A web In Defence of Marxism e a organização que a publica, a Tendência Marxista Internacional, pretendem proporcionar uma análise da sociedade capitalista e da luta de classes que dela decorre. Desenvolvemos uma perspectiva de para onde nós pensamos que a sociedade está se movendo e, finalmente, oferecemos um programa para os trabalhadores do mundo de combate a este sistema e de, finalmente, alcançar uma sociedade socialista, uma sociedade em que a exploração e a injustiça tornar-se-ão coisas do passado bárbaro e capitalista. Em todos os países onde estamos presentes intervimos ativamente dentro do movimento dos trabalhadores para construir uma verdadeira oposição marxista de esquerda, cujo objetivo final é o de oferecer à classe trabalhadora uma liderança revolucionária.
Internacionalmente, existem muitas outras tendências tentando oferecer suas alternativas. Temos nossas diferenças com muitas destas como se evidencia na nossa aproximação ao movimento dos trabalhadores, nos nossos métodos de trabalho e em nossas idéias fundamentais, que todos podem conhecer percorrendo a enorme variedade de artigos em nossa página web. Nossos leitores podem julgar por eles mesmos lendo o material sobre os assuntos fundamentais em jogo. Contudo, ocasionalmente, encontramo-nos não com "polêmicas", nem com desacordos genuínos com nossas idéias e métodos, mas com uma absoluta falsificação de nossas posições. Acreditamos que, se os ativistas do movimento querem se beneficiar de qualquer troca de idéias, então pelo menos os envolvidos deveriam citar honestamente o que os seus oponentes realmente pensam e escrevem.
É a coisa mais fácil do mundo levantar um espantalho para logo derrubá-lo. Falsificar a posição de um oponente visando ridicularizá-lo não serve a nenhum propósito sério. Não ajudará aos trabalhadores e à juventude a entender o que realmente está em jogo. Pode dar ao escritor um sentimento de auto-satisfação, mas certamente não aumenta sua reputação dentro do amplo movimento dos trabalhadores. Deveríamos ter um debate honesto sobre o que defendemos e responder a qualquer crítica verdadeira de nossas reais posições.
Nunca teria ocorrido a Engels falsificar os argumentos de Dühring para marcar pontos típicos de um debate barato. Em todas as polêmicas de Marx, Engels, Lênin e Trotsky, vemos a mais escrupulosa atitude em relação às citações de seus oponentes. Por isso, eles sempre citavam detalhadamente e nunca tomavam frases isoladas, fora do contexto, com o objetivo de distorcer as posições que estavam analisando. A razão disto é muito simples. Para uma tendência marxista genuína, o propósito de uma polêmica não é o de marcar pontos nem insultar o outro lado, mas o de ELEVAR O NÍVEL TEÓRICO DOS QUADROS.
Um método desonesto
No passado tivemos ocasionalmente de lidar com críticas desonestas, mas geralmente preferimos não entrar em polêmicas com as seitas pseudo-trotsquistas que se disfarçam como a "Quarta Internacional". Estas organizações que proliferam à margem do movimento dos trabalhadores estão atacando constantemente a todos, numa atmosfera de denúncias histéricas. Essa variedade de partidarismo estéril nada tem a ver com as reais idéias e os métodos de Leão Trotsky e tende a afastar os trabalhadores e a distanciar-se do trotsquismo em geral.
Normalmente ignoramos os ataques das seitas, que realmente representam unicamente a si mesmas. Há momentos, contudo, em que somos obrigados a esclarecer as coisas. Na era da internet é possível, mesmo para o mais insignificante grupo, colocar em circulação as mais incríveis falsificações e distorções de nossas posições. Em conseqüência, somos compelidos a perder tempo para explicar a nossa posição. Infelizmente, neste artigo temos de tratar de um caso de falsificação.
Portanto, pedimos aos nossos leitores um pouco de paciência por dedicarmos aqui algum tempo e espaço a responder às calúnias, insinuações e espalhafatosas mentiras sobre a Corrente Marxista Internacional, publicadas pelo jornal francês, La Verité (a revista teórica de um grupo que se reclama como a Quarta Internacional), em sua edição 48 (nova série), de fevereiro de 2006. O grupo por trás dessa publicação é mais conhecido como "lambertistas", um dos muitos grupos dissidentes que emergiram dos escombros da velha Quarta Internacional ao fim da Segunda Guerra Mundial.
Métodos desonestos de polemizar não educam os quadros; pelo contrário, os deseducam. Não era este o método do Partido Bolchevique de Lênin e Trotsky, mas a escandalosa caricatura de Zinoviev e Stalin que destruiu o Partido Bolchevique e a Internacional Comunista. E isso destruirá também as chamadas tendências trotskistas que há muito tempo abandonaram as idéias, os métodos e as tradições de Trotsky. O último racha da organização dos lambertistas é mais uma prova dessa afirmação.
A crise dos lambertistas é apenas o último episódio da ignominiosa desintegração das seitas que emergiram da degeneração da Quarta Internacional depois da morte de Trotsky. De uma forma ou de outra, todas essas organizações que ruidosamente se proclamam como a Quarta Internacional estão em crise, dividindo-se e desintegrando-se. Elas são absolutamente incapazes de proporcionar uma explicação teórica para os mais importantes fenômenos do mundo atual, desde o colapso do estalinismo à Revolução Venezuelana. Acima de tudo, elas são organicamente incapazes de orientar o movimento real das massas. Elas estão condenadas a ser uma nota de pé de página irrelevante na história.
A Corrente Marxista Internacional (CMI) é a única tendência trotskista no mundo que tem provado sua viabilidade, não somente na teoria, onde nossa atuação é inigualável, mas também na prática, devido ao nosso sério e sistemático trabalho de propaganda das genuínas idéias do marxismo-leninismo (trotskismo) nas organizações de massa da classe trabalhadora. A CMI foi a única tendência a explicar o real significado da Revolução Venezuelana e a intervir ativamente nela. Este é um fato que ninguém pode negar. O que irrita o companheiro Lambert e seus colegas é precisamente este fato: que fomos capazes de encontrar um caminho às massas, onde eles (e todas as outras 57 variedades de "trotskismo") fracassaram.
São os nossos êxitos que estimularam os furiosos ataques das seitas. Os lambertistas acabam de perder a grande maioria de sua seção brasileira, que era a maior e mais importante seção fora da França. Parte das razões para a separação foi indubitavelmente a total incapacidade dos dirigentes lambertistas de entender a natureza da revolução que está se desenvolvendo na América Latina. Eles adotaram os mesmos esquemas mecanicistas e formalistas com relação à Revolução Venezuelana, o que tem caracterizado sua visão de conjunto por décadas. Em conseqüência, são completamente incapazes de intervir na Revolução.
Tal fato tem suscitado perguntas na mente de seus militantes, especialmente na América Latina. Os companheiros de sua seção brasileira fizeram uma séria tentativa de estabelecer contatos com as tendências revolucionárias na Venezuela, o que os levou a entrar em contato com os camaradas da CMR, que estão desempenhando um papel dirigente no movimento de fábricas ocupadas na Venezuela. Foi esta, aparentemente, a razão deles terem sido expulsos.
Tendo visto como distorciam, tergiversavam e falsificavam completamente as posições políticas da CMI, podemos unicamente presumir que o grupo O Trabalho também foi submetido à mesma escola de falsificação e, por isso, expressamos nossas simpatias por ele. E já que a motivação para os ataques contra nossa tendência resultou do conflito com a maioria da seção brasileira, começaremos por esclarecer a questão de nossas relações com estes.
Nossas relações com o grupo O Trabalho
Em sua edição de maio (números 49-50), os lambertistas dedicaram cerca de metade do jornal aos recentes acontecimentos desencadeados dentro da seção brasileira de seu grupo internacional. Ali eles repetem muitas das calúnias levantadas na edição de fevereiro. Não desejamos entrar aqui no conflito que irrompeu no Brasil. Mas uma das principais acusações contra os dirigentes de sua seção brasileira, conhecida como o grupo O Trabalho, era que eles estavam colaborando secretamente com a CMI.
Vemos aqui um excelente exemplo do tipo de histeria e paranóia que constitui a atmosfera corriqueira no interior das seitas "trotskistas" em todos os países. Em vez de lidar seriamente com as diferenças políticas, que inevitavelmente surgem de vez em quando, os dirigentes detectam imediatamente algum tipo de conspiração contra eles. Reagem com acusações estridentes, ataques pessoais e medidas burocráticas. Esta é uma receita acabada para crises internas e divisões. Os dirigentes não se incomodam com os danos causados à organização, desde que sua autoridade pessoal seja preservada.
Na verdade, a acusação de colaboração fracionária entre O Trabalho e a CMI é completamente falsa. Nosso contato com os companheiros brasileiros de O Trabalho veio como resultado do trabalho de nossos companheiros venezuelanos da CMR. Como já explicamos, temos desempenhado um papel de liderança no movimento de fábricas ocupadas na Venezuela e, por essa razão, naturalmente atraímos a atenção de Serge Goulart do grupo O Trabalho, que é uma figura dirigente dentro do movimento de fábricas ocupadas do Brasil.
O companheiro Goulart e os outros companheiros envolvidos nas fábricas ocupadas no Brasil encontram-se sob ataque do Estado. Eles lançaram um apelo público de solidariedade aos trabalhadores de todo o mundo e, particularmente, pediram-nos ajuda em sua campanha. Respondemos a este apelo como respondemos a qualquer apelo de trabalhadores agredidos. Como resultado dos esforços de marxist.com, muitos de nossos companheiros trabalhadores com posições no movimento dos trabalhadores de seus respectivos países assumiram a responsabilidade e enviaram cartas de apoio. Foi assim que começou a conexão. Não sabemos até onde a Internacional Lambertista apoiou a campanha de seus camaradas brasileiros. Mas a nossa impressão é que não foram muito longe nesse apoio.
Nesse meio tempo, o conflito entre a direção internacional lambertista e sua seção brasileira chegou a uma cisão. A direção internacional dos lambertistas empreendeu uma campanha furiosa contra a maioria do grupo O Trabalho. Na edição de fevereiro de La Verité foram feitas muitas referências à "tendência Woods-Grant" - isto é, à Corrente Marxista Internacional (CMI) - sob o título "A propósito da política da corrente Grant-Woods", e é, principalmente, deste artigo que nós tratamos aqui.
Como indicação de seus métodos inescrupulosos, estes companheiros começaram o seu ataque à CMI atacando outra tendência que absolutamente nada tem a ver conosco. Eles apontam o dedo ao chamado "Secretariado Unificado da Quarta Internacional" (SUQI), a tendência mandelista. A razão para esta flagrante distorção é clara. Eles desejavam descarregar sobre os ombros da CMI algumas das posições oportunistas adotadas pelo SUQI.
O método de La Verité é o método dos estalinistas que Trotsky descreveu como o amálgama. O que temos aqui é um exemplo de culpa por associação, exceto pelo fato de que essa associação foi estabelecida nos textos dos lambertistas e em nenhuma outra parte. Lamentamos informar aos nossos críticos lambertistas que não temos nada a ver com aquela organização e não podemos ser responsabilizados por nada do que eles façam ou digam. Esta "confusão" de La Verité não é acidental (embora seja uma verdade que eles se confundem em quase tudo).
No Brasil, os mandelistas tinham um ministro no governo de Lula apoiando suas política reacionárias. Isto levou a uma cisão e agora existem dois grupos apoiando o "Secretariado Unificado". Isto é absolutamente característico do oportunismo orgânico dos mandelistas em geral. Mas isto absolutamente nada tem a ver com a nossa tendência, que sempre se opôs às idéias revisionistas de Mandel e companhia, e, em conseqüência, rompeu decisivamente com o SUQI em 1965 e que não mantém contato com esta organização desde então.
O problema aqui é que os leitores de La Verité não conhecem nada sobre a CMI (a "Internacional Woods-Grant") porque não conhecem a verdadeira história da Quarta Internacional. La Verité quer mantê-los na ignorância para espalhar deliberadamente mentiras e confusão. Eles deliberadamente misturam tudo: Pablo, Mandel, Woods-Grant. Nossa principal tarefa é, por essa razão, lançar um pouco de luz sobre a história do movimento, na esperança que La Verité faça afinal justiça ao seu nome.
Em que momento degenerou a Quarta Internacional?
As causas da degeneração política e organizativa da Quarta Internacional podem ser remontadas à morte de Trotsky. Todos os dirigentes da Quarta sem exceção - Pablo, Frank, Cannon, Mandel, Healy e Lambert (na medida em que os dois últimos podem ser considerados dirigentes naquele momento) são coletivamente responsáveis por isto. Mas Lambert tem escondido isto cuidadosamente dos membros de sua organização, por décadas. Eles são mantidos na ignorância da verdadeira história da Internacional e, em seu lugar, são alimentados com o conto de fadas de que a Quarta Internacional estava bem até 1953, quando misteriosamente degenerou. Chegou o momento de por fim a este conto de fadas e de dizer a verdade (ver apêndice no final deste artigo, As origens do colapso da Quarta Internacional).
Mais tarde, trataremos da longa lista de distorções de nossas atuais posições. Começaremos esclarecendo os fatos históricos. O autor não se preocupa de colocar com seriedade a história da Quarta Internacional. Ele não ousa entrar em detalhes porque o registro histórico poderia ser intensamente embaraçoso para Lambert. Em vez de tratar adequadamente a questão, modestamente limitou-se a notas de rodapé. Nestas notas de rodapé, a "tendência fundada por Ted Grant" é apresentada como "direitista" dentro da Quarta Internacional no final da Segunda Guerra Mundial.
Como se justifica esta acusação? Onde se encontram as evidências documentais, as citações, as resoluções? Nem mesmo um fragmento de evidência é apresentado para esta afirmação escandalosa. A razão é que isto não tem, de fato, o menor fundamento. Este não é o lugar para publicar uma história documentada da Quarta Internacional, mas tentaremos nos próximos meses tratar desta questão e republicar os escritos do camarada Ted Grant, que demolirão completamente o mito de que a seção britânica (o PCR) representava um "desvio de direita". Pelo contrário, o registro histórico mostra com clareza que o PCR sozinho foi responsável pela defesa das idéias, métodos e política de Trotsky, enquanto a direção oficial da Quarta se equivocou em todos os principais assuntos. Os erros de Pablo, Cannon, Mandel, Frank e companhia desmoralizaram os quadros da Internacional e causaram crises internas e cisões que a destruíram.
A linha totalmente incorreta dos dirigentes da Internacional é sublinhada por Ted Grant em Programa da Internacional (Programme of the International, May 1970; este e outros trabalhos desse período podem ser encontrados no Arquivo Ted Grant, http://tedgrant.org/, e http://www.engels.org/ted_grant/index.htm). É claro que qualquer um pode cometer erros. Mas uma direção séria está preparada para ouvir críticas, corrigir erros e aprender deles. O problema surge quando uma direção não está disposta a admitir um erro e continua a repeti-los. Nesse caso, já não estamos lidando com erros, mas com uma tendência.
Uma linha política incorreta deve cedo ou tarde manifestar-se em métodos incorretos de organização e em regime interno pouco saudável. Explicamos muitas vezes à direção da Internacional que a única autoridade que ela pode ter é a autoridade política e moral. A direção deve convencer à militância através da argumentação paciente, não com medidas burocráticas, intimidação e ameaças. Mas uma direção que carece da necessária autoridade política e moral inevitavelmente recorrerá a métodos organizativos na tentativa de calar os críticos.
Quando Lênin e Trotsky colocaram-se à cabeça dos partidos comunistas de massa nos dias iniciais da Internacional Comunista, sempre trataram as diferenças (e havia muitas) de forma paciente. Nunca lhes teria ocorrido tratar os seguidores de Bordiga ou os "esquerdistas" alemães e britânicos, por exemplo, recorrendo a ultimatos e expulsões. Esta é uma receita acabada para a destruição da Internacional. Estes foram os métodos introduzidos na Internacional Comunista por Zinoviev e Stalin. A razão disto é que eles eram incapazes de responder às críticas através de argumentos políticos leais. Eles não tiveram a necessária autoridade política e moral e, por essa razão, tentaram usar os métodos organizativos para resolver problemas políticos.
Este foi o caso dos dirigentes da Quarta depois da morte de Trotsky. Incapazes de responder aos argumentos dos companheiros britânicos no período 1944-50, recorreram às intrigas e manobras organizativas. Quer dizer, adotaram métodos zinovievistas. Nunca puderam ganhar a maioria da seção britânica através de discussões democráticas e, dessa forma, manobraram com uma pequena minoria conduzida por Gerry Healy para dividir a seção e expulsar a maioria. Estes são os mesmos métodos que Lambert e Gluckstein estão usando agora para expulsar a maioria de sua seção brasileira. Quem foi o responsável por estes métodos em primeiro lugar? Foi Pablo, junto com Cannon, Mandel, Frank e todos os demais chamados dirigentes da Internacional. Lambert aprendeu estes métodos deles - e tem provado ser o melhor aluno da escola de Pablo.
