No domingo, 27 de abril, o Canal Britânico 4 difundiu um documentário intitulado "Morrendo pelas Drogas" que detalhava "a que ponto as indústrias de produtos farmacêuticos estão dispostas a ter seus produtos aprovados e obter os lucros que desejam". O documentário era uma denúncia de tal forma contundente e emocional das políticas e práticas das grandes empresas farmacêuticas que pelo menos uma, a Pfizer, foi forçada a divulgar uma resposta neste sítio.
Baseando-se em quatro diferentes casos, o programa fez um vigoroso escarcéu chegando à principal conclusão: "se as grandes e poderosas indústrias farmacêuticas permanecem intocadas logo muito mais pessoas estarão morrendo por efeitos de seus produtos".
Cobaias humanas
A primeira coisa que explicou o documentário foi de que maneira as multinacionais farmacêuticas estão crescentemente usando os paises do Terceiro Mundo como locais para experimentos médicos de novas drogas, na ausência de uma fiscalização rigorosa dos governos europeus e norte-americanos.
Um exemplo foi o de Annas, uma adolescente de seis anos, afetada por meningite na pequena cidade de Kano do norte da Nigéria em 1996. Um surto de meningite juntou-se a outras duas epidemias grassando na região ao mesmo tempo. Essas epidemias ocorreram quase despercebidas fora da Nigéria, mas foram notadas na sede da gigantesca Pfizer que rapidamente mandou um avião com um grupo pesquisadores a fim de efetuar experiências com uma nova droga, potencial filão de promissora operação comercial de um bilhão de dólares. A nova droga, Trovafloxacin, conhecida pela dominação comercial de Trovan, nunca antes tinha sido testada em crianças.
A epidemia de meningite afetou mais de 150 mil pessoas e um número superior a 15 mil delas morreu até que o surto fosse debelado. No Hospital de Doenças Infecciosas de Kano, a organização internacional de ajuda Médicos sem Fronteiras (MSF) tratou milhares de pacientes através de recursos terapêuticos já conhecidos e experimentados.
Simultaneamente, o grupo da Pfizer iniciou um "Estudo Pfizer da Meningite", experimento médico do Trovan. As regras sobre experimentos similares são muito restritas e foram adotadas desde o fim da II Guerra Mundial pelo Código de Nuremberg. A primeira e mais importante regra deste código estabelece que o paciente (ou, neste caso, os pais) tem de expressar espontaneamente consentimento para a participação no experimento após explicarem-se todos os riscos que devem também ser entendidos pelos alvos dos testes.
O programa afirma que a Pfizer não obteve consentimento por escrito de quaisquer dos pais das crianças envolvidas no experimento. A Pfizer replicou que muitos deles não falavam inglês e não sabiam ler ou escrever. Mas o pai de Annas explicou que é fluente em inglês e pode escrever e ler nesta língua, em haussa e árabe. Ademais, os responsáveis pela redação do documento foram informados por pelo menos cem casais dos duzentos envolvidos nos testes, que nunca deram qualquer consentimento simplesmente porque não foram solicitados para tanto! Um grupo deles está agora acionando a Pfizer.
Outra exigência importante do Código de Nuremberg é que uma comissão ética independente aprove o experimento. A Pfizer produziu tal carta de aprovação através da Comissão de Ética de Ensino do Hospital de Kano. Mas quando contestada pelos advogados das famílias sobre o fato, verificou-se que a carta fora datado de 18 de março de 1996, quando semelhante comissão não existia no hospital. A companhia teve de admitir que a missiva tinha sido antedatada e se baseara num "acordo verbal".
Evidentemente, a Pfizer cometeu sérias irregularidades na corrida para realizar experimentos médicos para uma droga potencialmente fonte de muitos milhões de dólares. Além disto, Annas, o menino que figura no relatório está agora sofrendo de severas dores no joelho, condição que o impede de correr ou jogar futebol com os amigos. Conforme explicou o médico local, as dores nas articulações são uma conhecida seqüela do Trovan, comprovada antes dos experimentos de Kano. Não é possível determinar se os distúrbios dos joelhos de Annas foram diretamente causados pelo Trovan, mas é obviamente claro que seus pais nunca deram consentimento para participação em qualquer teste médico da Pfizer, mesmo porque nunca foram solicitados para este fim. Quando o jovem, então gravemente doente, foi levado a um médico branco, eles, os pais, pensaram não se passava coisa diferente em relação a outros pacientes tratados no hospital de doenças infecciosas. Nenhuma outra pessoa informou-lhes coisa diversa.
