Duas semanas se passaram desde a erupção dos protestos em todo o Irã, depois que o regime introduziu um corte sem aviso dos subsídios aos combustíveis. Apesar da luta heroica do povo nas ruas, o movimento foi esmagado pelo regime em cinco dias. Mas isso está longe de ser uma vitória triunfante para um regime que agora está mais fraco do que nunca.
[Source]
À medida que o sufocante bloqueio da Internet foi suspenso e os informes de todo o país começaram a aparecer, está emergindo uma imagem horrível dos níveis sem precedentes de violência estatal.
Um vídeo, amplamente divulgado, mostra um grupo de forças estatais espancando repetidamente um jovem com um machado e depois atirando nele três vezes. Outro informe explicou como um conhecido partidário do governo local jogou o corpo carbonizado em uma farmácia. Após os eventos, todas as pessoas presentes na farmácia e que o reconheceram foram presas.
Entre os mortos, havia muitos jovens entre 12 e 13 anos, juntamente com o assassinato informado de uma menina de sete anos. Em alguns lugares, bandidos do regime abriram indiscriminadamente fogo de metralhadora contra manifestantes pacíficos e transeuntes, enquanto em um caso, em Behbahan, um tanque teria sido usado contra os manifestantes. Muitas áreas pareciam zonas de guerra, com todas as estradas pavimentadas explodidas e destruídas.
Enquanto o regime e organizações internacionais, como a Anistia Internacional, colocam os mortos entre 100 e 200 pessoas, o número real é muito, muito maior. Um dos muitos relatórios que circularam após o levantamento do bloqueio da Internet dizia:
“Minha esposa trabalha nas salas de cirurgia de um dos hospitais de Isfahan. Na semana passada, muitos de seus colegas de trabalho, que estavam no turno da tarde, foram mantidos até a manhã seguinte. Através de nossas conexões, descobrimos que eles haviam levado muitos mortos para os hospitais, mas por causa do caos não havia estatísticas adequadas sobre isso … Quando [minha esposa] voltou do seu turno, ela disse que havia muitos mortos. Ela estava chorando. Ela nunca tinha visto nada assim. As pessoas que trabalham no centro cirúrgico estão acostumadas a ver pessoas morrendo, mas viram tantas cenas hediondas que ela ficou completamente chocada. Ela disse que eles receberam de 20 a 25 pessoas nesses dois dias [sábado e domingo, 16 e 17 de novembro]. Eram pessoas que haviam morrido a caminho do hospital. Ela não tinha informações sobre pessoas que foram mortas no local e seus cadáveres levados. E isso era apenas em um bairro, Malak Shah, em Isfahan. Mesmo se [assumimos que este hospital em particular era um caso especial], considerando que Isfahan tem mais de 20 hospitais, os números são aterradores. Além disso, a quantidade de feridos [no hospital] foi de cerca de 140-150”.
Outro relatório dos hospitais de Shiraz e Ahvaz calcula o número de mortos entre 100 e 150 para essas cidades. Números semelhantes foram citados em Teerã. Esses números vêm de hospitais ou de fontes policiais, que apenas mostram uma imagem parcial, lidando com pessoas mortas no local, a caminho do hospital. Além disso, não houve relatos de quantos morreram por seus ferimentos posteriormente. Os números reais em nível nacional podem ser 500 ou mais. O regime exige taxas exorbitantes para entregar os cadáveres a suas famílias.
Ao mesmo tempo, o próprio regime divulgou números de 4.800 feridos. Novamente, essas são cifras conservadoras, sem contar aqueles que não foram ao hospital, onde as forças do Estado estavam acampadas, prendendo aqueles que procuravam atendimento por seus ferimentos. A quantidade de feridos é tão alta que as instituições de saúde têm emitido chamadas de emergência para as pessoas doarem sangue, já que as reservas estão ficando muito baixas.
Além disso, um membro do parlamento alegou que 7 mil pessoas foram presas. Muitas delas foram colocadas na notória prisão de Fashafuyeh, onde 15 mil criminosos estão encarcerados em condições bárbaras, predominantemente por crimes relacionados à drogas. Não seria exagerado supor que cerca de 10 mil pessoas foram mortas, feridas ou presas pelo regime durante a repressão. Esses números são ainda mais chocantes, considerando que o número total de pessoas nas ruas, conforme relatado pelo regime, não passa de 170 mil a 200 mil pessoas. A perseguição ainda continua e os jovens que se acredita terem participado dos protestos estão sendo perseguidos em todo o país.