Cannon, apesar de seus defeitos, era provavelmente o melhor deles. Pelo menos tinha sido um dirigente operário e desempenhou um papel importante na reunião dos primeiros quadros trotskistas nos dias iniciais da Oposição de Esquerda. Mas Cannon nunca foi um teórico. Ele era um organizador e um agitador. E, embora Trotsky tenha apoiado a posição política da maioria do SWP contra a oposição pequeno burguesa de Schachtman, nunca tolerou os métodos organizativos de Cannon, que necessariamente levaram à cisão. Mesmo antes da guerra, Cannon costumava usar os métodos organizativos zinovievistas contra nossa tendência (ver History of British Trotskyism). Tais métodos destruirão inevitavelmente qualquer organização que os utilize. O destino do SWP americano e de toda a Quarta Internacional representou uma séria advertência a este respeito.
Enquanto Trotsky esteve vivo, era impensável que os métodos zinovievistas fossem tolerados na Internacional. Mas depois de sua morte os arrogantes e pretensiosos dirigentes da Quarta Internacional abandonaram o paciente método de explicação que o "Velho" sempre tinha usado em lugar do "porrete". Lênin uma vez advertiu Bukharin quando este era presidente da Internacional Comunista: "Se queres obediência, terás tolos obedientes". Pablo, Cannon, Mandel e Frank não toleravam críticas (assim como Lambert e Gluckstein hoje). Quando as posições do PCR mostraram-se corretas, uma após outra (China, Leste Europeu, Europa Ocidental, Iugoslávia etc.), reagiram fomentando a divisão na seção britânica, usando seu agente, Gerry Healy. O PCR foi expulso e destruído por esses métodos zinovievistas - métodos que nada tinham em comum com os de Trotsky, mas que foram fielmente copiados por Lambert... de Pablo!
Perspectivas incorretas
Numa nota de rodapé do artigo dos lambertista, lemos o seguinte:
"Depois do colapso do PCR, Grant e seus seguidores desenvolveram certas idéias que compartilhavam com os pablistas, particularmente que as forças produtivas tinham capacidade de se desenvolver, o que os levou a afirmar que a social-democracia tinha um futuro histórico".
Esta pequena nota consegue incluir um erro em cada sentença e, algumas vezes, dois. O PCR não "colapsou". Como explicamos, ele foi deliberadamente destruído pela liderança "pablista" que estava sendo seguida fielmente por gente como Pierre Lambert e Gerry Healy naquele momento. Ao contrário do mito absurdo tão assiduamente difundido por Lambert, o PCR não era "pablista", mas (diferentemente de Lambert) era implacavelmente oposto à linha de Pablo e do resto dos dirigentes da Internacional. O verdadeiro "pablista" britânico era na verdade Gerry Healy. Na Grã Bretanha, Healy era o seguidor mais dedicado de Pablo e de forma submissa seguia todas as instruções de seu mestre de Paris. Numa ocasião inclusive, ele "obteve a linha política" por telegrama (ver History of British Trostskyism, para maiores detalhes).
Na realidade, Pablo e seu títere Healy quase não tinham apoiadores dentro da seção britânica. Todas as intrigas da direção da Internacional não tiveream efeito sobre os militantes, majoritariamente proletários na composição, que permaneceram fiéis às idéias e métodos de Trotsky que eram defendidas por Ted Grant e pela direção do PCR. Foi por isto que a direção da Internacional decidiu destruir a seção britânica. Sua palavra de ordem sempre foi a mesma: "dominar ou arruinar". Esta também é a palavra de ordem de Lambert e Gluckstein. Por isto perderam sua seção brasileira. Por isto nunca construirão uma Internacional revolucionária séria nem em mil anos.
O autor, depois, continua dizendo (sem enrubescer): "Grant e seus seguidores desenvolveram certas idéias que compartilhavam com os pablistas". Isto, realmente, já é alguma coisa! Se o PCR tinha tanto em comum com Pablo e companhia, por que o último nos expulsou sem cerimônias da Internacional? Aqui deixamos de lado o universo racional e entramos no mundo do conto de fadas de Alice no país das maravilhas, onde tudo se encontra ao contrário.
O registro histórico demonstrará que, na verdade, Ted Grant não tinha NADA tinha em comum com as idéias e perspectivas defendidas por Pablo, Mandel, Cannon, Healy e Lambert. Estas perspectivas eram totalmente incorretas e minaram a autoridade da Quarta Internacional, não somente entre os trabalhadores avançados que viam Trotsky com certa simpatia, mas também entre os quadros do próprio movimento trotskista. Temos aqui a causa real da degeneração e do colapso da Quarta Internacional. A cisão de 1953 não foi o ponto de partida da degeneração e sim o seu resultado inevitável. Toda a lamentável história dessa organização a partir daí tem sido de crise e divisões uma atrás da outra.
Quais eram as perspectivas defendidas por Pablo e companhia, com o total apoio de Lambert e Healy, depois da Segunda Guerra Mundial? Eles tinham a idéia de uma recessão imediata, de guerra e revolução. Negaram qualquer possibilidade sequer de uma estabilização temporária do capitalismo na Europa e, em vez disto, defendiam a perspectiva da ditadura e do bonapartismo. Destas perspectivas derivam determinadas táticas. Pablo e os demais colocaram a tática do entrismo profundo ("entrismo sui generis"), isto é, que os trotskistas deviam entrar imediatamente nos partidos social-democratas e estalinistas, que, segundo esta perspectiva, entrariam imediatamente em crise, permitindo aos trotskistas formar da noite para o dia partidos de massas da Quarta Internacional.
A marcha dos acontecimentos revelou que cada uma dessas proposições era falsa. Eles se baseavam na total incompreensão do que Trotsky tinha escrito em 1938, quando disse que, em dez anos, não restaria pedra sobre pedra das velhas internacionais (isto é, a social-democrata e a estalinista), e que a Quarta Internacional se converteria na força decisiva do planeta. Mas, como ocorre com qualquer perspectiva, este prognóstico tinha caráter provisório. As perspectivas marxistas não são projetos a que se devem adaptar os acontecimentos. Essa é uma concepção idealista que nada tem em comum com a dialética materialista. Os marxistas devem estudar cuidadosamente a situação objetiva e atualizar constantemente suas perspectivas. Nossas perspectivas devem ser examinadas à luz da experiência, modificadas ou, se for necessário, rechaçadas sobre a base da experiência.
Trotsky baseou sua perspectiva de 1938 em uma analogia aproximada com a situação que se desenvolveu depois da Primeira Guerra Mundial. Mas a guerra é a mais complicada das equações, como assinalou Napoleão. A Segunda Guerra Mundial se desenvolveu de uma forma que nem sequer um gênio como Trotsky poderia ter previsto. Em particular, as vitórias espetaculares do Exército Vermelho mudaram tudo. A propósito, as perspectivas de Stalin, Hitler, Roosevelt e Churchill também foram destroçadas pelo desenvolvimento dos acontecimentos. Não temos espaço aqui para tratar deste assunto mais detalhadamente. Mas uma análise dos acontecimentos do capitalismo mundial depois de 1945 pode ser encontrada nos escritos de Ted Grant, particularmente em Will There be a Slump?.
Para falar com sinceridade: os então dirigentes da Quarta Internacional não entenderam absolutamente a verdadeira situação objetiva que surgiu da Segunda Guerra Mundial e, devido a sua perspectiva equivocada, destruíram a Quarta Internacional. O estabelecimento de estados operários deformados nos países do Leste Europeu e a vitória do Exército Vermelho chinês colocaram novos problemas teóricos para a Quarta, e mais uma vez a direção revelou sua total incapacidade de compreender o que estava acontecendo. No início, sustentaram que o Leste Europeu e a China eram regimes capitalistas. Depois, sem nenhuma explicação teórica de sua passada posição, eles deram uma virada de cento e oitenta graus. Da noite para o dia, eles declararam que a Iugoslávia de Tito depois da ruptura com Stalin era um estado operário são. Este foi o método de impressionismo político zinovievista, vacilações teóricas constantes, mudança de linha sem nenhuma explicação, passar do A para o Z e dar marcha atrás novamente.
A posição de Ted Grant
A resolução adotada pela Pré-Conferência Internacional da Quarta Internacional de abril de 1946 (The New Imperialist Peace and the Building of the Parties of the Fourth International - Abril de 1946), estava impregnada da perspectiva equivocada de uma iminente crise revolucionária, da impossibilidade de uma recuperação econômica geral do capitalismo e, portanto, isso ilustrava as excelentes possibilidades para desenvolver as forças da Quarta Internacional. Todo este rumo era equivocado e finalmente levou a uma crise depois de outra da organização e a seu colapso final.
Estiveram igualmente equivocados nas perspectivas para o estalinismo e para a URSS. Em 1946, as perspectivas da então direção da Quarta Internacional era que, através da pressão combinada econômica, política e diplomática e das ameaças militares do imperialismo americano e britânico, o regime estalinista na União Soviética entraria em colapso. Aconteceu exatamente o contrário. Ted Grant, junto com a direção do PCR, tentou corrigir este prognóstico equivocado. Em nossa página web encontra-se toda a documentação histórica para esta e outras questões.
O PCR britânico via que, devido à nova correlação de forças na Europa, provocada pela vitória do Exército Vermelho, e devido à correlação de forças de classe, era impossível para a classe dominante impor imediatamente a reação. Os companheiros britânicos caracterizaram os regimes na Europa Ocidental (França, Bélgica, Holanda, Itália) como regimes contra-revolucionários em uma forma democrática, enquanto que outros, como Pierre Frank, insistiam na perspectiva de que a Europa Ocidental era uma ditadura bonapartista.
Ted Grant, o principal teórico do PCR, tentou corrigir as posições equivocadas da então direção da Quarta Internacional. Para mais detalhes disto, sugerimos a leitura de todos os artigos que se podem encontrar em nossa seção sobre a Quarta Internacional (Fourth International). Naquele período, em resposta a Pierre Frank, Ted escreveu: "Entre os quadros da Quarta Internacional, há companheiros que não aprenderam suficientemente esta lição. Continuam vivendo dos benefícios de umas quantas abstrações preparadas, em vez de concretizar ou retificar parcialmente as generalizações anteriores". Essa foi a raiz do problema.
A direção ignorou os argumentos da seção britânica e manteve cegamente sua posição equivocada. Em vão, os companheiros britânicos assinalaram a mudança de situação e a necessidade de revisar as perspectivas. Em vão, assinalaram os sintomas de uma recuperação econômica depois da guerra. Inutilmente, explicaram aos dirigentes da Internacional que, devido ao governo trabalhista do pós-guerra na Grã Bretanha, que estava realizando a maior parte de seu programa, as condições para a entrada no Partido Trabalhista estavam ausentes. Todos os argumentos do PCR caíram em ouvidos surdos. Era tal a estupidez desses cavalheiros que, quando perguntaram a um dos representantes do SWP americano sobre o prognóstico que Trotsky fez em 1938 de que em dez anos não restaria pedra sobre pedra da social-democracia e do estalinismo, ele respondeu dizendo que ainda faltava um ano para que esta perspectiva fosse cumprida!
Em sua Carta Aberta ao BSFI (Open Letter to BSFI. September/October 1950), Ted Grant sublinhava a nova situação mundial que surgia da guerra e avisou à Internacional:
"Estes fatores resultaram em um processo sem paralelo, que não podia ter sido previsto por nenhum dos mestres marxistas: a extensão do estalinismo como um fenômeno social em mais da metade da Europa, além do subcontinente chinês, e com possibilidades de se estender a toda a Ásia.
"Isto coloca novos problemas teóricos que devem ser abordados pelo movimento marxista. Em condições de isolamento e de escassez de forças, os novos fatores históricos poderiam inclusive levar a uma crise teórica do movimento, colocando o problema de sua própria existência e sobrevivência".
Não há a menor dúvida de que se Trotsky ainda estivesse vivo em 1945 imediatamente teria visto a necessidade de reavaliar a situação à luz dos acontecimentos. Mas os chamados dirigentes da Quarta foram incapazes de fazer isto. Simplesmente não estiveram à altura das tarefas colocadas pela história. Para eles, as questões eram muito simples: tudo o que tinham de fazer era repetir como um mantra o que Trotsky tinha escrito em 1938. Isto é, trataram as perspectivas não de forma marxista, mas metafísica. Repetiram servilmente as palavras de Trotsky, sem compreender o método de Trotsky. Da mesma forma que um papagaio repetirá os sons que parecem um discurso humano, mas sem o menor entendimento de seu significado.
O fato é que cada uma das posições defendidas pela direção "pablista" da Quarta depois da guerra, e apoiadas servilmente por Lambert e Healy, demonstrarm estar equivocadas, e cada uma das posições básicas defendidas por Ted Grant e pelo PCR demonstraram ser corretas. Isto Lambert e Gluckstein não podem tolerar. Por isso tentaram durante tanto tempo ocultar os fatos e falsificar a história da Quarta Internacional para seus seguidores. Por isso distorcem consistentemente nossas posições e as tergiversam em miseráveis pés de página. Uma tendência que se baseia na falsificação converter-se-á ela mesma em um miserável pé de página da história. Como assinalou Trotsky, a locomotiva da história é a verdade e não a mentira.
O ciclo econômico e a luta de classes
Nosso cordial amigo atribui ao PCR "em particular, a posição de que as forças produtivas tinham a capacidade de se desenvolver, o que o levaria a sustentar que a social-democracia tinha um futuro histórico".
O autor dessas linhas pode ser um analfabeto político, mas tinha necessidade de maltratar a lógica, o idioma francês e até mesmo o marxismo? Que significa aquele discurso palavroso? As forças produtivas sempre têm a "capacidade" de se desenvolver, da mesma forma que a maioria dos homens e mulheres tem a "capacidade" de pensar. Se esta capacidade se manifesta ou não no desenvolvimento real da produção ou em indivíduos que realmente pensam é outra história. No caso dos lambertistas, a última proposição pode estar sujeita a sérias dúvidas.
Como vimos, os líderes da Quarta tinham uma perspectiva totalmente falsa depois de 1945, NÃO SOMENTE EM ECONOMIA, MAS EM TUDO O MAIS. Nosso amistoso crítico seleciona apenas uma questão (o desenvolvimento das forças produtivas) onde imagina (incorretamente) que se encontra em terreno seguro, esquecendo do resto. Pablo, Mandel e companhia prognosticaram uma imediata recessão (e uma guerra imediata, Bonapartismo e revolução). Devemos fazer ao nosso crítico uma pergunta direta: ESTAS PERSPECTIVAS ERAM CORRETAS, SIM OU NÃO? Há somente uma resposta possível: estas perspectivas não tinham em absoluto nada a ver com a situação real. Estavam equivocadas da primeira à última linha. Não é útil absolutamente tentar recorrer a sofismas para escapar deste fato, que é difícil de aceitar para Lambert, já que ele (diferentemente de Ted Grant) não somente compartilhou "certas idéias" com os pablistas, mas esteve em total acordo com todas essas idéias.
Não é possível separar nem um só dos elementos (as forças produtivas) do que era uma perspectiva totalmente incorreta. Sua perspectiva de uma recessão imediata somente era parte de sua ausência total de compreensão dos processos reais que se estavam desenvolvento em escala mundial. Os dirigentes da Quarta Internacional negavam qualquer possibilidade de recuperação econômica e, consequentemente, estavam prognosticando uma revolução (ou ditadura Bonapartista, ou guerra...) em cada esquina. Previram o colapso da União Soviética, quando na realidade o regime estalinista na Rússia tinha emergido enormemente fortalecido da guerra.
Um dos principais debates imediatamente depois da Segunda Guerra Mundial foi: existia alguma possibilidade de um boom ou recuperação do capitalismo? Cannon, Mandel, Healy e outros dirigentes da então Quarta Internacional se basearam numa interpretação totalmente formalista da declaração (correta) de Trotsky de que o capitalismo estava em sua "agonia de morte". Interpretaram isto (incorretamente) para dizer que, portanto, não havia margem para uma recuperação econômica depois da Guerra.
Esta posição divergia totalmente do método marxista. Lênin respondeu a isto antecipadamente, quando, ao polemizar contra os chamados comunistas de esquerda na Internacional Comunista, assinalava que não existia essa coisa chamada de "crise final do capitalismo". Enquanto a classe trabalhadora não o derrubasse, o capitalismo sempre encontraria uma saída mesmo na crise mais profunda. Ele e Trotsky sequer descartavam, como possibilidade teórica, que o capitalismo pudesse experimentar um auge considerável no futuro, se o proletariado não mostrasse uma saída através da revolução socialista.