Outro caso mencionado no documentário foi o da garotinha "paciente nº 69". Ela pesava apenas dezenove quilos. Quando deu entrada no hospital lhe administraram uma dose oral de Trovan. No segundo dia, a despeito do fato de que seu estado se tivesse claramente deteriorado, os médicos da Pfizer decidiram continuar com o tratamento. No terceiro dia, ela faleceu. Como acentuou um médico local de Kano, é procedimento padrão mudar o tratamento se o paciente não reagir positivamente. "Eu penso que eles brincaram com a vida da criança", acrescentou ele.
Até esta data, a Pfizer considera que os experimentos de Kano foram "corretamente realizados". Porém a mais condenável peça da evidência apresentada no documento foi a cópia de uma carta escrita por Juan Waltenspield, o próprio especialista da Pfizer em doenças infantis, endereçada ao presidente da companhia. Nesta carta, o Dr. Waltenspield arrola outras relevantes objeções contrárias ao experimento, inclusive o fato de que o Trovan nunca fora antes testado para essa variedade de meningite, razão por que a administração oral da droga não era recomendada para pacientes acometidos de forte desnutrição e também na ausência de consentimento por escrito. O Dr. Waltesnpield foi demitido após enviar a carta e teve dificuldade em outro emprego. O Trovan desde então foi retirado do mercado por causa de seus perigosos efeitos colaterais.
O relatório também explicou como o ocorrido está longe de ser caso excepcional, na medida em que cada vez mais indústrias farmacêuticas direcionam seus experimentos médicos para paises subdesenvolvidos, basicamente porque neles é mais fácil "flexibilizar as regras" do que nos paises capitalistas avançados. A conclusão fundamental é que elas usam seres humanos como cobaias sem pedirem permissão a fim de conseguirem rapidamente aprovação para suas drogas e começarem a ganhar dinheiro.
"Não aprecia os resultados? Mate o mensageiro!"
O documentário prossegue na comprovação de que a multinacional de medicamentos emprega toda a sorte de pressão para conseguir que se aprovem seus produtos. O exemplo em evidência é o da Dra. Nancy Olivieri, do centro pesquisas de talassemia do hospital infantil de Toronto, uma das maiores instituições pediátricas do mundo. A Dra. Olivieri procurava um método alternativo para pacientes de talassemia. Os doentes afetados por esta doença não produzem bastante células sanguíneas e têm de receber uma transfusão de sangue com o intervalo de algumas semanas. Um efeito secundário deste tratamento é que o ferro da hemoglobina administrado efetivamente destrói seus corações e fígados se não houver acompanhamento médico adequado. Desta forma, eles têm de tomar um remédio para eliminar o ferro. Isto geralmente é feito com o emprego de agulhas num ordálio de duas horas diárias.
Da mesma forma, quando uma nova droga, a L1, foi descoberta como alternativa para testar os níveis de ferro, a gigantesca empresa Apotex Inc. decidiu financiar suas pesquisas médicas e a Dra. Olivieri delas foi encarregada. É uma prática bem comum. Determinada empresa farmacêutica privada financia pesquisas médicas de drogas que foram descobertas, desenvolvidas e financiadas por hospitais e outras entidades mantidas por instituições públicas, e então obtém todos os direitos sobre o produto final. (A propósito, esta prática na realidade anula em larga medida o mito propagado por transnacionais de que os altos preços de seus medicamentos se justificam a fim de cobrir os custos de pesquisas decorrentes do desenvolvimento de suas especialidades. De fato, em muitos casos as companhias nada têm a ver com pesquisas, mas limitam-se a comprar pesquisas de outros indivíduos executadas por instituições públicas).
Os experimentos da Dra. Olivieri para desenvolvimento do L1 inicialmente revelaram-se exitosos e produziram resultados encorajadores. Mas logo em seguida os níveis de ferro de algumas de suas pacientes começaram a aumentar e ela teve de modificar os testes. Quando ela chegou em casa, encontrou em sua secretária eletrônica uma mensagem do vice-presidente da Apotex, Mike Spino. Era efetivamente uma mensagem em claro tom ameaçador dizendo que os experimentos clínicos do L1 estavam suspensos, ela tinha sido afastada de sua direção e que o L1 teria de ser lançado no mercado o mais cedo possível. Além disto, ela não deveria informar ninguém, nem mesmo os pacientes envolvidos no experimento, acerca de suas constatações, e se revelasse algo a respeito seria processada legalmente.
Basicamente, a Apotex não gostou dos resultados dos experimentos médicos e 2por isto a experiência foi cancelada. Do ponto de vista da Apotex, a coisa mais importante era obter a nova droga, cujos testes ela própria não tinha realizado, lançando-a no mercado e gerando lucros. Por que deixar que uns poucos fatos estragassem uma boa oportunidade de negócios?.