Esses jovens (predominantemente) sofreram uma vida inteira de violência na forma de desemprego, austeridade e pobreza. Eles foram deixados apodrecer sem futuro à vista por uma classe dominante que não faz nada além de roubar e tramar. E quando finalmente começam a expor suas dores e queixas (e, sim, queimam alguns postos de gasolina e bancos, instituições fundamentais no frenesi de pilhagens da classe dominante), são recebidos com a máxima brutalidade. E agora nos dizem que essas pessoas são bandidos e criminosos.
O que surpreende, de fato, não é a violência dos manifestantes, mas a moderação que eles mostraram, considerando as condições que foram forçados a tolerar. A grande maioria dos manifestantes era de fato pacífica e estava desarmada. Além disso, muitos dos bancos e postos de gasolina incendiados foram realmente incendiados pelos próprios provocadores do regime. Um relatório de um incidente em Karaj, uma cidade industrial fora de Teerã, informou que as forças armadas prenderam um grande grupo de pessoas e depois começaram a incendiar um banco próximo.
A resposta do regime foi tudo menos pacífica e moderada. Esta é a repressão mais violenta do regime desde o terror contrarrevolucionário que realizou nos anos 1980. Foi uma repressão muito mais violenta do que a do Movimento Verde de 2009, que em seu auge teve milhões de participantes. O que revela é o extremo isolamento e medo do regime. Vídeos para confirmar isso foram divulgados por funcionários do judiciário, forças especiais e outras fontes.
É natural, dada a quantidade de violência, propaganda da mídia e ameaças de transformar o Irã em uma nova Síria, que muitas pessoas não participassem dos protestos. De fato, dada a falta de qualquer forma de organização, liderança ou meio de comunicação eficiente, é uma prova da força do movimento que 200 mil pessoas ainda aparecessem. Segundo a Guarda Revolucionária, a maioria delas eram homens e mulheres jovens, pobres e desempregados de áreas da classe trabalhadora. Mas essas camadas refletiam a mesma raiva e insatisfação prevalecentes nas massas trabalhadoras. Esses humores só foram aprofundados e se espalharam para camadas mais amplas devido à escala de violência usada pelo Estado.
O Regime
Mas a “vitória” do regime, declarada triunfantemente dia e noite em todos os canais de TV da semana passada, parece ser vazia. Depois de acabar com o movimento, o regime tentou consolidar sua vitória organizando uma série de manifestações pró-regime “espontâneas” do “povo” contra os “causadores de problemas”, que ocorreram na segunda-feira, 25 de novembro. Eles estavam na mesma linha das marchas pró-regime de 30 de dezembro de 2009, que foram usadas como um meio de esmagar o Movimento Verde, que atingira seu pico alguns dias antes. Naquela época, os participantes das manifestações pró-regime eram contados em centenas de milhares, talvez até milhões.
Desta vez, no entanto, os comícios, que foram promovidos durante quatro a cinco dias na maioria da mídia, e que tinham por trás toda a força do aparato estatal, acabaram sendo um fracasso. Em Teerã, o protesto, entre a Praça Enghelab e a Praça Ferdows, tinha, pelos cálculos mais generosos, não mais de 100 mil pessoas, um número muito pequeno para a Grande Teerã, que tem 15 milhões de habitantes! Mesmo assim, além de funcionários públicos que teriam sido forçados a sair, a maioria deles seria de pessoas pobres subornadas para assistir. Mesmo assim, o regime teve que realizar uma série de medidas desesperadas para “encher a rua”. Por exemplo, todas as linhas de metrô foram misteriosamente paradas – por razões “técnicas” – quando chegaram às estações de metrô próximas. Escolares e estudantes universitários também foram levados para a demonstração por seus professores. Um aluno relatou que alguém invadiu a biblioteca da universidade vizinha, onde ele estudava, dizendo que a biblioteca e todas as instituições próximas tinham que ser fechadas e as pessoas tinham que sair. Enquanto isso, muitas pessoas que foram retratadas como manifestantes na mídia eram transeuntes comuns. Tal foi a humilhação que, apesar de muitos helicópteros no ar, nenhuma imagem aérea foi exibida na TV. A maioria das imagens nos jornais foi tirada na frente das manifestações em um ângulo muito estreito para dar a impressão de uma rua cheia de manifestantes. Em Tabriz, uma cidade de 1,5 milhão de habitantes, que foi um dos poucos lugares assinados com agradecimentos pelo presidente Rouhani por ter saído em defesa do regime, menos de 500 pessoas saíram!