Como Trotsky colocou a questão da luta de classes e do ciclo econômico? Em seu artigo Fluxos e Refluxos, escrito em 1921, fez a seguinte observação:
"O mundo capitalista entra num período de ascensão industrial. Os booms alternam com as depressões. Uma lei orgânica da sociedade capitalista. O atual boom de nenhuma maneira indica o estabelecimento de um equilíbrio na estrutura de classe. Uma crise frequentemente favorece o surgimento de estados de ânimo anarquistas e reformistas entre os trabalhadores. O boom ajudará a unificar as massas trabalhadoras" (Os cinco primeiros anos da Internacional Comunista. Vol. 2. p. 74. Na edição inglesa).
Que conclusões Trotsky extraiu da recuperação econômica? Chegou ele à conclusão de que isso significava o final da luta de classes? Significava a vitória inevitável do reformismo ou um "desvio de direita", como assinala o nosso crítico lambertista? Muito longe disso! Podemos ver na citação anterior qual era a posição de Trotsky. Diferentemente de Pablo e Lambert, Trotsky tinha uma atitude marxista com relação às perspectivas econômicas. A idéia de que a recessão simplesmente significaria uma revolução e de que um boom significaria uma contra-revolução é totalmente incorreta. É típico do formalismo antidialético, que é uma característica inevitável do pensamento dos sectários ultra-esquerdistas em todos os períodos.
Trotsky teve de explicar aos "esquerdistas" o ABC do marxismo. A relação entre o ciclo econômico e a luta de classes não é direta nem mecânica, como imaginam os esquerdistas, mas contraditória e dialética. Ele explica de forma equilibrada que um boom pode ter efeitos positivos ao tornar coesa a classe trabalhadora, ao curar as feridas das derrotas passadas e ao aumentar sua confiança. Deixemos que o próprio Trotsky fale:
"A imprensa capitalista está celebrando, com bater de tambores, os seus êxitos na ‘reabilitação' econômica e as perspectivas de uma nova época de estabilidade capitalista. Este êxito tem tão poucas bases como os temores complementares dos ‘esquerdistas', que pensam que a revolução deve surgir do agravamento ininterrupto da crise. Na realidade, enquanto a prosperidade comercial e industrial que se aproxima implica economicamente em novas riquezas para os círculos superiores da burguesia, todas as vantagens políticas serão nossas. As tendências em direção à unificação dentro da classe trabalhadora são somente uma expressão da crescente vontade de ação. Se os trabalhadores estão exigindo, hoje, que, no bojo da luta contra a burguesia, nós os comunistas cheguemos a um acordo com os Independentes e com os Social-Democratas, mais tarde - na medida em que o movimento cresça até alcançar uma amplitude de massas - estes mesmos trabalhadores se convencerão de que somente o Partido Comunista lhes oferece a liderança na luta revolucionária. A primeira onda da maré leva para cima todas as organizações operárias, empurrando-as a um acordo. Mas o mesmo destino aguarda os Sociais-Democratas e os Independentes: serão alcançados um depois do outro pelas próximas ondas da maré revolucionária.
"Significa isto - ao contrário do que pensam os partidários da teoria da ofensiva - que não é a crise, mas a próxima recuperação econômica que vai levar diretamente à vitória do proletariado? Uma afirmação tão categórica seria infundada. Já mostramos acima que não existe uma interdependência mecânica, mas dialética e complexa, entre a conjuntura e o caráter da luta de classes. É suficiente para compreender o futuro que estejamos entrando no período de recuperação muito melhor armados do que estávamos quando entramos no período de crise. Nos países mais importantes do continente europeu temos poderosos partidos comunistas. A quebra da conjuntura indubitavelmente abre-nos a possibilidade de uma ofensiva, não somente no campo econômico, mas também na política. É uma tarefa inútil dedicar-nos agora a especulações sobre até onde chegará esta ofensiva. Está apenas começando, está apenas se fazendo visível.
"Um sofista poderia colocar a objeção de que se nós acreditamos que a recuperação industrial ulterior não necessariamente nos levará diretamente à vitória, então começará obviamente um novo ciclo industrial, o que significa outro passo em direção à restauração do equilíbrio capitalista. Nesse caso, não se estaria realmente diante do perigo do surgimento de uma nova época de recuperação capitalista? A isto se poderia responder assim: Se o Partido Comunista não cresce; se o proletariado não adquire experiência; se o proletariado não resiste de forma revolucionária mais audaz e irreconciliável; se não consegue passar, na primeira oportunidade favorável, da defensiva para a ofensiva; então, a mecânica do desenvolvimento capitalista, complementada pelas manobras do estado burguês, sem dúvida lograria cumprir seu trabalho no longo prazo. Países inteiros serão arrojados violentamentemente na barbárie econômica; dezenas de milhões de seres humanos pereceriam de fome, com desespero em seus corações, e sobre os seus ossos seria restaurado algum novo tipo de equilíbrio do mundo capitalista. Mas tal perspectiva é pura abstração. No caminho especulativo em direção a este equilíbrio capitalista, há muitos e gigantescos obstáculos: o caos do mercado mundial, o desbaratamento dos sistemas monetários, o domínio do militarismo, a ameaça de guerra, a falta de confiança no futuro. As forças elementares do capitalismo estão procurando vias de escape entre pilhas de obstáculos. Mas estas mesmas forças elementares fustigam a classe trabalhadora e a impulsionam para frente. O desenvolvimento da classe trabalhadora não cessa, inclusive quando esta retrocede. Porque, enquanto perde posições, acumula experiência e consolida seu partido. Marcha para frente. A classe trabalhadora é uma das condições do desenvolvimento social, um dos fatores desse desenvolvimento e, sobre todas as coisas, seu fator mais importante, porque personifica o futuro".
"A curva básica do desenvolvimento industrial está buscando caminhos para cima. O movimento se torna complexo pelas flutuações cíclicas, que, nas condições do pós-guerra, mais se parecem a espasmos. É naturalmente impossível prever em que ponto do desenvolvimento se produzirá uma combinação de condições objetivas e subjetivas tais que possam produzir uma mudança revolucionária. Tampouco é possível prever se isto acontecerá no curso da atual recuperação, em seu início ou no seu final, ou com a chegada de um novo ciclo. É suficiente para nós compreendermos que o ritmo do desenvolvimento depende em grande medida de nós, de nosso partido, de suas táticas. É da maior importância levar em consideração a nova virada na economia que pode abrir um novo estágio na fusão das fileiras e na preparação de uma ofensiva vitoriosa. Porque o fato de que o partido revolucionário compreenda o que está acontecendo já implica por si mesmo uma redução do tempo e um adiantamento das datas" (Ibid. pp. 83-84).
Não está perfeitamente claro? Trotsky explica a relação dialética complexa entre o ciclo econômico e a luta de classes, que se condicionam mutuamente, mas não de forma mecânica. É possível que uma recessão possa desmoralizar os trabalhadores e adiar os acontecimentos revolucionários durante vários anos. A recessão econômica que seguiu a derrota da revolução de 1905 na Rússia teve este resultado e Trotsky, corretamente, prognosticou que seria necessária uma recuperação econômica antes que os trabalhadores tomassem de novo o caminho da revolução. Foi isto precisamente o que aconteceu no período de 1911-14.
Dever-se-ia observar que Trotsky, nos parágrafos anteriores, coloca a possibilidade teórica de um futuro período de auge do capitalismo ("uma nova época de recuperação capitalista"), se os partidos comunistas não conseguem tomar o poder. Considerava isto como improvável - apenas como uma possibilidade - porque a perspectiva era de revoluções socialistas triunfantes dirigidas pela Internacional Comunista. Em 1921, a possibilidade de uma degeneração burocrática da revolução russa não era uma consideração sequer remota. Mas o isolamento da Revolução de Outubro em condições de atraso material e cultural extremo (devido às traições da social-democracia européia), levou à degeneração estalinista, que minou a IC como instrumento da revolução socialista. Isto, por sua vez, levou à derrota da revolução na China, Alemanha, Espanha etc. , que levou, por sua vez, diretamente à Segunda Guerra Mundial.
A forma equilibrada em que Trotsky (e também Lênin, que tinha a mesma posição) tratou esta questão contrasta totalmente com o infantilismo dos "Comunistas de Esquerda", cujo método era uma vulgarização mecânica do marxismo. Os "esquerdistas" negavam qualquer possibilidade de recuperação das forças produtivas, considerando esta idéia como equivalente a uma capitulação diante do reformismo e da social-democracia. Atacaram tanto a Lênin quanto a Trotsky como "direitistas" pelo crime de lhes explicar os fatos da vida. Mas os acontecimentos posteriores demonstraram que Lênin e Trotsky tinham razão e que os "Comunistas de Esquerda" estavam completamente equivocados.
Como uma nota de pé de página, deveríamos acrescentar que, apesar da seriedade de suas diferenças políticas, a Lênin e a Trotsky nunca lhes teria ocorrido propor a expulsão dos "esquerdistas" ou utilizar o formidável aparato da Internacional Comunista para calá-los. Utilizavam o debate político para educar os quadros da Internacional e respondiam aos argumentos de seus opositores com paciência. Esta era a maneira correta, leninista, de enfrentar as diferenças dentro da organização. O método de Lambert-Gluckstein não o é.
"Dizer o que é!"
A situação que surgiu depois de 1945 não era como a situação posterior ao final da Primeira Guerra Mundial. As vitórias do Exército Vermelho e a onda revolucionária que percorreu a Europa obrigaram o imperialismo americano a respaldar o capitalismo europeu por medo ao "comunismo". Por outro lado, contrariamente à previsão de Trotsky de 1938, as velhas organizações da social-democracia e o estalinismo conseguiram se situar à frente do movimento e descarrilhá-lo. A contra-revolução foi realizada de forma democrática (como aconteceu na Alemanha em 1918-20).
Esta foi a pré-condição política para a recuperação econômica e para a estabilização do capitalismo, que reforçou o controle da social-democracia sobre as massas na Grã Bretanha e em outros países. Por outro lado, as vitórias do estalinismo no Leste Europeu e na China, seguindo as vitórias espetaculares do Exército Vermelho durante a guerra, aumentaram entre as massas as ilusões no estalinismo. Contrariamente às expectativas de Trotsky, o estalinismo e o reformismo saíram reforçados durante todo um período histórico.
Ted Grant explica as razões do auge do pós-guerra do capitalismo nos seguintes termos:
"Quais são as razões básicas do que aconteceu à economia mundial durante o período posterior à Segunda Guerra?
- O fracasso político dos estalinistas e dos sociais-democratas, na Grã Bretanha e na Europa Ocidental, que criou um clima favorável para a recuperação do capitalismo.
- Os efeitos da guerra na destruição de bens de consumo e de capital criaram um grande mercado (a guerra tem efeitos semelhantes - embora mais profundos - na destruição de capital aos de uma recessão). Estes efeitos, de acordo com as estatísticas da ONU, não desapareceram até 1958.
- O plano Marshall e outras ajudas econômicas destinadas à recuperação econômica da Europa Ocidental.
- O enorme aumento do investimento na indústria.
- O surgimento de novas indústrias: plásticos, alumínio, foguetes, eletrônica, energia atômica.
- O aumento da produção das novas indústrias - químicas, fibras artificiais, borrachas sintéticas, plásticos, rápido aumento dos metais ligeiros, alumínio, manganês, eletrodomésticos, gás natural, energia elétrica, atividades de construção.
- As enormes quantidades de capital fictício criadas pelo gasto em armamentos e que alcançou 10% da renda nacional na Grã Bretanha e nos EUA.
- O novo mercado para o capital e produtos de engenharia, criado pela debilidade do imperialismo nos países em vias de desenvolvimento, proporcionando à burguesia local a oportunidade de desenvolver a indústria em escala nunca vista até então.
- Todos estes fatores interagiram entre si. O aumento da demanda de matérias-primas, através do desenvolvimento da indústria nos países metropolitanos, por sua vez, influi nos países subdesenvolvidos e vice-versa.
- O aumento do comércio entre os países capitalistas, particularmente de bens de capital e produtos de engenharia, devido ao aumento da inversão econômica, atuou nesse momento como um estímulo.
- O papel da intervenção estatal no impulso da atividade econômica" (Ted Grant. Haverá uma recessão?)
Como trataram os dirigentes da Quarta esta situação? Não entenderam nada. Seus argumentos eram como uma cópia carbono dos chamados Comunistas de Esquerda no período de 1920-24. Afirmavam categoricamente que a economia mundial continuaria "estagnada ou em recessão". Inclusive quando os fatos estavam diante de seus narizes, e a economia capitalista começava a se recuperar, eles se negaram a levar isto em consideração. Já em 1947, quando nenhuma pessoa séria negaria que na Europa havia uma recuperação econômica, ainda se negavam a reconhecer seu erro. Então, numa tentativa de se justificarem, proclamaram que, embora houvesse certo crescimento econômico (dificilmente podiam dizer outra coisa!), o capitalismo não poderia alcançar o nível de produção obtido antes da guerra.
Esta foi uma afirmação totalmente arbitrária e acientífica, não fundada nem na teoria econômica marxista nem nos fatos. Era simplesmente uma tentativa de salvar a cara à luz da situação objetiva que estava em aberto conflito com suas previsões. Para estas pessoas, a questão mais importante não era a educação dos quadros, mas somente a manutenção do prestígio dos dirigentes: uma política desastrosa com resultados desastrosos! Na prática, o "teto" do crescimento das forças produtivas, que eles tinham colocado de forma tão ligeira, foi logo rompido e o capitalismo entrou num auge econômico que durou mais de duas décadas.
Se o marxismo fosse uma coleção de fórmulas pré-concebidas em vez de um método científico, então todo pequeno sectário ao longo da história seria tão grande quanto Marx, Engels, Lênin e Trotsky juntos. Mas as coisas não são tão simples. Os marxistas britânicos, reunidos em torno da direção do PCR, utilizando o método de Marx, Engels, Lênin e Trotsky, questionaram esta posição e foram os primeiros a assinalar que o capitalismo mundial estava entrando num período de recuperação. Eles explicaram a necessidade de reorientar as forças da Quarta Internacional na base de uma análise do que realmente estava acontecendo.
As forças produtivas
Nesta questão, Pierre Lambert desenvolveu uma variedade muito estranha de equívoco sectário. Ele e seus seguidores simplesmente se apegaram à posição prévia de negar a existência de qualquer desenvolvimento das forças produtivas. Assombrosamente se aferram a esta posição até hoje. Pareciam temer a idéia de que as forças produtivas poderiam realmente se desenvolver, como se isto levasse à conclusão de que a revolução era impossível. Esta conclusão era totalmente injustificada. É uma caricatura mecânica do marxismo e que foi, há tempo, respondida por Lênin e Trotsky, como já vimos.
Marx já tinha explicado que é o próprio desenvolvimento das forças produtivas o que torna inevitável a revolução. Isso fortalece a classe trabalhadora e por fim aumenta as contradições dentro do sistema. O desenvolvimento das forças produtivas na Europa desde 1945, é verdade, causou sérios problemas ao movimento revolucionário. Foram as bases objetivas para o isolamento da vanguarda proletária e para o declínio da Quarta Internacional. Mas também teve o efeito de fortalecer a classe trabalhadora, curar as cicatrizes das derrotas do passado. Ao reduzir impiedosamente o campesinato na Itália, França, Espanha e Alemanha, debilitou a base social da reação.
O enorme desenvolvimento das forças produtivas na China, no momento atual, ao fortalecer o proletariado, está criando as condições para um poderoso auge revolucionário no próximo período. Não se deve esquecer que a maior greve geral da história, ocorrida na França em 1968, chegou quando o auge econômico do pós-guerra se encontrava no pico. Esta é uma prova suficiente de que não é necessário em absoluto negar a possibilidade de desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo, com o objetivo de se manter uma política e uma perspectiva revolucionárias.
Os dirigentes do PCR foram os únicos que mantiveram um curso firme baseado nas idéias reais de Lênin e Trotsky. Por este "crime", somos agora injuriados por nossos amigos de Paris como "direitistas". Isto não é acidental. Como temos visto, os comunistas de "esquerda" também descreveram Lênin e Trotsky como "direitistas", exatamente pelas mesmas razões. Marx estava muito certo quando disse que a história se repete; primeiro como tragédia e, em seguida, como farsa. Os comunistas de "esquerda" causaram muitos danos com suas táticas e políticas ultra-esquerdistas, como a "teoria da ofensiva" que levou a uma séria derrota da classe trabalhadora alemã em 1921. Isso foi uma tragédia. Mas as palhaçadas de Lambert, Healy, Pablo, Cannon e Frank eram somente uma farsa. Eles não tinham a mesma influência na classe trabalhadora que os "esquerdistas" alemães tiveram, para testar as suas "teorias" na prática. Com a sabedoria que nos fornece o tempo transcorrido, talvez isto não tenha sido algo tão ruim.