Desde que a Dra. Olivieri confirmou suas descobertas foi submetida a uma campanha de cartas ameaçadoras e chamadas telefônicas que a deixaram "extremamente aterrorizada e intimidada". Na medida em que ela começou a comunicar-se com outros médicos no hospital, eles por sua vez também ficaram sujeitos a ameaças. Num certo caso, um médico começou a receber cartas ameaçadoras anônimas. Finalmente, através de um teste de DNA, constatou-se que as cartas tinham sido escritas e enviadas por outro médico do mesmo hospital que ainda recebia financiamento da Apotex para seus projetos.
As multinacionais farmacêuticas dispõem de muito dinheiro e podem acumular recursos para exercer enorme pressão com o objetivo de obterem o que desejam. Na ocasião em que prosseguia a polêmica acerca da experiência com o L1, a Apotex cuidava de uma doação de vários milhões de dólares para financiar a construção de um novo edifício para a Universidade de Toronto, de que faz parte o hospital. A Dra. Olivieri foi subseqüentemente demitida do cargo de diretora do programa de pesquisas da talassemia!
Porque, diferentemente de muitos outros médicos, a Dra. Olivieiri manteve suas objeções à nova droga, a Apotex decidiu direcionar suas tentativas para conseguir a aprovação longe de Toronto, lá pela Europa. Finalmente, em 1999 a Comissão européia licenciou a L1. A Dra. Olivieri e um grupo de colegas no momento apelam contra esta decisão. Conforme ela declarou no programa, "eu poderia estar certa ou errada; não é este o caso. O ponto importante é que se a droga é segura ou não, não se determinou ainda".
Numa tentativa de desaprovar as verificações da Dra. Olivieri, a Apotex produziu uma lista de 3.000 "erros" que ela supostamente teria cometido no decorrer de seus testes. Um especialista independente examinou os elementos apresentados pela Apotex e verificou que suas alegações eram quase por completo infundadas. Mas meses de trabalho árduo já se tinham passado no esclarecimento da procedência dos elementos fornecidos pela Dra. Olivieri.
Depois que a Dra. Olivieri foi a público na batalha contra a Apotex, recebeu milhares de cartas de outros médicos que tinham estado na ponta final dos fortes braços das companhias farmacêuticas quando elas não gostaram de seus resultados. Alguns foram seguidos por investigadores particulares, outros viram-se obrigados a afastar-se de seus empregos e até mesmo de seus paises e assim por diante.
Até mesmo editoras de prestigiosas publicações médicas, inclusive a The Lancet e o Journal of the American Medical Association, tiveram de admitir que foram pressionadas pelos Cinco Grande - as cinco gigantescas multinacionais farmacêuticas que controlam o setor em todo o mudo. Fato idêntico ocorreu com um apreciável número de instituições universitárias bastante dependentes de financiamentos privados.
Mais uma vez, o principal interesse da Big Pharma é gerar dinheiro, e ela irá de encontro à ciência médica se esta se interpuser em seu caminho.
"Muito obrigado, agora você pode morrer"
Esta parece ser a filosofia por traz das ações das transnacionais farmacêuticas no terceiro caso do documento em estudo. Pacientes de leucemia na Coréia do Sul participantes de experimentos médicos de uma nova droga fabricada pela grande indústria Novartis que, logo quando a especialidade aprovada foi exposta a um preço de tal forma elevado que os mesmos pacientes agora não a podem comprar e provavelmente morrerão em conseqüência.
O documentário acompanha o caso de Mr. Yoong, doente de leucemia. Encontrava-se num estágio terminal da doença e disseram-lhe que tinha apenas seis meses de vida. Compreensivelmente ele assegurou-se de que era um dos primeiros pacientes a somar-se aos experimentos de uma nova droga, a Glivec, da Novartis. O medicamento apresentou resultados bem apreciáveis e quatorze meses mais tarde o doente ainda vivia. A especialidade conseguiu aprovação em tempo recorde e agora está no mercado. A Novartis decidiu vendê-la aos pacientes sul-coreanos por dezenove dólares cada tablete. Isto significa que, à razão de oito tabletes por dia, o tratamento anual chegaria a cinqüenta e cinco mil dólares, quantia por demais elevada para muitos pacientes que participaram dos testes. O Sr.Yoong teve de vender sua casa e mudar-se com a esposa e suas filhas para um apartamento menor. Enquanto isto, a Novartis vendeu meio milhão de libras de tabletes da Glivet no ano passado. E isto é o que importa pala ela.