O Movimento Verde de 2009 foi dominado por elementos da classe média e liderado pelo movimento reformista liberal, que não tinha apelo entre os pobres. O regime usou isso, juntamente com sua propaganda anti-imperialista usual, para reunir essas camadas pobres atrás de si. Desta vez, porém, são os pobres e os famintos que estão nas ruas. E o regime, apesar de todos os seus subornos e ameaças habituais, não conseguiu mobilizar nenhuma força significativa. Embora, nesta fase, não haja sentimentos pró-imperialistas significativos entre o povo, também está claro que a retórica anti-imperialista do regime não está funcionando como costumava. Décadas de ataques contra os padrões de vida dos mulás, que vivem vidas extravagantes, esvaziaram o solo sob eles. Sua pretensão piedosa está completamente fora de sintonia com a corrupção e o nepotismo diários que eles praticam à vista de todos. A isso se acrescenta a brutalidade desencadeada nas camadas mais pobres e vulneráveis da sociedade. Tudo isso ocasionou um golpe irreparável contra o regime.
No passado, o regime costumava alternar entre os governos conservadores de linha dura e os governos reformistas mais liberais, a fim de direcionar a insatisfação da sociedade pelos canais oficiais. Mas a verdadeira natureza de todos os campos políticos ficou completamente exposta na semana passada, quando todas as facções se uniram para reprimir o movimento.
O próprio presidente Hassan Rouhani chegou ao poder sob um enorme ânimo anti-establishment, que ameaçava transbordar. Apresentando-se como um liberal-democrata, ele venceu em 2013 com base em promessas de padrões de vida mais altos, libertação de presos políticos e ampliação dos direitos democráticos, em particular liberdade de imprensa e liberdade de expressão e abertura da Internet. Mas, na semana passada, ele provavelmente realizou ataques mais duros aos padrões de vida, tomou mais presos políticos e restringiu os canais democráticos, incluindo a Internet, do que qualquer outro presidente nos 40 anos de história da República Islâmica.
Todos os principais políticos reformistas também se uniram por trás do regime. O mais popular deles, o ex-presidente Mohammad Khatami, que foi promovido como homem de paz, democracia e direitos humanos, não emitiu nenhuma declaração até terça-feira, 26 de novembro. Mesmo assim, ele apoiou a linha de regime, com algumas advertências ao longo da linha de “precisamos ver quantos agentes estrangeiros e quantos iranianos comuns estão nas ruas”. Isso revela a verdadeira natureza traiçoeira dos democratas liberais, que sempre temeram o movimento revolucionário das massas muito mais do que a ditadura mais reacionária.
Enquanto isso, a posição da ala direta do regime em torno do líder supremo Ali Khamenei e da Guarda Revolucionária não é melhor. Eles não apenas endossaram totalmente a decisão do governo de cortar os subsídios aos combustíveis, mas também estavam na linha de frente da repressão, com alguns de seus porta-vozes proeminentes, como o editor do jornal Kayhan, Hossein Shariatmadari e o ex-candidato à presidência Ebrahim Raisi, pedindo a execução dos presos. Outros “especialistas” islâmicos radicais têm aparecido na TV exigindo que seus braços e pernas sejam amputados.
A perda de legitimidade levou o regime a uma profunda crise e as cisões estão começando a aparecer no topo. Políticos e oficiais da linha dura têm atacado cada vez mais o governo por não realizar os cortes “da maneira correta” e por não preparar a população. Enquanto isso, políticos reformistas atacaram os radicais por censurar a mídia. No parlamento, que está pronto para as eleições em alguns meses, houve uma série de confrontos. O parlamentar dissidente Ali Motaharri apresentou um projeto de impeachment contra o ministro do Interior por sua ação contra os protestos. Enquanto isso, os parlamentares da linha dura buscam o impeachment do ministro do petróleo por não conter o contrabando de gasolina, um fator que foi usado como desculpa para aumentar os preços dos combustíveis. O ministro da Educação também está arriscando o impeachment, enquanto o ministro da Agricultura renunciou no início desta semana para evitar o impeachment por não ter restringido a inflação de produtos agrícolas, entre outras coisas.
No período que antecede as novas eleições parlamentares, os parlamentares de todos os lados estão tentando se distanciar do establishment. Habibollah Keshtzar, deputado de Behbahan, uma área pobre onde muitos foram mortos em recentes confrontos, atacou o governo dizendo:
“Em vez de meter as mãos nos bolsos das pessoas, você poderia economizar dinheiro reduzindo o orçamento, interrompendo viagens caras e desnecessárias para o exterior e combatendo a extravagância de alguns membros de sua administração”.
Ele também criticou Rouhani por fazer os “necessitados que desejam pão, pagarem o preço” dos esquemas do governo. Mohammad Golmoradi, deputado de Mahshahr, outra cidade pobre com muitas vítimas, entrou em uma briga no parlamento depois de perguntar ao governo, em referência à violência do estado: “O que você fez conosco que o idiota do Shah não fez?”