O longo período de auge econômico durou até a primeira recessão séria de 1973-74. Durante todo um período, pelo menos nos países capitalistas desenvolvidos, o capitalismo esteve em situação de fazer grandes concessões e reformas aos trabalhadores (sistema nacional de saúde, planos de previdência etc.). Nesta situação, simplesmente repetir que o capitalismo não pode se recuperar e que a revolução se encontra logo ali na esquina, era uma bofetada na cara da realidade. Deste modo, desorientaram totalmente os quadros da Quarta Internacional.
Lênin, em certa ocasião, disse que um ultra-esquerdista é um oportunista que tem medo de seu próprio oportunismo. Isto se confirma na evolução de todas as tendências que surgiram da velha direção da Quarta Internacional. Durante as décadas passadas, vimos combinações concebíveis (e algumas inconcebíveis) de desvios ultra-esquerdistas e oportunistas. Estes grupos constantemente se giram do ultra-esquerdismo ao oportunismo e vice-versa. Tendo começado com uma caricatura das posições de Trotsky, assumindo que cada ponto e vírgula que o "velho" escreveu estava literariamente corretos, eles em seguida concluíram que as "velhas idéias" eram inúteis e sem cerimônias as abandonaram. Um caso extremo foi o do SWP americano, que já não se reclama como trotskista, nem mesmo em palavras. Mas, na realidade, os demais não são melhores.
Somente quando se tornou suficientemente óbvio que o capitalismo estava experimentando um auge econômico de proporções consideráveis, estes chamados "trotskistas" aceitaram que havia uma recuperação. Depois, de forma típica, deram uma virada de cento e oitenta graus e passaram à posição oposta. A tendência de Ernest Mandel - que se converteu no chamado Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SUQI) - desenvolveu uma perspectiva de décadas de paz social nos países capitalistas desenvolvidos, baseada na idéia de que o capitalismo tinha resolvido de alguma forma suas contradições fundamentais através do financiamento keynesiano do déficit e da intervenção estatal. Inclusive teorizaram com a idéia do "aburguesamento" da classe trabalhadora. Os acontecimentos de 1968 na França apanharam-nos totalmente de surpresa.
Quanto a Lambert e seus seguidores, reagiram diante da situação simplesmente fechando os olhos à realidade, igual a uma criança assustada quando oculta a cabeça sob o travesseiro como se fosse ver por acaso um fantasma. Aos nossos amigos lambertistas, faríamos uma pergunta: Desenvolveram-se as forças produtivas desde a Segunda Guerra Mundial? Ou elas estão nos mesmos níveis de 1938, como pretendem? A resposta é clara para todos os que vêem as estatísticas. No que diz respeito ao assunto, o mesmo está claro para quem vive no mundo real. O problema com todos os sectários é precisamente porque eles não vivem absolutamente neste mundo.
Com sua habitual lógica de Alice no país das maravilhas, os lambertistas elaboraram um silogismo engenhoso: a) Grant prognosticou um boom econômico depois da guerra; b) portanto, acreditava que o reformismo e a Social-Democracia poderiam sobreviver; c) portanto, está a favor da Social-Democracia. Como uma pessoa inteligente pode aceitar esta lógica realmente supera toda compreensão. Mas devemos fazer ao nosso amigável crítico outra pergunta direta: Manteve-se a influência da social-democracia dentro do movimento operário internacional desde o final da Segunda Guerra Mundial, sim ou não? Para todos os que ainda habitamos o planeta Terra, esta pergunta se responde por si mesma. Já para os sectários extraterrestres, nunca poderemos estar seguros.
Isto é realmente muito simples. O poderoso boom econômico entre 1948 e 1973 foi precisamente a base material que nutriu as ilusões reformistas dentro do movimento dos trabalhadores. Nos países capitalistas avançados, pelo menos, o auge econômico permitiu certa estabilidade social e política. Estas foram as condições que fortaleceram enormemente a social-democracia dentro do movimento dos trabalhadores. Não levar isto em consideração é o mesmo que fugir da realidade. Isto significa que as pequenas forças do marxismo genuíno foram isoladas das massas e que trabalharam sob difíceis condições por todo um período histórico. Esta é a razão objetiva porque a Quarta Internacional falhou em se desenvolver no caminho que Trotsky tinha antecipado em 1938. Nadávamos contra a corrente.
De forma alguma a posição do PCR tinha ilusões na viabilidade do sistema capitalista. Apenas dizia o que realmente estava acontecendo. Eles entenderam que o capitalismo ia passar por uma recuperação temporária e que eventualmente a crise começaria novamente. Eles não imaginavam que o auge econômico duraria tanto tempo quanto durou. Eles também compreendiam que esta recuperação levaria temporariamente ao fortalecimento das ilusões reformistas no seio das fileiras do movimento dos trabalhadores. Na verdade, o reformismo foi fortalecido por todo um período histórico, enquanto as forças do marxismo genuíno (o trotskismo) retrocederam. Este é um fato incontestável. Mas a razão verdadeira porque a Quarta Internacional foi destruída neste período não pode ser explicada puramente em termos da difícil situação objetiva.
As dificuldades objetivas são somente a metade da história. Não podemos deixar de lado o fator subjetivo, a qualidade da liderança. O papel desempenhado pela "liderança" era crucial e absolutamente negativo. A primeira regra do materialismo dialético é: sempre diga o que é. Os marxistas partem da situação real, não importa qual seja o seu sabor. Para reorientar as forças da Quarta Internacional, era absolutamente necessário levar em consideração a nova situação objetiva. Foi isto que a liderança da Quarta foi incapaz de fazer. Ela se mostrou completamente inadequada para as necessidades da situação e, em conseqüência, cometeram uma completa série de erros que destruíram a Internacional.
Numa guerra, a influência de bons generais quando um exército está avançando é decisiva. Mas é ainda mais decisiva quando o exército é compelido a se retirar. Em tais circunstâncias, com bons generais, o exército pode se retirar em boa ordem, mantendo suas perdas no mínimo, capacitando o exército a se entricheirar e preparando-o para uma nova ofensiva quando as condições o permitirem. Mas os generais incompetentes sempre converterão uma retirada em fuga desordenada. Foi isto o que aconteceu à Quarta Internacional.
Grã Bretanha
A nota de pé de página aludida tira uma peculiar conclusão das perspectivas econômicas do PRC. Eles dizem que o reconhecimento de uma recuperação econômica depois da Guerra leva-os a sustentar que "a social-democracia tinha um futuro histórico". Bem, seis décadas depois, que tem a dizer La Verité sobre a Social-democracia? Existe ou não? Evidentemente, existe; e até tem uma grande influência sobre milhões de trabalhadores.
Na Grã Bretanha, o Partido Trabalhista recebe regularmente os votos de milhões de trabalhadores, a despeito das abomináveis políticas de Blair. Os trabalhadores são muito críticos a Blair, que é odiado pelos ativistas. Mas, depois de nove anos de Novo Trabalhismo, todas as tentativas dos sectários para construir uma alternativa séria ao Partido Trabalhista têm fracassado estrepitosamente. A Aliança Socialista colapsou. Agora, o Partido Socialista Escocês se dividiu. Os outros grupelhos sectários não merecem mesmo ser mencionados.
Qual a razão desta estranha situação? É muito simples: os trabalhadores britânicos não vêem alternativa viável ao Partido Trabalhista. Quando não votam nos trabalhistas, não votam em mais ninguém. Tal fato pode ser muito difícil de aceitar para algumas pessoas, mas é uma realidade. Os principais sindicatos ainda estão filiados ao trabalhismo e proporcionam-lhe a maioria de seus fundos. Eles também têm 50% dos votos no congresso do Partido Trabalhista. Em outras palavras, Blair não conseguiu separar o Partido Trabalhista dos sindicatos. Esta é uma questão decisiva para as futuras perspectivas da classe trabalhadora britânica.
A questão do Partido Trabalhista foi sempre a questão central dos marxistas britânicos. Lênin se ocupou disto em muitas ocasiões, particularmente em A Doença Infantil do ‘Esquerdismo' no Comunismo. Trotsky escreveu mesmo mais sobre o Partido Trabalhista e sobre a necessidade dos trotskistas britânicos de conduzir um sério e sistemático trabalho dentro dele. Para qualquer um com o mais modesto conhecimento da teoria marxista e das condições reais na Grã Bretanha, a necessidade de trabalhar no Partido Trabalhista é o ABC da questão. Mas os sectários sempre reagiram com ódio diante desta sugestão. Para eles, trabalhar dentro do Partido Trabalhista é o mesmo que apoiar Blair!
Este argumento é simplesmente infantil. Mas é tão generoso! Uma criança de seis anos poderia entender que é possível trabalhar no Partido Trabalhista e lutar contra Blair. Na verdade, o único meio de lutar efetivamente contra Blair é pela condução de uma luta no Partido Trabalhista e nos sindicatos que estão inseparavelmente ligados ao Partido Trabalhista. Esta é a única forma de construir uma tendência marxista viável na Grã Bretanha.
O argumento de que, trabalhando no Partido Trabalhista, nos desacreditaremos associando-nos com a ala traidora de direita não é novo. Este argumento já foi respondido por Lênin em seus debates com os "Comunistas de Esquerda" britânicos, como Willie Gallagher:
"O camarada Gallagher está errado em afirmar que, advogando a filiação ao Partido Trabalhista, repeliremos os melhores elementos entre os trabalhadores britânicos. Devemos verificar isto na prática. Estamos convencidos que todas as resoluções e decisões que serão adotadas por nosso Congresso serão publicadas em todos os jornais revolucionários socialistas britânicos e que todos os ramos e sessões estarão aptos a discuti-las.
"Todo o conteúdo de nossas resoluções mostra com cristalina claridade que somos os representantes das táticas revolucionárias da classe trabalhadora em todos os países e que nosso objetivo é o de lutar contra o velho reformismo e o oportunismo. Os acontecimentos revelam que nossas táticas estão de fato derrotando o velho reformismo" (Discurso sobre a filiação ao Partido Trabalhista Britânico, seis de agosto de 1920. Segundo Congresso da Internacional Comunista, 19 de julho - sete de agosto de 1920).
Quem quer que leia Socialist Appeal ou nosso endereço na web, www.marxist.com, não pode ter nenhuma dúvida de que defendemos o programa e a política do marxismo revolucionário, e que no Partido Trabalhista e nos sindicatos da Grã Bretanha nós estamos de fato "lutando contra o velho reformismo e o oportunismo". A despeito destes fatos óbvios, La Verité sente-se livre para repetir a escandalosa afirmação de que o Socialist Appeal britânico de alguma forma apóia Blair! Eles citam um artigo, Grã Bretanha: Blair deve ir embora, mas Brown não é melhor, escrito por Phil Mitchinson, e fazem o seguinte comentário:
"Portanto, coloca-se a questão: poderia o Partido Trabalhista afastar Blair o "privatizador", Blair o açougueiro do Iraque? O grupo Grant-Woods declara-se como ‘a fração marxista' no Partido Trabalhista. Então, qual é a sua posição? Em quatro de outubro de 2005, exatamente depois da celebração do congresso do partido, foi publicado um artigo sob o título ‘Blair deve ir embora'. Embora, depois, rapidamente declare ‘mas Brown não é melhor'. Além da substituição de Blair por outro indivíduo que ‘não é melhor', não há outros assuntos que preocupam os ativistas do Partido Trabalhista?".
Como interpretam os lambertistas o que dissemos? Eles dizem o seguinte:
"Qual deveria ser a conclusão? Que a remoção de Blair é impossível? Que, em qualquer caso, quem o substituir ‘não seria melhor'?".
Desde o início vemos o rude e desonesto método adotado pelo autor deste ataque. Tony Blair está acabado. Ele terá de abdicar como líder do Partido Trabalhista em alguns meses. Alguns dirigentes sindicais estão se preparando para apoiar Brown em sua tentativa de tornar-se o próximo dirigente do Partido Trabalhista. O propósito do artigo no Socialist Appeal foi o de combater as ilusões, que se estão disseminando dentro do movimento trabalhista britânico, de que Brown, por alguma razão, seria melhor do que Blair, quando, na realidade, ele tem servido lealmente os interesses do capital britânico como ministro da economia. Mais uma vez, La Verité inverte os fatos.
Nossos leitores podem ver o nosso artigo de outubro de 2005 por si mesmos, mas citaremos exatamente os últimos três parágrafos para deixar clara nossa posição:
"Deve-se fazer um desafio real à agenda Blair/Brown das grandes empresas em todos os níveis do movimento trabalhista. Não podemos esperar por mais dois, três ou quatro anos. Aqueles dirigentes sindicais que têm apoiado Brown devem despertar para a realidade. O sinal de alarme deve ser tocado para as fileiras. Se os sindicatos unirem seus recursos em apoio a um real candidato de esquerda, poderiam exercer uma grande influência. Nenhum apoio seria dado a qualquer candidato que não apóie a retirada das tropas do Iraque, que não se oponha às privatizações, que não apóie a renacionalização das ferrovias e que não suprima as leis antisindicais. Isto é o mínimo que se requer.
"Um candidato de esquerda como John McDonnel, por exemplo, mesmo que não ganhe a eleição à direção, poderia abrir a porta a um debate real sobre a necessidade de políticas socialistas.
"O processo de questionamento na sociedade, de mudanças nos sindicatos, que já começou, não desaparecerá. A tarefa dos socialistas e dos sindicatos não deve ser o de se agrupar em torno de qualquer candidato que possa vencer, independentemente de sua política, mas o de organizar em uma força real de mudança, o descontentamento, a busca, o aumento da militância na sociedade britânica. Mudanças dentro do movimento trabalhista e mudanças dentro do Partido Trabalhista, como passos em direção a mudança que realmente interessa - a transformação radical da sociedade".
Tendo começado com esta falsificação vulgar de nossa posição, o autor continua:
"Temos de esperar até 10 de novembro... para encontrar outro artigo nas publicações de Woods-Grant".
Nosso amável crítico sequer fez o seu trabalho adequadamente. Ele convenientemente ignora um outro artigo de Phil Mitchinson, "Guerra ao Terror" usada como desculpa para reduzir gradualmente as liberdades civis elementares na Grã Bretanha, publicado em 25 de outubro de 2005. Este artigo foi dedicado ao ataque de Blair às liberdades civis, e nossos leitores podem ver o texto em nosso endereço eletrônico.
O artigo de 10 de novembro, The last but one nail in Blair's coffin, é então citado numa renovada tentativa de provar que a tendência marxista na Grã Bretanha apóia Tony Blair. Como fazem isto? Através da má tradução de uma frase do inglês para o francês. No original inglês o artigo diz:
"This first parliamentary defeat for Blair may prove to be the penultimate nail in his coffin. When will he go? That question cannot be answered with any certainly. Not a day too soon, obviously". ("Esta primeira derrota parlamentar de Blair pode ser o penúltimo prego no seu caixão. Quando irá embora? A pergunta não pode ser respondida com certeza. Obviamente, quanto antes melhor").
Em inglês, a expressão "not a day too soon" significa "quanto mais cedo se vá, melhor". Mas, em francês, nosso autor lambertista traduziu "not a day too soon" como "pás de sitôt, de tout evidence". Isto significa "não tão cedo, obviamente". Qualquer leitor francês poderia concluir disto que a posição do Socialist Appeal britânico é que Blair não deve ir embora tão cedo. A tradução real para o francês teria sido "pás (um jour) trop tôt", ou "il est grand temps" (já é hora!), isto é, já deveria ter acontecido antes.
Não satisfeito em adulterar a tradução, os lambertistas em seguida adicionam a sua própria versão e dizem:
"Temos aqui, então, a mensagem que esta fração ‘marxista' endereça aos ativistas do Partido Trabalhista e aos sindicatos, ‘Blair ne peut pás, ne doit pas partir'". Isto significa: "Blair não pode e não deve ir embora".
Isto é exatamente o oposto da posição defendida em cada um dos artigos que têm aparecido no Socialist Appeal sobre este assunto. Se isto é uma brincadeira, é de muito mau gosto. Nem mesmo nossos mais implacáveis opositores na Grã Bretanha (e temos alguns) nos acusaram de apoiar Blair. Nosso amável crítico lambertista o faz sem vacilar - e sem mesmo um sorriso! Para esclarecer o tema, citaremos adiante dois parágrafos do mesmo artigo de 10 de novembro:
"A derrota de Blair ontem torna a queda do blairismo mais próxima e, portanto, é bem vinda. Contudo, isto está longe do final do assunto; pelo contrário, é somente o início. Um novo capítulo foi aberto na luta pelo Partido Trabalhista. Rebeliões parlamentares podem desempenhar um importante papel no processo, particularmente se estão ligadas à luta do restante do movimento trabalhista. Esta luta não pode ter como objetivo a simples ambição de substituir Blair por Brown, ou algum outro clone, tem de mirar mais alto. O objetivo deve ser o de recuperar o Trabalhismo para a classe trabalhadora, e o de lutar por políticas socialistas".
