A montanha pariu um rato. Ontem, o Congresso peruano voltou a considerar a questão de uma eleição antecipada, que havia rejeitado na última sexta-feira. Quando Dina Boluarte substituiu ilegitimamente ao presidente Castillo, ela anunciou que ficaria no cargo até 2021. Isso se tornou insustentável. Claramente, uma parte da classe dominante no Peru entende que deve reformar o sistema político para tentar conter a enorme onda de indignação levantada pelo golpe do Congresso contra o presidente Castillo em 7 de dezembro.
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A repressão brutal, que já deixou quase 30 mortos, o estado de emergência, o exército nas ruas, o recolher obrigatório etc., não são, por si sós, capazes de garantir o regresso à estabilidade burguesa. Daí a necessidade de novas eleições para dar a este regime ilegítimo um verniz de legitimidade.
Mas o caráter extremamente fragmentado do sistema político peruano finalmente frustrou o plano de antecipar as eleições para 2023. Depois de horas de deliberações e várias propostas, o Congresso peruano votou (com a oposição de Peru Libre e metade do Bloco dos Professores) antecipar as eleições… para abril de 2024!
Além disso, a decisão, que se utiliza do mecanismo de uma emenda constitucional, deverá ser posteriormente ratificada em nova sessão parlamentar em fevereiro de 2023.
O que pretendia ser uma manobra para aplacar o movimento insurrecional dos trabalhadores e camponeses contra todo o regime, transformou-se numa farsa que não agradará a ninguém.
Em 11 de dezembro, um editorial do Financial Times (órgão autorizado do imperialismo britânico, que obviamente se preocupa com o Peru como um país rico em recursos minerais) pedia, com razão, uma ampla reforma política, incluindo a reforma da Constituição, como única forma de garantir a estabilidade da ordem capitalista no país (e portanto a estabilidade dos interesses das multinacionais mineiras):
“O progresso é improvável sem uma reforma política de longo alcance. O Peru está sobrecarregado com uma constituição autoritária elaborada por Alberto Fujimori, um presidente que fechou o congresso e governou por decreto na década de 1990. Seu parlamento unicameral de 130 membros pode ser dissolvido pelo presidente se rejeitar duas vezes sua escolha do primeiro-ministro.
“Os partidos políticos proliferaram sob um sistema mal projetado de representação proporcional, criando um congresso altamente fragmentado, onde o presidente deve constantemente negociar. Uma lei arcaica, nunca definida adequadamente, permite que os legisladores deponham um presidente por “incapacidade moral” – um bastão útil para extrair concessões.
“A maioria dos partidos são pouco mais do que veículos para a ambição pessoal de seus líderes ou para a promoção de grupos de interesses especiais. Não surpreende que as pesquisas mostrem que a maioria dos peruanos despreza toda a classe política. Tudo isso torna ainda mais notável que o Peru tenha sobrevivido a múltiplas crises políticas na última década com sua democracia intacta. É improvável que sua sorte se mantenha, apesar da indiferença dos investidores.
“O Congresso e o novo presidente precisam urgentemente se unir e acordar um pacote de reformas políticas para colocar o país em uma base institucional sólida e permitir que seus problemas sociais profundamente enraizados sejam resolvidos. Caso contrário, uma futura tentativa de golpe pode ter sucesso.”
Mas parece que os representantes políticos da classe dominante no Congresso peruano são incapazes de ouvir as vozes razoáveis que lhes apresentam os interesses gerais de sua classe.
Todas as instituições do regime democrático burguês estão, com razão, extremamente desacreditadas ante a população. Segundo pesquisa do IEP para La República, 83% estão a favor da antecipação das eleições, 71% discordam da assunção de Dina Boluarte à presidência e 80% estão insatisfeitos “com o funcionamento da democracia” em geral.
A pesquisa do IEP também é interessante pelo nível de aprovação da tentativa de Castillo de fechar o Congresso. No geral, 53% são contra, mas 44% são a favor. Por grupos socioeconômicos, os mais ricos (A/B) são maciçamente contra (69%), mas os mais pobres (D/E) são a favor (52%). A divisão de classe se sobrepõe à divisão regional, com o “Peru rural” a favor (52%) e a “Lima metropolitana” contra (63%). Por região, a macrozona sul é a favor (58%), assim como a macrozona centro (54%).
Segundo outra pesquisa da IPSOS Peru, 62% da população quer eleições antecipadas com reforma política e eleitoral.
Quando as massas operárias, camponesas e estudantis nas ruas de Arequipa, Ayacucho, Apurímac, La Libertad etc., gritam “fechem o Congresso”, não querem dizer “fechem o Congresso em 16 meses para que sejam eleitos os mesmos de novo”.
Numa altura em que os trabalhadores nas ruas estão a exigir, “expulsem-nos todos, fechem o Congresso corrupto”, o Congresso decidiu que vai se dissolver… dentro de um ano e meio!
A decisão desse covil de ladrões conhecido como Congresso não vai surtir o efeito desejado de apaziguar o povo trabalhador nas ruas. Seu efeito será ainda mais reduzido agora que a luta deixou quase 30 mortos, mortos pelo exército e pela polícia.
É óbvio que nos últimos dias a intensidade do movimento diminuiu em consequência da repressão brutal, mas também pela ausência de uma direção clara do movimento. No entanto, não acabou.
Em algumas áreas continuam os bloqueios de estradas, os trabalhadores do gás de Camisea ameaçam tomar “as medidas mais radicais”, milhares estão marchando em Cusco desde as áreas rurais, e nem o Congresso nem a usurpadora Dina Boluarte recuperaram um pingo de legitimidade – muito pelo contrário .
É mais urgente do que nunca dar uma estrutura orgânica ao movimento, unindo todos os setores e organizações em luta: tanto os que já existem quanto os que surgiram nos últimos dias: sindicatos; organizações camponesas e agrárias; federações estudantis; patrulhas camponesas de rondero; comandos unitários de luta e frentes regionais de defesa em uma grande Assembleia Nacional Revolucionária de Operários e Camponeses, para dar direção à luta e propor a tarefa de tomar as rédeas do país.
Expulsem todos eles – os trabalhadores devem governar!
Tradução de Fabiano Leite.