindo o controle sobre contratações e demissões, e a eleição e o direito de destituição dos administradores – os trabalhadores podem avançar efetivamente na luta para eliminar o sexismo.
Isso deve estar ligado à luta contra todo o sistema capitalista podre, opressor e explorador; e à luta por uma sociedade socialista, baseada na propriedade comum, no planejamento econômico democrático e no controle operário.
Com seus salários e condições de trabalho relativamente altos, os trabalhadores de tecnologia são muitas vezes percebidos e retratados como “privilegiados demais” para se verem alinhados com o resto da classe trabalhadora. No entanto, eles ainda devem vender sua força de trabalho aos patrões por um salário se quiserem sobreviver; eles, portanto, têm os mesmos interesses de classe que outros trabalhadores.
É a exploração e opressão do capitalismo que acabará por obrigar os trabalhadores em todas as indústrias a tomar seus destinos coletivos em suas mãos.
Os trabalhadores de tecnologia têm um poder enorme em suas mãos. E eles estão rapidamente avançando para as primeiras fileiras da luta de classes.
Notas:
[1] Bill Cosby: ex-ator e comediante acusado por 60 mulheres de estupro, estupro sob efeito de drogas, assédio sexual, abuso sexual de menores e agressões. Condenado, porém a sentença foi anulada pela Suprema Corte da Pensilvânia por erros na validação das acusações pela promotoria.
[2] Pinkerton: a Agência Nacional de Detetives Pinkerton foi uma agência de investigação e segurança particular que ficou famosa por frustrar uma conspiração para o assassinato de Abraham Lincoln.