E continua:
"Há somente uma força que pode derrotar Blair - as fileiras dos sindicatos e do partido. Não é exatamente pelo voto nas câmaras parlamentares, mas dentro do movimento trabalhista que Blair e companhia devem ser derrotados. O que se necessita agora é de uma combativa defesa sindical de empregos e pensões combinada com uma luta contra os "blairistas", em defesa das liberdades civis e por políticas socialistas dentro do trabalhismo".
Ao tratar da posição de nossos camaradas britânicos do Socialist Appeal, vale a pena oferecer uma lista de alguns dos artigos oferecidos em seu jornal durante o último período:
Edição 119, de fevereiro de 2004: "Lies on Iraq, lies on fees... Make Blair Pay".
Edição 126, de abril de 2005: "Troops out of Iraq. No to Blairism! Fight for Socialist policies!".
Edição 131, de abril de 2005: "Don't let the Tories in... and kick them out of Labour".
Edição 133, de junho de 2005: "Unions must drive Blarism out".
Edição 141, de abril de 2006: "Lies, deceit, corruption... Blair must GO!".
Edição 143, de junho de 2006: "Ditch Blairism now".
Edição 144, de julho/agosto de 2006: "Left Must Challenge Blair and Brown".
Edição 145, de setembro de 2006: "Labour needs Socialism Not Blairism".
Estas são as nossas manchetes de primeira página. Acreditamos que elas falam por si mesmas.
A União Européia
Depois de falsificar a nossa posição sobre a Grã Bretanha, passaram a fazer o mesmo com nossas posições sobre a União Européia. Novamente eles tentaram apresentar o oposto do que defendemos. O que supostamente defendemos? Absolutamente nada. Eles afirmam que somos indiferentes a esta questão. Sim! Somos tão indiferentes que escrevemos um longo documento sobre isto, quase um pequeno livro. Este foi escrito por Alan Woods em junho de 1997 e se intitula A Socialist Alternative to the European Union. Eles extraem citações deste documento com sua habitual maneira de selecionar:
"Não estamos nem a favor nem contra a retirada da UE sobre a base do capitalismo. Os interesses da classe trabalhadora não [estão] representados em nenhum dos casos... Não obstante, não deveríamos cair em ilusões, como fazem os esquerdistas, de que as medidas de austeridade são simplesmente conseqüências de Maastricht. Maastricht é usado como desculpa ou como cortina de fumaça para os cortes e ataques que se estão produzindo por toda a Europa. Estes ataques se produziriam igualmente com ou sem Maastricht".
A isto, acrescentam sua própria tradução (e já vemos que são excelentes tradutores):
"Tradução: como o socialismo não se realizou, a política e as instituições da União Européia são questões indiferentes para a classe trabalhadora da Europa. Mas, em que planeta vivem os nossos grandes ‘revolucionários'?".
Acreditamos viver sobre um planeta chamado terra, onde como regra as leis da lógica se aplicam em debates normais. Mas que espécie de debate é este, quando se falsificam sistematicamente os argumentos do oponente? Mais uma vez, o método utilizado é desonesto, ao eliminar o que não se adapta às idéias pré-concebidas do autor. Isto é tipicamente um método estalinista que não tem nada a ver com as tradições honestas e democráticas do movimento trotskista.
Para esclarecer o que foi dito naquele artigo, em vez de tirar citações fora do contexto, dispensemos os amáveis serviços de nosso "tradutor" e permitamos ao autor falar por si mesmo. As citações seguintes fornecem a posição real de nossa tendência sobre a União Européia. Nós sublinhamos o extrato que eles citaram fora do contexto e em todas as citações posteriores usaremos o mesmo método de sublinhar o que eles citam fora do contexto:
"Nossa posição sobre a UE é semelhante à posição de Marx na controvérsia sobre livre mercado ou protecionismo de seu tempo. Ele explicou que os interesses da classe trabalhadora não são nem pelo livre comércio nem pelo protecionismo, mas pelo socialismo internacional. [Explicou] que o debate sobre livre comércio refletia os interesses de diferentes setores da classe dominante. Isto era uma armadilha para favorecer os dois lados na disputa, e o movimento dos trabalhadores tinha de adotar uma posição política independente. Nós também. Não somos nem a favor nem contra a retirada da União Européia sobre as bases do capitalismo. Os interesses da classe trabalhadora não estão representados neste caso".
E, mais uma vez:
"A União Européia é nada mais que um clube capitalista, uma glorificada união aduaneira, estabelecida para promover os interesses dos grandes monopólios europeus. Ela nada tem em comum com os interesses da classe trabalhadora. Este é o nosso ponto de partida. Nossa oposição à UE é exatamente a mesma que temos ao capitalismo ou ao capitalismo em geral. Temos uma posição de classe claramente independente. A única alternativa à União Européia capitalista é os Estados Unidos Socialistas da Europa.
"Esta é a nossa posição geral. Contudo, é necessário ligar as demandas gerais ao programa concreto de luta contra todas as tentativas de colocar o peso da crise do capitalismo sobre os ombros da classe trabalhadora, dos idosos, dos desempregados, dos doentes, das mulheres e da juventude. Há uma oposição crescente no movimento trabalhista, particularmente na esquerda, contra os critérios de Maastricht para a união monetária. Nós nos opomos a Maastricht, como nos opusemos a todas as medidas capitalistas contra a classe trabalhadora. Não obstante, não devemos cair na ilusão, como o fazem os esquerdistas, de que as medidas de austeridade são simplesmente devidas a Maastricht. Maastricht é usado como uma desculpa ou cortina de fumaça para os cortes e ataques que estão tendo lugar através da Europa. Estes ataques teriam lugar com ou sem Maastricht. De acordo com o direitista Economist, "os custos do trabalho estão demasiado altos". Eles devem ser reduzidos para colocar o capitalismo europeu sobre seus pés. Esta situação deriva da crise do próprio capitalismo. Esta é a razão porque as medidas de austeridade estão sendo implantadas simultaneamente através do mundo capitalista, da Europa ao Japão e aos EUA.
"A despeito de todas as contradições, as principais potências capitalistas na Europa, particularmente a Alemanha e a França, estão determinadas a impor o Euro. O plano é o de introduzi-la no início de 1999. Mas isto pode ser facilmente afastado naturalmente com o advento de uma nova recessão mundial. Qual é o nosso ponto de vista sobre o Euro? Primeiramente, não podemos considerá-lo no abstrato. Quem o está introduzindo e por que está sendo introduzido? Sob o capitalismo, temos de nos opor à introdução de uma moeda única, que será utilizada para reduzir os níveis de vida. Obviamente, numa Europa socialista, uma moeda comum seria introduzida para facilitar o planejamento e o intercâmbio. Mas, sob o capitalismo, a questão é diferente. A moeda única não é um tema abstrato: temos de considerar concretamente como será utilizada a sua implantação para levar adiante ataques contra as condições de vida etc. Em outras palavras, temos de extrair todas as implicações e conseqüências de uma moeda única capitalista para a classe trabalhadora. Em qualquer referendo, pediríamos o "não" e contraporíamos o argumento de uma Europa socialista".
Aqui, o método de citação utilizado por nosso amável crítico revela-se em toda a sua glória. Omite de maneira conveniente a frase que diz: "Estávamos contra Maastricht porque nos opomos a todas as medidas capitalistas prejudiciais à classe trabalhadora". Por que fez isto? Porque isto nega totalmente o seu argumento de que somos "indiferentes ao Tratado de Maastricht".
Há uma nova tentativa de apresentar a nossa posição como a de alguém que vê a UE como algo progressista. Citam o nosso artigo: La débâcle de Constitución Europea. La naturaleza real de la Unión Europea al descubierto, escrito por Roberto Sarti e Fred Weston em dezembro de 2003:
"Maastricht, o Euro e todos os outros acordos tiveram o resultado de internacionalizar a luta de classes dentro das fronteiras da UE. Em todos os lugares, os trabalhadores estão enfrentando as mesmas políticas. Em todos os lugares, as pensões, os benefícios do estado do bem estar social, a educação, o transporte público, tudo se encontra sob ataque. E, em todos os lugares, vemos greves e manifestações contra estas medidas, desde a Áustria à Grécia, da Itália à Espanha. Nenhum país está imune a este processo".
Este parágrafo inteiro diz algo que é bastante óbvio para qualquer observador inteligente. Como o acordo de Maastricht implica na aplicação dos mesmos recortes no gasto social para toda a UE, os mesmos ataques às pensões e à educação etc., isto provoca uma reação semelhante em todos os estados membros. Os trabalhadores da Europa mobilizam-se contra estes ataques. Não podemos entender onde está equivocada esta declaração tão óbvia. Qual é a sua objeção? Tentam ridicularizar a nossa declaração dizendo: "Portanto, a União Européia é um motor que impulsiona a luta de classes...". Isto é tão ridículo quanto alguém dizer que a existência do capitalismo impulsiona a luta de classes e depois ser atacado por ter ilusões no capitalismo! Eles regressam mais uma vez ao artigo de Alan Woods: Uma alternativa socialista à União Européia, de onde citam o seguinte:
"Os mercados nacionais separados da Grã Bretanha, França, Alemanha e os demais países do velho continente eram demasiadamente pequenos para os monopólios. O Mercado Comum foi criado para tentar superar essa limitação. Os grandes monopólios esperavam com ilusão um mercado regional ilimitado de centenas de milhões de consumidores e, além disto, o mercado mundial. Devido ao auge econômico, os capitalistas europeus tiveram em grande parte êxito nessa glorificada união aduaneira, onde a abolição das tarifas entre os países do Mercado Comum e a introdução de uma tarifa comum com o resto do mundo serviram para estimular e desenvolver o comércio mundial".
Mais uma vez cometem um erro de tradução. Em francês, em lugar de "glorificada união aduaneira", encontramo-nos com "glorieuse union douanière", isto é, "gloriosa união aduaneira". A diferença é evidente para quem desejar entender. A primeira interpretação errada (sobre Blair) poderia ser aceita como um erro, mas agora isto parece ser um padrão. Por que se preocupar em traduzir o que se diz realmente, quando se pode transformar o significado em seu contrário, com o objetivo de polemizar?
Em qualquer caso, uma citação mais longa do artigo situa-nos no contexto adequado:
"O mercado comum foi criado numa tentativa da burguesia européia de superar a estreiteza do Estado nacional, com seus respectivos mercados nacionais limitados. Historicamente, o Estado nacional desempenhou um papel essencial no desenvolvimento do capitalismo, ao proteger e desenvolver o mercado nacional. Contudo, com a divisão internacional do trabalho e o desenvolvimento das comunicações, da técnica, da ciência, das companhias multinacionais e do mercado mundial, as forças produtivas entraram em conflito com a limitação das fronteiras do Estado nacional, assim como com a propriedade privada dos meios de produção. Esta contradição se refletiu nas guerras mundiais de 1914-18 e 1939-45 e a crise do período compreendido entre ambas.
"O desenvolvimento do comércio mundial no pós-guerra permitiu ao sistema capitalista superar esta contradição de forma parcial e temporária. Os mercados nacionais separados da Grã Bretanha, França, Alemanha e os demais países do velho continente eram demasiadamente pequenos para os monopólios. O Mercado Comum foi criado para tentar superar essa limitação. Os grandes monopólios esperavam com ilusão um mercado regional ilimitado de centenas de milhões de consumidores e, além disto, o mercado mundial. Devido ao auge econômico, os capitalistas europeus tiveram em grande parte êxito nessa glorificada união aduaneira, onde a abolição das tarifas entre os países do Mercado Comum e uma tarifa comum com o resto do mundo serviu para estimular e desenvolver o comércio mundial".
Mais uma vez nosso crítico comete o pecado de omissão. Como se pode ver em sua citação, desaparece uma frase fundamentalmente importante: "O desenvolvimento do comércio mundial no pós-guerra permitiu ao sistema capitalista superar esta contradição de forma parcial e temporária" (a ênfase é minha).
Nunca dissemos que o capitalismo tem sido capaz de resolver suas contradições fundamentais. A União Européia era uma tentativa dos capitalistas de contornar o obstáculo fundamental do Estado nacional através da construção de um mercado maior, mas, como explicamos sistematicamente em todos os nossos artigos sobre esta questão, eles não podem eliminar totalmente os Estados nacionais, nem conseguir uma verdadeira unificação da UE em um só Estado. Simplesmente assinalamos que, sobre a base do boom do pós-guerra, eles foram capazes de superar "de forma parcial e temporária" algumas das contradições básicas. Não é preciso muito esforço de compreensão para se entender que, se o capitalismo passa através de seu boom mais longo e forte da história, teria mais margens de manobra para as diferentes classes capitalistas nacionais. Isto não implica, de forma alguma, que se tenha produzido uma mudança fundamental do sistema. As mesmas leis que foram estabelecidas por Marx continuam funcionando, e, inevitavelmente, em alguma etapa, o sistema entrará em crise severa.
Depois de Alan Woods, é a vez de Maarten Vanheuverswyn ver como são retiradas do contexto citações de seu artigo, para dessa forma se demonstrar o contrário do que realmente está dizendo. Em seu artigo, La Unión Europea se enfrenta a la crisis más profunda de su historia, escrito em junho de 2005, mais uma vez eliminam convenientemente elementos que contradiziram as tentativas de distorção do autor lambertista. Aqui, o que temos é uma tentativa de apresentar nossa posição como se fosse de apoio à União Européia. Eles citam o seguinte:
"Embora a ampla análise elaborada pelos marxistas tenha demonstrado ser correta (como o revela a atual crise), a expansão da União Européia dos seis países originais a 25, e a integração de suas economias foi mais além do que antecipamos originalmente. Isto se deve, principalmente, ao desenvolvimento do comércio mundial e ao auge geral do capitalismo mundial no período de 1948-74, de que todos se beneficiaram.
"Tudo isto se baseou numa alta taxa de crescimento econômico. Isto possibilitou um desenvolvimento significativo das forças produtivas durante um tempo. Neste contexto, a maior integração das economias das principais potências européias interessava a todas elas".
Já deixamos clara a nossa posição sobre a UE. Mas, novamente acrescentam o seu próprio comentário na citação anterior, para distorcer ainda mais o que dissemos. Eles dizem o seguinte:
"Sim, vocês leram corretamente. Essa tendência pretende que a União Européia tem sido um instrumento para o desenvolvimento das forças produtivas, e que tem estimulado o desenvolvimento do comércio mundial! E, além disto, que a criação deste ‘mercado comum' tem permitido a unificação das lutas dos trabalhadores através da Europa.
"Se isto corresponde aos fatos, então, na realidade, como o fazem os senhores Woods e Grant, teríamos de apoiar de uma forma apenas crítica a União Européia, a unificação dos mercados nacionais em mercados mais amplos, já que o regime de propriedade privada dos meios de produção permite o desenvolvimento das forças produtivas e, em particular e principalmente, a classe trabalhadora. Mas, em que mundo vivemos?".
Não sabemos em que mundo eles vivem, exceto que deve ser um mundo onde a distorção e as mentiras são aparentemente métodos aceitáveis na discussão de idéias políticas. Aqui, realizam um rápido jogo de mãos como um mágico, confundindo uma coisa com outra e fazendo desaparecer outras coisas. Ignoram o fato de que o companheiro Vanheuverswyn faz referência especificamente ao período de 1948-1974, esse período da história que viu o maior desenvolvimento das forças produtivas em escala mundial, não somente na história do capitalismo, mas em toda a história da humanidade. Foi este poderoso desenvolvimento que colocou as bases para o êxito parcial em conseguir a integração econômica dentro das fronteiras da União Européia.
É verdade que, desde 1974, a taxa de crescimento foi reduzida significativamente e que, nos últimos anos, foi estancada. Sobre esta base, as contradições nacionais entre os estados membros da UE estão agora aumentando. As tentativas de impor a Constituição Européia fracassaram. Tudo isto é conseqüência da crise do sistema em seu conjunto. Mas negar que houve crescimento é o mesmo que dar as costas à realidade.
A palavra de ordem dos Estados Unidos da Europa
Quando se trata da questão da União Européia, é necessário partir do fundamental. Já no O Manifesto Comunista, Marx e Engels explicavam que o capitalismo desenvolve um mercado mundial. O atual fenômeno da globalização já foi antecipado nas páginas de O Manifesto Comunista. A manifestação mais importante da época atual é o esmagador domínio do mercado mundial que se abriu sob os pés dos velhos estados nacionais.