Uma das razões por que novas drogas no mercado são caras resulta dos regulamentos das patentes que concedem às companhias farmacêuticas direitos exclusivos por vinte anos. Isto significa que elas as podem vender pelo preço que quiserem, pois não enfrentam concorrência.
O relatório enfatiza outro aspecto que ainda mais abala o argumento da indústria farmacêutica de que os preços são elevados para que os lucros financiem pesquisas de novos medicamentos. Como um porta-voz do MSF explica, a maior parte dos novos medicamentos lançada no mercado são "mee-toos", i.e., pequena variantes de drogas já existentes. Também decidem-se pesquisas na base da lucratividade. Os Cinco Grandes estão muito felizes em investir em pesquisas para "lifestyle drugs" ou de uso continuo, por exemplo uma outra droga para disfunção erétil, desde que há um mercado nos paises capitalistas avançados para tais produtos. De qualquer forma, como já vimos, muitas destas drogas foram desenvolvidas em instituições financiadas por recursos públicos nos Estados Unidos, e as empresas farmacêuticas logo adquiriram os direitos para produzi-las.
Quando os regulamentos da OMC foram aprovados, uma salvaguarda foi introduzida. Em certos casos, governos podem requerer licenciamento compulsório, o que interdita os direitos de patentes e permitem-lhes adquiri-las ou produzir versões genéricas das mesmas drogas. A posse de um vigoroso setor genérico tem permitido a um país como o Brasil produzir versões mais baratas de alguns medicamentos e colocar-se em posição mais favorável para obter preços mais baixos das grandes indústrias farmacêuticas. Por exemplo, oferecerem o Glivet ao Brasil à razão de oito dólares o tablete, ao contrário do preço mundial entre vinte e vinte e cinco dólares. Mas, como sabemos, "a lei assemelha-se a uma teia de aranha: o pequeno é fisgado, mas o rico e poderoso safa-se". No mundo capitalista, além disto no ciclo imperialista, as grandes multinacionais dispõem de poderosos recursos para a luta contra leis que não lhes convêm, ou conseguem modifica-las.
O Imperialismo em ação
O Sr. Yoong e um grupo de ex-pacientes experimentais do Glivec decidiram solicitar seu licenciamento compulsório em julho de 2001. Quando o ministério da saúde da Coréia do Sul estudava o pedido, recebeu uma carta do secretário do comércio dos Estados Unidos ameaçando os demandantes e afirmando que se estes decidissem recorrer ao licenciamento compulsório em detrimento da Novartis, o caso poderia resultar numa aberta disputa comercial. Logo em seguida o ministro foi afastado do gabinete por ocasião de uma mudança ministerial. Ele veio a público denunciar o papel desempenhado pelas multinacionais em seu afastamento. Noutras palavras, a Novartis tem poder bastante, através da administração federal norte-americana, de remover um ministro de uma nação soberana se seus interesses forem contrariados!
O documento também explica como o governo tailandês também foi ameaçado por Washington em sua tentativa de usar versões genéricas de drogas anti-AIDS. A Tailândia foi ameaçada por meio de tarifas maiores sobre madeira e joalheria, que representam 30% das exportações nacionais vendo-se forçado a recuar.
Mais recentemente, Washington bloqueou uma mudança proposta de regras da WTO que favoreceria a produção de versões genéricas de medicamentos. Com as mudanças, concordaram todos os paises, mas foram bloqueadas pelos Estados Unidos. Não é surpresa, pois o próprio Donald Rumsfeld foi alto executivo da indústria farmacêutica.
O que torna esses casos ainda mais ultrajantes é que falamos aqui não de meras disputas comerciais, mas de questões sobre bens de consumo especiais que constituem matéria de vida e de morte para centenas de milhares de pacientes.
Incidentalmente, estes exemplos por si sós refutam as novas teorias da existência de um novo Império sem qualquer base nacional. Claramente, está vivo o velho imperialismo, no qual conglomerados de multinacionais nacionalmente baseadas e bancos dominam o mundo através dos estados nacionais onde operam.
O grupo dos pacientes submetidos aos experimentos do Glivec decidiu então ir à Índia, que também dispõe de um forte setor de drogas genéricas, para verificar quanto custaria produzir uma versão genérica do medicamento. O Dr. Yusef Hamied, diretor da empresa farmacêutica indiana Cipla disse-lhe que consegue o produto para seus pacientes a preço inferior a um dólar o tablete, ao contrário dos quase vintes dólares cobrados pela Novartis. O Dr. Yusef alega ter "um enfoque humanitário do negocio" mas, como os redatores do documentário comentam, ele tem de competir não tanto com as grandes multinacionais mas especialmente com outras companhias locais de genéricos que oferecem preços similares ao dele.