Tudo isso são sinais de um regime lutando por sua sobrevivência. No próximo período, essas divisões se aprofundarão. Enquanto isso, nada foi resolvido e a situação está piorando a cada dia. Ao contrário das promessas do regime, os aumentos de preços dos combustíveis já estão levando a aumentos de preços de outros bens e produtos. Segundo a IRNA, a agência de notícias controlada pelo Estado, o custo do transporte e o preço de alguns itens, ovos, frutas e legumes, já aumentaram entre 25 a 50% desde 15 de novembro. Outra agência oficial afirmou que o poder de compra de uma família operária comum diminuiu 10% no mesmo período.
O regime prometeu mobilizar a milícia Basij para impor controles de preços, mas isso é utópico. A inflação não pode ser controlada pela força. Se o regime tentar introduzir controles, isso significará apenas o despejo do aumento dos custos de combustível nos ombros das pequenas empresas, a maioria das quais já está à beira da falência. Isso é algo que o ex-xá tentou fazer pouco antes de ser derrubado. Desnecessário dizer que isso também não resolveria os problemas do atual regime. Os cortes nos subsídios fazem parte de um plano elaborado pelo FMI durante a presidência de Mahmoud Ahmadinejad, que o atual governo assumiu. Após os preços dos combustíveis, o plano visa reduzir subsídios a outros bens básicos, como o gás doméstico. Todos esses ataques aumentarão as crescentes contradições de classe e isolarão ainda mais o regime.
Um novo período
Independentemente do resultado imediato, esses protestos abriram um novo capítulo da luta de classes no Irã. Várias novas camadas que antes eram passivas ou mesmo pró-regime, de uma maneira ou de outra, estão se movendo em forte oposição. A reação à violenta repressão passou do choque e descrença à raiva. Essa raiva está procurando uma saída. Nos últimos dias, um vídeo de 15 minutos, feito pelo ex-clérigo oposicionista Hassan Aghamiri, foi visto por mais de três milhões de pessoas no Instagram.
No vídeo, Aghamiri, que recentemente foi despojado de seu traje clerical e condenado a uma sentença, suspensa, de dois anos por suas opiniões anti-regime, dá um tom amargo e desafiador, atacando o regime por apenas trazer miséria às massas com sua corrupção, arrogância e autoritarismo. Embora Aghamiri não mostre necessariamente um caminho a seguir para as massas iranianas, sua popularidade reflete o clima entre as massas. Dadas as pressões sociais e econômicas extremas e a falta de liderança da classe trabalhadora, esses elementos acidentais poderiam se destacar e se tornar um ponto focal para um movimento mais amplo.
Foi exatamente essa falta de organização, liderança e programa que, no final, isolou os jovens nas ruas. Essas são fraquezas compreensíveis para camadas que não tiveram nenhuma atividade política significativa nos últimos 40 anos.
A tática do regime era dupla. Em primeiro lugar, tentou forçar o maior número possível de pessoas a ficar longe das ruas e impedir fisicamente o movimento de reunir números suficientemente grandes para resistir à repressão. Em segundo lugar, tentou isolar o movimento, levando-o a um comportamento mais violento e alegando que o movimento estava consciente ou inconscientemente jogado nas mãos do imperialismo dos EUA. Se o movimento tivesse sido mais organizado, teria sido capaz de operar em uma escala muito maior e evitar as muitas mortes trágicas.
Além disso, se houvesse um programa claro com demandas sociais e econômicas apelando a todas as camadas oprimidas (em particular a classe trabalhadora), opondo-se ao imperialismo dos EUA e apontando uma maneira clara de tomar o poder no próprio Irã, poderia ter anulado a propaganda e levado as massas a derrubar o sistema. A entrada da classe trabalhadora em cena, com uma greve geral aberta, teria mudado tudo e deixado o regime de joelhos.
Como podemos ver, não importa quão corajosos e abnegados sejam os jovens, há limites para o que eles podem alcançar lutando isolados nas ruas. Mas exércitos derrotados aprendem bem. As amargas lições mencionadas acima estão sendo processadas e absorvidas por uma nova geração de jovens revolucionários nas prisões e em áreas pobres e da classe trabalhadora em todo o Irã.
A luta ainda não acabou. O atual movimento foi derrotado, mas apenas à custa de uma profunda crise de legitimidade para o regime. Isso por si só abre a porta para novos movimentos entrar em erupção no próximo período. A tarefa urgente de todos os revolucionários iranianos é justamente construir a liderança que falta desta vez! Uma liderança que não só possa derrubar o regime atual, mas também o sistema capitalista, que é a causa-raiz de toda podridão e decadência na sociedade iraniana.