A crise da humanidade representa o fato de que o capitalismo já não é capaz de desenvolver as forças produtivas como fez no passado. As principais barreiras ao desenvolvimento das forças produtivas em escala mundial são, de um lado, a propriedade privada dos meios de produção, e, de outro, o estado nacional. A tarefa da revolução socialista é a de eliminar estas barreiras e eliminar o estado nacional, estabelecendo o socialismo mundial.
A UE era a admissão tácita, por parte da burguesia européia, de que o crescimento das forças produtivas tinha superado os estreitos limites do estado nacional, particularmente os estados europeus que se encontravam comprimidos entre o poder do imperialismo americano, por um lado, e pela Rússia estalinista, por outro. Eles tentaram formar um bloco comercial que compensasse a sua debilidade. A idéia original do imperialismo francês era a de que ele dominasse a Europa, com a Alemanha como sócio de segunda categoria, mas não aconteceu assim. Isto é explicado por Alan Woods em Uma Alternativa Socialista para a União Européia.
A idéia de que a Europa poderia ser unificada sob o capitalismo é, como explicou Lênin, uma utopia reacionária. É reacionária porque representaria outro bloco imperialista. É utópica porque a burguesia é incapaz de unificar a Europa. As contradições nacionais são demasiadamente fortes para permitir a unificação da Europa, que seria um acontecimento progressista. Mas isso somente é possível mediante a expropriação dos bancos e dos monopólios. Somente a classe trabalhadora pode levar à prática a unificação da Europa por meios revolucionários. A palavra de ordem dos Estados Unidos Socialistas da Europa (e uma Federação Socialista da América Latina) é um reflexo deste fato.
Em Uma Alternativa Socialista para a União Européia, lemos:
"Há cem anos, Karl Marx explicava que, na luta entre os liberais e os conservadores sobre livre comércio ou protecionismo, a classe trabalhadora tinha de manter uma posição independente. Não devia ficar a favor de nenhuma das duas, porque era simplesmente uma luta entre diferentes setores da burguesia, em que os trabalhadores não tinham nenhum interesse.
"O atual debate sobre a UE tem uma notável semelhança com essa controvérsia. Então como agora, há uma notável diferença de opinião entre vários setores da classe capitalista britânica. A aristocracia agrária, para sua própria conveniência, defendia o protecionismo, enquanto a burguesia industrial, defendendo também seus próprios interesses, era partidária do livre comércio. As débeis burguesias da França e da Alemanha estavam a favor do protecionismo. No curso dessa luta, que se converteu em extremamente acalorada, os setores rivais da classe dominante tentaram conseguir o apoio da classe trabalhadora. Qual foi a posição de Marx e Engels? Adotaram uma firme posição de independência de classe e aconselharam os trabalhadores a negar o apoio a qualquer dos dois lados. Isto sucedeu, apesar de que, abstratamente, poder-se-ia argumentar que o livre comércio era mais progressista que o protecionismo. Contudo, questões desta natureza nunca podem ser colocadas em abstrato. É necessário colocar a questão de maneira concreta, isto é, a partir de um ponto de vista de classe. E está claro que os interesses da classe trabalhadora não passam por nenhuma dessas políticas. Somente uma política socialista pode servir aos interesses da classe trabalhadora. Isto continua sendo aplicável tanto hoje quanto há 150 anos, quando Marx escreveu o seu discurso sobre o livre comércio. Pode ser que hoje as questões sejam algo diferentes, mas os princípios são idênticos".
Nossos críticos sacam do contexto, novamente, uma citação de Alan Woods:
"Que futuro teria isolados pequenos países como a Grã Bretanha, a França ou inclusive a Alemanha? A idéia de combinar os recursos econômicos da Europa e do conjunto do mundo é uma meta progressista que representa a única saída séria à atual crise da humanidade. Os dois principais obstáculos que estão impedindo um maior desenvolvimento da indústria, da agricultura, da ciência e da técnica mundiais são a propriedade privada dos meios de produção e o Estado nacional".
Omitindo-se o que vem antes e depois desta citação, o leitor fica com a impressão de que acreditamos que a UE é de algum modo progressista. Isso é totalmente falso. É o mesmo método estalinista de citar de forma seletiva. Se reproduzirmos a citação em sua totalidade, demonstra-se precisamente o contrário do que pretendem os lambertistas:
"A oposição à Europa dos monopólios não significa que devamos apoiar a ‘independência nacional' defendida pelos eurocéticos. A política de autosuficiência nacional (autarquia) fracassou em todos os lugares onde foi posta em prática, e ainda mais na época moderna, onde tudo se decide na economia mundial. A tentativa de construir o ‘socialismo em um só país' levou ao desastre na Rússia e na China, embora ambos possuam poderosas economias baseadas nos recursos de subcontinentes. Que futuro teriam isolados pequenos países como a Grã Bretanha, a França ou inclusive a Alemanha? A idéia de combinar os recursos econômicos da Europa e do conjunto do mundo é uma meta progressista que representa a única saída séria à atual crise da humanidade. Os dois principais obstáculos que estão impedindo um maior desenvolvimento da indústria, da agricultura, da ciência e da técnica mundiais são a propriedade privada dos meios de produção e o Estado nacional. Somente eliminando estes obstáculos pode a sociedade se liberar das algemas que freiam seu desenvolvimento. Desta maneira, a alternativa real à UE capitalista não é a ‘independência nacional', mas os Estados Unidos Socialistas da Europa.
"Como Lênin explicou há tempos é impossível uma Europa autenticamente unida sob o capitalismo. Os interesses nacionais separados de cada classe capitalista estão aí. Em qualquer caso, as propostas da UE e de Maastricht estão muito longe disto. Mas, inclusive se fosse possível de conseguir, seria totalmente reacionária, uma vez que somente se poderia chegar a ela através dos meios mais brutais. Hitler tentou através da conquista militar".
Mas troquemos de argumento por um momento. Vejamos que posição adotam os lambertistas sobre a UE. Por razões somente conhecidas por eles mesmos, os lambertistas fizeram da UE um fetiche, que consideram a origem e a causa de todos os nossos problemas.
Eles lançam um desafio peremptório a todos: a favor ou contra a UE! Diante disso, encolhemos os ombros e respondemos: contra. Contudo, a resposta absolutamente não esgota o assunto. É necessário dizer por que nos opomos, de que ponto de vista de classe, e o que propomos em seu lugar.
Que é necessário se opor à UE capitalista é evidente por si próprio. Mas é possível se opor à UE a partir de muitos pontos de vista diferentes, e nem todos progressistas. Em cada país europeu, os reacionários de extrema direita também se opõem à UE. Em cada campanha e referendo sobre esta questão, estes elementos levantam a cabeça: fascistas, xenófobos, racistas e chauvinistas reacionários, como Le Pen, Haider e a ala direita do Partido Tory britânico. Sim, estes elementos estão decididamente contra Maastricht e todas as suas obras. Mas o fazem a partir do ponto de vista dos setores mais reacionários das classes dominantes.
Quando os lambertistas nos acusam de ser "indiferentes" ante a UE, o que querem dizer? Que a ignoramos? Mas simplesmente não é este o caso; nós temos uma posição muito clara sobre esta questão. Então, que estamos a favor da UE? Este argumento tem tanta validade como o de que estamos a "favor de Tony Blair", isto é, nenhuma em absoluto. Mas isto não detém os nossos amigos do outro lado do Canal da Mancha de dizer o que queiram. Como dizem os jornalistas da imprensa marrom: "Por que deixar que os fatos arruínem uma boa história?". Não, o que eles querem dizer é que os verdadeiros trotskistas da CMI estão contra a UE e a favor dos Estados Unidos Socialistas da Europa. Isto era bom para Trotsky e é bom para nós. Mas, pelo que parece, não é suficientemente bom para Lambert e Gluckstein.
O marxismo não tem nada em comum com o nacionalismo nem com o chauvinismo. Não se deve fazer nenhum tipo de concessão a este veneno que pode desorientar a classe trabalhadora, baixar sua consciência de classe e fomentar ilusões em idéias como a "soberania nacional". Os reformistas de esquerda e os estalinistas têm uma posição equivocada sobre isto e, inclusive, fazem concessões à direita sobre a chamada defesa da soberania, que é uma abominação total a partir do ponto de vista do marxismo e do leninismo, e, sobretudo, do trotskismo. Seria algo agradável pensar que nosso cordial crítico fosse capaz de compreender pelo menos algo disto. Desgraçadamente, nossa experiência não nos dá muita margem para o otimismo sobre esta suposição.
Em todo o seu material escrito eles colocam uma ênfase enorme na defesa da soberania nacional contra a União Européia. Agora, pelo que sabemos a França não é um país colonial lutando por sua independência nacional. Pelo contrário, a França é uma nação imperialista que explora as suas antigas colônias do norte da África, África e Caribe. As palavras de ordem da democracia burguesa na França perderam todo o seu significado progressista há muito tempo, aproximadamente 210 anos para sermos exatos.
A palavra de ordem de soberania nacional tinha um conteúdo progressista, na realidade revolucionário, no período em que a França revolucionária estava lutando por sua sobrevivência contra a Grã Bretanha, Áustria e Prússia. Mas, em 1870, já se tinha convertido em uma palavra de ordem reacionária e, em 1914, foi denunciada por Lênin como uma traição à classe trabalhadora internacional. Tentar recuperá-la agora, na época da decadência imperialista, inclusive indiretamente, é uma traição total aos princípios mais elementares de Lênin e Trotsky, e um abandono total do internacionalismo proletário.
Os lambertistas na França na verdade lançam todos os males do capitalismo sobre o acordo de Maastricht [para ler mais sobre isto, ver a seção dedicada à França, mais adiante]. Isso é totalmente incorreto. Qualquer idéia de que a burguesia francesa de alguma forma é melhor que a burguesia "européia", ou que a situação da classe trabalhadora francesa estaria melhor abandonando a UE e fosse independente (qualquer que seja o seu significado hoje) é totalmente falsa. Adotar esta posição seria equivalente ao abandono de um ponto de vista de classe.
Disto se poderia chegar à conclusão que a burguesia francesa ou a britânica, ou qualquer burguesia nacional da Europa, não atacaria as conquistas da classe trabalhadora em seus próprios países, se não estivéssemos na União Européia! Mas estes ataques estão ditados pelas necessidades do capitalismo atual, com ou sem Maastricht. A questão é romper com o argumento vão sobre se deveríamos estar ou não na UE e colocar uma alternativa independente da classe trabalhadora. Isto nós o fazemos claramente em todo nosso material.
Que podem responder nossos amigos lambertistas a isto? Talvez nos acusem de não sermos suficientemente "concretos" em nossa oposição à UE capitalista. "Está muito bem defender o socialismo, mas primeiro devemos fazer "A", "B" ou "C". Por exemplo, primeiro devemos nos retirar da UE e depois poderemos falar de socialismo". Bem, estamos acostumados com estes argumentos dos reformistas de esquerda e dos estalinistas, cujas soluções "práticas" invariavelmente implicam em rendição à burguesia. A teoria menchevique-estalinista das etapas apresenta-se constantemente com diferentes disfarces, sempre como uma alternativa "concreta" e "prática" ao socialismo.
Talvez nosso crítico amigo responda que não é suficiente simplesmente defender o socialismo, que é necessário lutar por todo tipo de demandas transitórias, incluídas as demandas democráticas. Seríamos os últimos em estar em desacordo com isto. Na época da decadência imperialista é necessário lutar por cada reforma significativa e demanda democrática na medida em que estas mantenham sua validade. Isto incluiria a defesa das nações oprimidas para que possam decidir seus próprios assuntos sem a interferência do imperialismo. Quando os iraquianos ou os venezuelanos exigem este direito, devemos defendê-lo. Mas isto categoricamente não se aplica aos "direitos nacionais" das nações imperialistas como a França ou a Grã Bretanha.
A CMI adota uma posição de classe independente sobre a questão da União Européia. Não apoiamos a UE, mas tampouco apoiamos uma posição nacionalista, que é a que sempre têm os reformistas de esquerda e os estalinistas quando se opõem à associação na União Européia. Preferimos recorrer ao método de Marx e explicar que, dentro ou fora da União Européia, na medida em que o capitalismo exista, não haverá diferença fundamental no que concerne à classe trabalhadora. O que faz falta não é confundir a classe trabalhadora com a demagogia nacionalista, mas lutar pelo socialismo e colocar a reivindicação dos Estados Unidos Socialistas da Europa, como a única alternativa real à Europa dos monopólios.
França
Nossos amigos lambertistas dedicam parte significativa de seu texto para atacar a política do jornal marxista e da web La Riposte. Mas uma vez mais não atacam as idéias reais e a política destes companheiros, e sim uma flagrante distorção delas. Para começar, colocam a questão da valorização do governo Jospin (1997-2002) no texto publicado por La Riposte sob o seguinte título, PCF: programa, estratégia e participação no governo:
"Se, ‘em todas as questões fundamentais, a política aplicada por Jospin se baseou na defesa dos interesses capitalistas', La Riposte aponta apesar de tudo que ‘as poucas medidas positivas de seu governo, como a CMU e a lei das 35 horas semanais, não impediram o declínio geral das condições de vida da maioria da população'".
A isto se segue uma nova nota de La Riposte:
"Na política aplicada pela ‘esquerda plural' desde 1997, tudo não foi negativo. Apesar de seus limites, os emplois jeunes [empregos juvenis] foram um passo a frente. Como foi a CMU. Apesar disso, tomada em seu conjunto, a política posta em prática pelo governo foi uma mistura de remendos e reformas sociais insuficientes, por um lado, e contra-reformas reacionárias tomadas diretamente do ‘plano' Alain Juppé, por outro".
Com isto, parece que deveria ficar claro. Mas nossos críticos então dizem: "Tomemos as principais medidas que La Riposte considera como ‘positivas'", e continuam explicando os aspectos defeituosos e inaceitáveis destas diferentes medidas, como o fato de que a introdução da jornada de trabalho de 35 horas fosse acompanhada frequentemente pela anualização das horas de trabalho e pelas ajudas aos empresários, ou que os emplois jeunes se limitaram a contratos de tempo limitado (até cinco anos) que, com freqüência, serviam para substituir os trabalhadores fixos. Mas claramente isto é exatamente ao que faz referência La Riposte quando diz que estas reformas eram "remendadas e insuficientes".
Realmente, é tão difícil de entender? Já que nossos críticos lambertista parecem não entender a relação entre marxismo e reformas, citemos Lênin sobre este aspecto. Em seu artigo Marxismo e reformismo, escrito em 12 de setembro de 1913, Lênin explica a diferença entre marxismo e reformismo:
"Diferentemente dos anarquistas, os marxistas admitem a luta pelas reformas, isto é, pelas medidas que melhoram as condições da classe trabalhadora e que não destroem o poder da classe dominante. Ao mesmo tempo, contudo, os marxistas combatem com a maior energia os reformistas, os quais restringem direta ou indiretamente os anseios e a atividade da classe trabalhadora às reformas. O reformismo é uma maneira que a burguesia tem de enganar os trabalhadores, que continuarão sendo escravos assalariados, apesar de algumas melhorias isoladas, enquanto subsistir o domínio do capital.
"Quando a burguesia liberal concede reformas com uma mão, sempre as retira com a outra, reduzem-na a nada ou as utiliza para subjugar os trabalhadores, para dividi-los em grupos, para eternizar a escravidão assalariada dos trabalhadores. Por isso, o reformismo, inclusive quando é totalmente sincero, se transforma de fato num instrumento da burguesia para corromper os trabalhadores e reduzi-los à impotência. A experiência de todos os países mostra que os trabalhadores saíram burlados sempre que confiaram nos reformistas.
"Pelo contrário, os trabalhadores que assimilaram a doutrina de Marx, ou seja, que compreenderam que a escravidão assalariada é inevitável enquanto perdurar o domínio do capital, não se deixarão enganar por nenhuma reforma burguesa. Compreendendo que, enquanto durar o capitalismo, as reformas não podem ser sólidas nem importantes, os trabalhadores lutarão para obter melhorias e as utilizarão para continuar lutando, mais intensamente, contra a escravidão assalariada. Os reformistas pretendem dividir e enganar os trabalhadores com algumas migalhas, com a intenção de separá-los da luta de classe. Os trabalhadores, que compreenderam a falsidade do reformismo, utilizam as reformas para desenvolver e ampliar sua luta de classe.