A razão efetiva por que sua companhia vende remédios por preços muito baixos, provavelmente diz mais respeito às forças do mercado especializado, contra os quais ele tem de lutar, do que qualquer "humanitarismo" de sua parte. Finalmente, o grupo de pacientes não obteve êxito, e em fevereiro de 2003 houve uma regulamentação contrária à liberação do Glivec na Coréia do Sul. Mais uma vez, de uma forma muito concreta os lucros prevaleceram diante das vidas das pessoas.
A razão por que a Índia tem um forte setor de genéricos decorre das leis de patentes peculiares ao país, permitindo a suas companhias patentearem a forma como um similar é produzido em lugar da droga em si. Isto significa que as empresas indianas de genéricos podem projetar métodos alternativos para produzir a mesma droga sem desrespeitarem a lei. A WTO está exigindo agora que a Índia modifique sua legislação específica a fim de proteger integralmente as patentes a partir de 2003. Os interesses da Big Pharma serão de novo preservados.
Os preços das drogas matam
O último exemplo neste brilhante documentário é que o Jairo, adolescente e órfão de aidético hondurenho de doze anos de idade, é também HIV positivo. Há mais de quatorze mil órfãos de aidéticos no país e mais de que sessenta mil pessoas HIV soropositivos.
Jairo apresentou aftas e necessita tomar Fluconazole, uma dorga patenteada pela enorme produtora de medicamentos Pfizer, sob a denominação de Diflucan. A Pfizer vende um bilhão de Diflucan por ano, disponível à razão de 27 dólares o tablete em Honduras. Jairo está sob os cuidados de sua tia. O salário de seu esposo é mais ou menos noventa dólares por semana. O suprimento semanal de Diflucan de que precisa Jairo custaria cento e oitenta e nove dólares. Segundo afirma um assistente social que trabalha com aidéticos, "o preço das drogas antiretrovirais e drogas para infecções oportunistas está matando nossa gente".
A família de Jairo e os assistentes de aidéticos são forçados a atravessar a fronteira com a Guatemala onde adquirem uma versão genérica do Flucozone por 30 centavos o tablete e o contrabandeiam através das fronteira, arriscando-se a serem presos.
Mas até isto é demasiado tarde para Jairo.O relatório mostra na verdade as terríveis imagens de Jairo morrendo a caminho do hospital, completamente emaciado, reduzido a peles e ossos pelas infecções relacionadas com o HIV. Esta situação revela-se uma das mais condenatórias denúncias das políticas praticadas pelas companhias farmacêuticas jamais divulgadas pela TV.
O capitalismo mata
Um dos pacientes de leucemia coreanos que estava submetido a experimentos com o Glivec disse aos responsáveis pelo documentário: "Se um pobre não tem acesso a um medicamento, isto não aumenta os lucros do fabricante, apenas faz o paciente sofrer". É apenas uma constatação óbvia, mas para uma empresa farmacêutica fazer concessões num caso particular significaria que ela seria submetida a pressões extremas obrigando-se a cedere em todos os outros casos. E este fato seria muito mau para seus negócios.
No final, cada uma das práticas dos maiorais da indústria farmacêutica, também conhecidos por Máfia Farmacêutica, reveladas no documentário são repulsivas do ponto de vista humano. Mas nós não deveríamos pensar que os grandes executivos da máfia dos fármacos recorrem a estes métodos porque são pessoas particularmente inescrupulosas - na verdade muitos deles são deste jaez. A razão principal é que eles devem produzir lucros. É uma lógica destorcida, horrível, desumana, mas no final das contas é a lógica do capitalismo. Daí, o melhor exemplo da contradição entre a propriedade privada dos meios de produção e as necessidades humanas.
Estudos do tipo que comentamos constituem excelentes exposições dos métodos operacionais dessas transnacionais insensíveis, sem nenhuma preocupação com a vida humana. A dominação do mercado mundial de drogas por cinco poderosas companhias, é causa direta da morte de milhões de pessoas por todo o mundo a cada dia. A necessidade de nacionalização e do controle democrático dessas cinco gigantescas indústrias farmacêuticas é evidente. O ultrage que revela o documentário deve ser canalizado numa direção correta: a da luta contra o próprio capitalismo.
Maio de 2003.
Título do original: "Dying for drugs" - Health warning: capitalism kills!
Tradução de Odon Porto de Almeida. Recife, 04/7/2007.