"Quanto mais forte é a influência dos reformistas entre os trabalhadores, mais fracos estes são; mais forte é sua dependência da burguesia e mais fácil é para esta anular as reformas através de vários subterfúgios. Quanto mais independente e profundo é o movimento dos trabalhadores, quanto mais amplo em suas finalidades, mais desembaraçado se vê da estreiteza do reformismo e com mais facilidade conseguem os trabalhadores assegurar e utilizar certas melhorias" (Lênin, Obras Completas. Vol. 13. pp. 372-75. Na edição inglesa).
Com que clareza explicava Lênin esta questão! Poder-se-ia aplicar esta citação precisamente à situação na França. A classe trabalhadora sempre lutará pelas reformas, pelos aumentos salariais e por outras reivindicações parciais, "pelas medidas que melhoram as condições da classe trabalhadora e que não destroem o poder da classe dominante", nas palavras de Lênin. Na realidade, sem a luta quotidiana para avançar sob o capitalismo, a revolução socialista seria impossível. Nossa diferença com os reformistas não é porque eles defendem as reformas, mas porque eles não lutam de maneira decidida pelas reformas, porque eles capitulam diante da burguesia, porque chegam a compromissos e terminam aplicando uma política de contra-reformas.
A questão é que nas condições atuais sob o capitalismo não é possível nenhuma reforma significativa ou duradoura. Por todos os lados, a burguesia está marcha atrás nas concessões que deu no passado sob a pressão da classe trabalhadora e de suas organizações. O estado do bem estar social está sendo minado e destruído. O único caminho para defender as conquistas do passado é através da luta total contra a burguesia e isso, inevitavelmente, colocaria a questão do poder. Isto é evidente para qualquer marxista. Mas isso significa que a luta pelas reformas não seja mais necessária? Essa conclusão seria um completo erro e serviria para isolar os marxistas da classe trabalhadora, que entende a necessidade de lutar pela defesa dos salários e das condições diante das depredações do Capital.
Os lambertistas estão indignados porque La Riposte apoiou a reivindicação das 35 horas semanais e outras reformas. Consideram que estas reformas nada tinham de positivo e que, na realidade, eram contra-reformas reacionárias. Se fosse este o caso, deveríamos explicar porque os partidos da direita, no início, tentaram abolir completamente a lei que introduzia a jornada de 35 horas semanais. Também deveríamos explicar porque o movimento dos trabalhadores na França lutou contra isto, obrigando à direita a dar marcha atrás neste tema, limitando-se a várias emendas reacionárias.
O mesmo se aplica à CMU, que oferece um nível mínimo de cobertura médica a setores da população que não dispunham disso antes da medida. A CMU não vai suficientemente longe, é claro! Os companheiros a caracterizam como "remendada e insuficiente", mas, apesar disto, é um passo adiante e há que se opor energicamente a qualquer tentativa da burguesia de eliminá-la, como corretamente se fez com a oposição à eliminação dos "empregos juvenis", apesar de suas deficiências, com o governo Raffarin.
Os marxistas sempre defenderam inclusive a menor reforma que tende a melhorar as condições dos trabalhadores e da juventude, enquanto que, ao mesmo tempo, explicam que a única forma de garantir uma melhoria duradoura dos níveis de vida é através da transformação socialista da sociedade. Quem não estiver preparado para defender o terreno conquistado pela classe trabalhadora no passado, nunca será capaz de dirigi-la à tomada do poder no futuro. Tudo isto é o ABC para um marxista, mas é um livro fechado sob sete chaves para os confusos sectários.
La Riposte e o PCF
Nossos críticos ocupam-se depois da questão da atitude de La Riposte com relação à participação do Partido Comunista Francês (PCF) num futuro governo de esquerda, onde o Partido Socialista (PS) teria a maioria. Eles citam a resposta de La Riposte a esta questão: "Deveria o PCF aceitar participar no governo com o PS?".
"Não sob quaisquer condições. Para nós, deveria ser descartada a participação num governo de esquerda, que, como o governo de Jospin, privatiza massivamente e, em todas as questões fundamentais, adapta sua política aos interesses dos capitalistas. O PCF deveria dizer que está disposto a governar com a direção do PS com a condição de que eles se comprometam a realizar medidas decisivas para defender os interesses dos trabalhadores e romper o controle dos capitalistas na economia".
La Verité diz que isto significa que La Riposte está a favor da participação do PCF num futuro governo de esquerda. Mas quem puder ler verá que a citação anterior deixa perfeitamente claro que a posição de La Riposte é de uma participação condicional, que depende do conteúdo do programa de governo. Mais uma vez, o que temos aqui não é uma crítica da política de La Riposte, mas uma distorção deliberada e desonesta desta política.
O argumento que apresentam depois contra esta posição é o seguinte:
"... não diz que, como o governo Jospin, a primeira condição para [este compromisso] seria romper com Maastricht e com a União Européia, uma vontade expressada pela maioria da população que votou ‘não' em 29 de maior de 2005!".
Isto nos leva ao ponto que se converteu numa verdadeira idée fixe entre os lambertistas, isto é, a necessidade de que a França rompa com o Tratado de Maastricht e com a União Européia, dos quais, segundo eles pretendem, La Riposte é um fervoroso adepto, e inclusive que Grant e Woods vêem o Tratado de Maastricht como "um ponto de apoio para a luta de classes na Europa!". Sobre isto, assim como sobre muitas outras questões, não é difícil ver que La Verité (A Verdade) está na realidade cheia das mentiras mais escandalosas. O que é certo, não obstante, é que La Riposte não se opõe à União Européia pelas mesmas razões que La Verité, que contrapõe ao Maastricht capitalista e à reacionária União Européia, a defesa da igualdade capitalista e da reacionária "República francesa", que parecem considerar algo progressista.
Mas, antes de avançar sobre a questão européia, deixemos claras, em primeiro lugar, as questões da política do PCF e de sua participação num futuro governo de esquerda. Nossos críticos escrevem:
"La Riposte saúda de passagem a Marie-George Buffet, secretária-geral do PCF, que: ‘tem razão' - mais vale tarde do que nunca - quando diz que a esquerda perdeu porque ‘não enfrentou os defensores do capitalismo', passando de ‘concessão a concessão' e de ‘adaptação a adaptação' aos interesses capitalistas".
Sua irritação com esta citação de La Riposte é expressa, em seguida, nos seguintes termos:
"Mas o que caracteriza a política de Marie-George Buffet não é precisamente a busca de acordos com aqueles no Partido Socialista que se opõem abertamente à aplicação das diretivas européias?"
Como invalida esta nota o que foi colocado por La Riposte? Buffet tem razão ou está equivocada, ao dizer que a razão do fracasso do governo anterior de esquerda foi o seu fracasso para enfrentar o capitalismo e as concessões feitas aos capitalistas? Sim ou não? Claramente a resposta é sim. E quando La Riposte diz ‘mais vale tarde do que nunca', simplesmente significa que isto deveria ter sido dito e consequentemente posto em prática durante o governo de esquerda, não somente depois da derrota de 2002. Onde está o problema? Mais uma vez, nossos críticos brandem sua pequena e insignificante espada para não dar golpe algum.
Lênin sempre dizia que a verdade é concreta. Os trabalhadores franceses passaram pela experiência do governo de direita de Raffarin. Lutaram através de greves e manifestações de massa nas melhores tradições do movimento dos trabalhadores francês. Houve as explosões dos jovens espoliados. O establishment foi abalado pela derrota no referendo sobre a Constituição Européia. Tudo isto aponta em direção a uma mudança de ambiente decisiva na sociedade francesa. Isto foi comentado inclusive por Chirac que disse: "existe um profundo mal estar na sociedade francesa".
Está sendo preparado o cenário para uma grande virada à esquerda na França. As massas logo dispensarão ao desacreditado governo de Villepin. Mas, a quem colocarão no seu lugar? As seitas na França - inclusive a seita lambertista - têm grandes planos sobre suas perspectivas baseadas no voto de protesto, em um momento em que a classe trabalhadora estava desiludida com as políticas dos socialistas e comunistas. As seitas francesas imaginavam que estariam em situação de desafiar às organizações de massa tradicionais. Mas, agora, todas essas ilusões foram reduzidas a pó. Nas últimas eleições presidenciais, o candidato do PT obteve... 0,5% dos votos.
A classe trabalhadora não entende as pequenas organizações. Como regra, elas passam despercebidas. Somente uma série de circunstâncias excepcionais permitiu que os candidatos "trotskistas" atraíssem uma votação respeitável há alguns anos. Agora, a situação mudou e todos esses grupos encontram-se em crise. As massas voltarão mais uma vez ao PS e ao PCF, da mesma forma que a noite substitui o dia. No próximo período, a questão será a de um governo de esquerda na França.
Qual deveria ser a nossa atitude? A única posição correta seria a de fazer um chamado aos trabalhadores para afastar a direita e votar nos seus próprios partidos, isto é, no PCF e no PS. Mas o principal papel dos marxistas franceses é o de "explicar pacientemente" que um governo de esquerda deve aplicar uma política socialista: nacionalização, sob controle e administração dos trabalhadores, dos bancos, das instituições financeiras e dos grandes monopólios. Sem isto, os dirigentes reformistas novarão serão obrigados a por em prática uma política no interesse do Capital, nesta ocasião com recortes mais profundos, preparando o caminho, no futuro, para um governo de direita inclusive ainda mais reacionário.
Maastricht, mais uma vez!
Depois de ter tentado - e fracassado - desacreditar La Riposte, os lambertistas voltam mais uma vez a sua idée fixe, a União Européia e Maastricht. Atribuem aos companheiros franceses a idéia de que o maior perigo para os trabalhadores vem "daqueles que criticam Maastricht, o Euro e a União Européia!". Aqui, o descaramento de nossos críticos alcançou níveis inauditos. Qual foi a posição dos companheiros franceses no referendo sobre o Tratado de Maastricht? Apoiaram-no? Não. Defenderam a abstenção? Não. Defenderam o "não". Portanto, ou os lambertistas são incapazes de ler francês ou mentem deliberadamente.
La Riposte na realidade criticava os argumentos dos diferentes elementos na esquerda francesa que se opunham à União Européia, não desde o ponto de vista do internacionalismo da classe trabalhadora, mas desde a perspectiva nacionalista estreita de "soberania nacional" e da independência da república capitalista francesa. Criticaram o ponto de vista do nacionalismo pequeno burguês e do reformismo. Isto é, criticaram o ponto de vista compartilhado pelo lambertistas franceses. E tinham razão ao fazer isto. Naturalmente, esta crítica marxista do ponto de vista nacionalista pequeno burguês encheu de raiva os lambertistas:
"Polemizando contra aqueles que ‘defendem que os trabalhadores devem se opor à União Européia para evitar, como eles dizem, vender a ‘soberania nacional', La Riposte declara: ‘Aqui também nos encontramos em terrenos totalmente nacionalistas, que não têm o menor átomo de conteúdo socialista ou progressista'".
Desta oposição à União Européia a partir do ponto de vista da classe trabalhadora e internacionalista, nossos críticos concluem descaradamente que, para La Riposte, a oposição à privatização e às conquistas sociais do passado é reacionária! Isto simplesmente é uma estupidez do pior tipo. La Riposte opôs-se enérgica e sistematicamente a todas as privatizações, realizadas tanto sob governos de direita quanto de esquerda, e que os representantes do Parti des Travailleurs [como são conhecidos na França os lambertistas] pretendam qualquer outra coisa é simplesmente a mentira mais descarada, tanto a sua própria militância, como para qualquer leitor que possa haver fora de sua própria organização.
Por exemplo, no mesmo texto publicado por La Riposte que citamos anteriormente (PCF: programa, estratégia e participação no governo), lemos:
"Devemos exigir a inclusão da nacionalização no programa do partido, sob controle operário democrático, de todos os bancos, sem exceção, de todas as grandes empresas industriais e das principais redes de distribuição. O socialismo não significa a nacionalização das empresas minúsculas, dos cafés e das padarias, e sim que os comunistas devem explicar incansavelmente que a coluna vertebral da economia deve ser arrebatada das mãos dos capitalistas e colocada firmemente no setor público sob o controle e administração democrática dos trabalhadores. Desta forma, e somente desta forma, um futuro governo de esquerda poderia se dotar dos meios para por em prática um vasto programa de reformas sociais, incluídos a redução da jornada de trabalho, os aumento salariais e o trabalho garantido para todos, e o aprovisionamento dos recursos econômicos necessários aos serviços públicos de qualidade disponibilizados para todos".
E esta posição é "traduzida" alegremente por La Verité por "a oposição à privatização é reacionária!". Churchill disse numa ocasião que a melhor forma de defesa é o ataque. Estas distorções são como um jato de tinta lançado por um polvo quando foge de um predador. Eles se dão conta de que têm uma posição débil e indefensável ante a UE e tentam esconder o rabo lançando uma série de ataques caluniosos sobre aqueles que defendem uma posição de classe, internacionalista e marxista. Mas esta manobra transparente está condenada ao fracasso. Nenhuma quantidade de distorções e mentiras pode ocultar o seu abandono total de uma posição de classe na questão da UE.
La Riposte opõe-se à União Européia capitalista, mas, diferentemente do Parti des Travailleurs, não o faz sobre a base da chamada defesa da igualdade capitalista e da reacionária República francesa. Não pretende que esta república capitalista esteja baseada na "liberdade, igualdade e fraternidade" (como pode existir igualdade entre os exploradores e os explorados?), nem embeleza as suas declarações com estas cores da bandeira nacional, imagens de "Marianne" e outros símbolos patrióticos nacionalistas e burgueses. La Riposte defende a derrubada do capitalismo, o estabelecimento de uma república socialista na França e uma federação socialista da Europa. Para os lambertistas isto significa... Apoiar a União Européia! Isto é realmente cinismo de grau superior, desconhecido anteriormente nas fileiras do movimento trotskista.
La Riposte defendeu o "não" no referendo. Apesar disto, é certo, como asseguram os lambertistas, que o Tratado de Maastricht é a causa fundamental das contra-reformas que atualmente estão sendo aplicadas em todos os estados membros? Não, não o é! As mesmas contra-reformas estão sendo aplicadas em todo o mundo capitalista, e não somente naqueles países que assinaram o tratado. Estas contra-reformas são o resultado da crise do sistema capitalista. As conquistas sociais do passado são incompatíveis com a continuidade da existência do capitalismo. Esta, e não o Tratado de Maastricht, é a verdadeira razão dos constantes ataques contra os direitos e condições de vida dos trabalhadores.
Para colocar as coisas da forma mais simples possível: se o Tratado de Maastricht não tivesse sido ratificado, a situação dos trabalhadores sob o capitalismo não seria fundamentalmente diferente. Quem duvidar disso apenas necessita considerar a derrota do Tratado Constitucional em 2005. La Riposte opôs-se à Constituição, defendeu o "não", mas explicou adiantadamente que a derrota deste tratado não resolveria nada por si mesmo. Isto demonstrou ser perfeitamente correto. Desde a derrota da Constituição repetiram-se os ataques dos governos e dos empresários contra os direitos e as condições dos trabalhadores, na França e em todos os países. A política reacionária preconizada no tratado já estava sendo aplicada há anos, na França e em outros lugares, e continuou sendo aplicada desde então.
A idéia básica que percorre toda a propaganda nacionalista do PT é que a Comissão Européia está agindo contra os interesses da França capitalista e do estado "republicano" capitalista, e que os trabalhadores deveriam se reunir sob a bandeira da república para defendê-la contra a Comissão Européia. Na realidade, o estado francês sempre desempenhou um papel decisivo na configuração das políticas da União Européia, uma política dirigida diretamente em favor dos interesses do capitalismo francês e europeu. Em algumas questões, como, por exemplo, os subsídios agrícolas, têm surgido conflitos entre os estados capitalistas nacionais que formam a União, mas em todas as questões fundamentais as principais potências estão de acordo.
De qualquer forma, nem os capitalistas alemães nem os franceses podem impor uma única medida significativa que vá de encontro aos seus interesses fundamentais. A Comissão Européia é um instrumento dos estados mais poderosos da Europa, como a França. A pretensão do PT, publicada em outro artigo na mesma edição de La Verité, de que a Comissão Européia está como num processo de desmantelamento da república francesa "una e indivisível", que tenta rompê-la em pequenos estados através do que o PT denomina "balcanização" da França, é bastante absurda. Contudo, isto dá uma indicação clara do quão longe está disposto a ir o PT em sua tentativa histérica de reverter a perda de apoio e de militância sobre a base de um sentimento nacionalista grosseiro e "republicano".
Itália
Com tediosa previsibilidade, La Verité passa depois a atacar a posição de nossos companheiros italianos. Tenta apresentá-los como apoiadores de Prodi, o atual primeiro ministro da Itália. Começa citando um artigo de Cláudio Belloti, Le Primarie e Rifondazione - Bertinotti si incatena all'Unione [As primárias e Rifondazione - Bertinotti se junta à União], publicado em agosto de 2005. A "União" se refere à coalizão entre PRC, DS e uma série de partidos burgueses, todos sob a direção de Romano Prodi, também conhecida como centro-esquerda ou inclusive a Coalizão "El Olivo", um nome utilizado no passado. Em seu ataque, os lambertistas dão uma longa explicação de quem é Prodi.
Na Itália, ninguém na esquerda tem alguma dúvida sobre quem é ele e o que fez no passado; portanto não é necessário repetir tudo isto em cada artigo. Foi assessor dos governos democrata-cristãos no passado e desempenhou um papel fundamental numa série de privatizações que então se realizaram. Foi primeiro ministro da primeira coalizão de governo de centro-esquerda e, mais tarde, ocupou o cargo de Presidente da Comissão Européia. Sempre defendeu lealmente os interesses da burguesia. O problema é que os dirigentes dos dois principais partidos dos trabalhadores da Itália, o DS e o PRC não somente estão apoiando Prodi, como também estão em seu governo, apoiando uma posição totalmente pró-capitalista.
O objetivo do artigo antes citado era o de intervir dentro do PRC na questão das "primárias". As primárias foram organizadas para permitir que o eleitorado da União votasse em quem queriam como líder da coalização. O artigo faz uma crítica de Bertinotti tão transparente como um cristal:
"A participação de Bertinotti nesta contenda representa um novo elo na cadeia que ata o PRC à União. Quem tiver alguma dúvida sobre isto pode facilmente obter uma idéia clara ao ler ‘Projeto para a Itália', publicado em julho pelos dirigentes de centro-esquerda".
Os lambertistas depois de citar gentilmente o artigo admitem que o mesmo faça certas críticas à coalizão de Prodi. Eles dizem:
"Consequentemente, a atitude em relação a Prodi não é ‘secundária' para a classe trabalhadora italiana e para a nação. Seu futuro, sua sobrevivência estão em jogo... Pode-se ajudar os trabalhadores italianos a expulsar Berlusconi, unindo-se por trás de alguém que abasteceu, através das diretivas européias, Berlusconi com as armas de sua política de regionalização, privatização dos serviços públicos, liquidação da indústria?
Repetimos: os amigos de Grant-Woods são membros da mesma direção do PRC. Qual é a sua atitude em relação a Prodi? Antes das primárias (31 de agosto de 2005), um artigo assinado por Cláudio Bellotti diz: ‘A União é a guardiã incorruptível da política da UE... ' Mas o artigo ‘esquece' de mencionar que Prodi esteve por quatro anos como presidente da Comissão Européia...".
Depois de citar a lista de críticas que o artigo faz à União, La Verité se queixa de que estas sejam "muito limitadas"'. Como seus leitores não têm em mãos o verdadeiro artigo em francês, vemo-nos obrigados a citá-lo para mostrar o verdadeiro tom do mesmo. O artigo enumera uma lista de críticas ao "Projeto para a Itália" de Prodi. Critica sua defesa da constituição italiana, seu apoio aos critérios de Maastricht, à OTAN e às suas guerras. Explica que a política econômica da União será a de mais "sangue e lágrimas" para os trabalhadores, e que "espremerá" os trabalhadores em nome do "lucro".
Fazendo uma avaliação geral do "Projeto" de Prodi, o artigo diz o seguinte:
"Este manifesto acompanha fielmente a lógica de uma coalizão que sofre de profundas divisões internas. Os pontos que nele são colocados com clareza são aqueles que garantem os interesses nacionais e internacionais da classe dominante: o resto é fumaça, mistificação, palavras bonitas ou silêncio diplomático em questões controversas".
O artigo continua explicando que milhares de ativistas de esquerda votariam em Bertinotti nas primárias, como uma forma de expressar sua oposição à política anti-trabalhadora de Prodi, mas depois acrescenta:
"Mas, precisamente por isto, o apoio do PRC a esse manifesto é imperdoável, é a fruta envenenada da linha estabelecida no último congresso do partido, que, agora, inexoravelmente, nos prende mais estreitamente à política que até ontem nos opúnhamos".
O artigo conclui:
"Nossa batalha para mudar a direção do PRC continua e certamente não termina com o congresso de março [2005] e logo se verão as consequências. Esse será o momento em que o destino de nosso partido será decidido, não no cenário virtual das primárias, e sim na áspera realidade da luta de classes; não com as palavras amáveis dos documentos, e sim na linguagem áspera dos acontecimentos".
Estas citações do artigo ajudariam a todos a compreender a posição real de nossos companheiros italianos. Mas, como aconteceu no ataque ao Socialist Appeal britânico, também temos aqui más traduções muito convenientes, que servem para distorcer os nossos artigos e a dar a impressão equivocada de que acreditamos numa coisa, quando uma citação exata ilustra com clareza que dizemos algo totalmente diferente.
Os lambertista citam o seguinte do artigo:
"Na maioria do partido [do PRC, nota do editor], alguns gostariam de empurrar os companheiros mais críticos a ceder ou a adotar uma posição de boicote ou de abstenção passiva (...) Bom, se alguns dirigentes estão pensando nestas linhas, estão cometendo um grande erro (...) Hoje Prodi tem as velas infladas pelo vento, mas amanhã as coisas serão diferentes. Nossa batalha para mudar o PRC sem dúvida não terminou".
Este método de citar é muito desonesto. Mais uma vez, omite nossas frases fundamentais, une partes diferentes de um artigo e também inclui palavras que nunca apareceriam em artigo (como: "Hoje Prodi tem as velas infladas pelo vento"). Com este método poder-se-ia demonstrar que Jesus Cristo era o anticristo "citando" a Bíblia. O que realmente diz o texto é o seguinte:
"Nos níveis superiores da maioria [ala de Bertinotti] do partido, alguns possivelmente estão pensando em empurrar os companheiros mais críticos a ceder ou a adotar a posição de boicote ou de abstenção passiva. Assim, se livrariam de alguns elementos perturbadores dentro do partido? O entusiasmo com que certos ‘capitães' ameaçam com sanções e expulsões àqueles que, possivelmente equivocados, mas com amargura compreensível, expressaram sua inclinação por tomar parte desta contenda virtual, pareceria confirmar isto.
"Bom, se algum companheiro dirigente (sem dúvida, uma pequena minoria) está pensando nestas linhas, está cometendo um grande erro. O futuro do PRC não será decidido por alguns truques mediáticos. Hoje Prodi te oferece um palco para que desfileis, mas, que sirva de advertência, amanhã sereis chamados a desempenhar um papel completamente diferente: sereis chamados a ser corresponsáveis pelos novos ataques aos trabalhadores, à juventude, aos desempregados, aos imigrantes... Nossa batalha para mudar a direção que está tomando o PRC não terminou".
Comparemos os parágrafos. Imediatamente se torna evidente que não somente foram tirados do contexto, como também alguns deles são falsos. Ler mais uma vez a versão na íntegra serviria para esclarecer o que os companheiros italianos estão dizendo realmente nesse artigo. Uma vez mais, como repetiram várias vezes em seu artigo, os lambertistas, depois de ter tirado as citações do contexto, de ter falsificado e acrescentado palavras que nunca foram escritas, fazem sua própria interpretação:
"Os amigos de Grant-Woods deste modo afirmam claramente: todos estão alinhados por trás de Prodi, que tem "as velas infladas" e, portanto, dentro do PRC a "abstenção" é impossível... termos de esperar porque ‘amanhã as coisas serão diferentes'. Não é isto um chamado a aceitar o alinhamento do PRC por trás de Prodi... enquanto se espera por ‘melhores tempos'?".
Aqui o truque é o de ignorar o contexto e aplicar o significado das palavras de um cenário em outro. O que se coloca nestas circunstâncias concretas não é se o partido apoiaria Prodi. A palavra "abstenção" não faz referência a isso em absoluto. O que o eleitorado de centro-esquerda estava sendo chamado a fazer era a troca da liderança da coalizão, isto é, quem deveria ser primeiro ministro se a centro-esquerda ganhasse as eleições. Bertinotti se candidatava à direção da centro-esquerda.
A posição dos companheiros italianos, de que tomar parte nas primárias significava atar o partido inclusive ainda mais estreitamente à Unione de Prodi, ficou clara antecipadamente. Uma vez que o partido tinha decidido participar, a posição dos companheiros era que a esquerda do partido devia participar na campanha das primárias, pedindo o voto por Bertinotti contra Prodi, que utilizassem essa ocasião para levantar a voz crítica. Em lugar disso, os lambertistas tentam apresentar a posição dos companheiros como de apoio a Prodi e de esperar por tempos melhores.
Citam outro artigo: Una prima valutazione del risultato [Uma primeira avaliação dos resultados], publicado em outubro de 2005 depois de celebradas as primárias. Mais uma vez citam fora do contexto, ignorando frases e parágrafos que dizem exatamente o contrário do que o autor lambertista quer fazer crer aos seus leitores.
Eles citam o seguinte:
"A perspectiva das eleições hoje é central; elas aparecem como o meio mais fácil de remover o governo de direita, ao ver que isto não se conseguiu através das mobilizações de rua".
Tendo citado o artigo desta maneira, eles acrescentam sua própria "tradução" novamente, perguntando se o fracasso das mobilizações nas ruas foi "uma falha dos trabalhadores". Eles dizem o seguinte:
"Por que os trabalhadores falharam em dar um xeque-mate em Berlusconi "com mobilizações de rua"? Ou a responsabilidade reside nos aparatos da DS e do PRC, arrastando atrás de si as cúpulas sindicais, que se negam a romper com a União Européia, como demonstraram alinhando-se com Prodi?".
Fazem esta pergunta como se a culpa disto realmente fosse dos dirigentes do PRC, do DS e dos sindicatos. Mas esta pergunta foi respondida no mesmo artigo por eles citado. Aparece justamente antes da citação anterior sobre a perspectiva das eleições:
"Durante os últimos anos milhões de pessoas se mobilizaram por todo o país contra o governo de Berlusconi e sua política. Fizeram isto em manifestações gigantescas contra a guerra, nas greves gerais em defesa dos Estatutos dos Trabalhadores. Em muitos casos, este despertar se expressou em lutas encarniçadas e radicais, como a greve dos trabalhadores de Melfi [FIAT] ou na greve dos trabalhadores do transporte municipal.
"Apesar disto, esta disposição de luta não era compartilhada pelos dirigentes de centro-esquerda, que sempre se negaram a levar estas mobilizações até sua conclusão lógica, isto é, à luta para afastar o governo".
Como se pode ver com clareza, os companheiros italianos lançam a culpa do fracasso das mobilizações para afastar o governo Berlusconi sobre os ombros dos dirigentes da esquerda. Mas, é claro, os lambertistas não fornecem esta citação a seus leitores. Como podem fazer uma pergunta que já foi respondida antecipadamente? Deixaremos que nossos leitores julguem, por si mesmos, este método de citar e de polemizar.
O que os nossos companheiros italianos dizem sobre as primárias é o seguinte:
"A perspectiva das eleições hoje é central, não somente porque esta legislatura está se aproximando do final, mas também porque elas aparecem como o meio mais prático e simples de afastar o governo de direita, uma vez que isto não se conseguiu através das mobilizações de rua. Quando se avalia o ambiente das massas, de milhões de trabalhadores, o pior dos perigos é o doutrinarismo. O movimento de massas não procede de acordo com a teoria, mas sobre a base de sua própria experiência concreta e da vida mesma. ‘Já tivemos o suficiente de Berlusconi e enquanto esperamos a oportunidade de votar [nas eleições] aproveitaremos esta oportunidade para ir votar em massa nas primárias', este é o sentimento que guiava o ‘eleitorado de esquerda' nos colégios eleitorais de domingo".
Contrariamente às expectativas de muitas pessoas, houve uma participação massiva de milhões de pessoas que votaram nas primárias. Isso revelou a seriedade com que muitas pessoas na esquerda encararam as primárias. Isto confirma totalmente o que estavam dizendo os companheiros italianos, isto é, que a esquerda do PRC deveria participar e não se isolar das massas. Mas, para todos os lambertistas e demais sectários, as questões de como os marxistas se conectam com o movimento de massas realmente não têm interesse.
Depois de ignorar partes essenciais do artigo - justamente aquelas que demonstrariam suas manipulações do texto -, perguntam se a direita pode ser afastada do governo através das eleições, "isto é, por trás e com o programa de Prodi". Eles escrevem o seguinte:
"A segunda pergunta: pode alguém esperar ‘afastar o governo de direita' através das eleições, isto é, por trás e com o programa de Prodi... que é o mesmo de Berlusconi, uma cortesia da União Européia? Em resposta a esta pergunta, Grant-Woods respondem... apelando para o alinhamento em torno de Prodi".
Realmente é verdade que os companheiros italianos apóiam Prodi? Não, isto é uma mentira absoluta. No congresso do PRC do ano passado, os companheiros de FalceMartello apresentaram o seu próprio documento, o "Quinto Documento", ao congresso do partido. Conseguiram apresentá-lo em mais de mil agrupações do partido. O próprio título do documento não dá margem a dúvidas sobre o que defendem os companheiros: Rompere com Prodi - Preparare l'alternativa operaia, que em português significa: Romper com Prodi - Preparar a alternativa dos trabalhadores. Esse documento é muito claro. Ele adverte contra a idéia de que o partido deva abandonar a sua independência. Critica o fato de que o partido esteja criando ilusões na natureza da aliança de centro-esquerda. Nas primeiras declarações do documento, diz-se:
"Esta perda de independência política e de classe de nosso partido não cai de um céu azul. É o resultado de um longo processo de revisão política e ideológica, de um debilitamento organizativo sério [do partido] de um método que tem distanciado dramaticamente o PRC do movimento dos trabalhadores e de seu ponto de vista de classe".
O documento de dezoito páginas critica cada aspecto do programa, da política, das alianças e outras coisas pelo estilo do PRC. Alerta contra ser absorvidos numa coalizão com partidos burgueses. Defende que o partido mude de rumo e adote um programa socialista de luta. Coloca reivindicações específicas quanto a emprego, salários, educação, moradias etc. Entre essas reivindicações encontramos a defesa da renacionalização sob controle operário de todos aqueles setores que foram privatizados durante os últimos anos. A lista de reivindicações termina com o seguinte:
"Contra a Europa capitalista de Maastricht, de Schengen e do Tratado Constitucional. Pela retirada imediata da Itália da OTAN e o fechamento das bases da OTAN e dos EUA em nosso território. Retirada das tropas do Iraque, do Afeganistão e dos Bálcans".
Meses depois do congresso do partido, quando a aliança com Prodi era mais estreita, o Comitê Político Nacional (o Comitê Central) do PRC se reuniu em 17-18 de setembro de 2005. Os quatro companheiros de FalceMartello no Comitê, Cláudio Belloti, Simona Bolelli, Alessandro Giardiello, Jacopo Renda, apresentaram uma resolução que começava da seguinte maneira:
"As decisões da maioria estão levando o partido a um beco sem saída. A participação do Secretariado nas primárias é um novo elo na cadeia com que o PRC está sendo amarrado à União.
"Em troca da atenção dos meios de comunicação de Prodi, o partido está se comprometendo a não votar contra as medidas que o futuro governo de centro-esquerda adote (no melhor dos casos, poderão se abster).
"Estamos assinando um cheque em branco em detrimento dos trabalhadores e das classes mais baixas deste país. Isto é claramente evidente na posição programática comum adotada pela União em julho".
E conclui assim:
"Quaisquer ilusões e esperanças que hoje se possam depositar na União logo desaparecerão diante da áspera realidade, que consistirá em políticas antipopulares. Sobre esta base, aqueles mesmos trabalhadores, que desgastaram a centro-direita com as grandes lutas dos últimos anos, elevarão sua voz mais uma vez e desencadearão uma onda de mobilizações que, por enquanto, apenas recuaram temporariamente. Esta é a perspectiva que pode criar as condições para reverter radicalmente o rumo em que o partido embarcou e liberar desta forma o movimento dos trabalhadores da colaboração de classe".
Para deixar as coisas absolutamente claras e sem nenhuma dúvida sobre o que defendem os companheiros de FalceMartello, citamos algumas das manchetes de seu jornal:
FalceMartello no 187, 12 de outubro de 2005. Não devemos esperar as eleições. Lutando podemos nos livrar deles!
FalceMartello no 188, de 17 de novembro de 2005. Unidade das lutas contra o governo Berlusconi. Preparar uma verdadeira alternativa de esquerda!
FalceMartello no 189, de 20 de dezembro de 2005. Hoje em Val Susa, amanhã em toda a Itália! (Isto se refere ao magnífico movimento de massas que explodiu em Val Susa, próximo à fronteira francesa).
FalceMartello no 190, de 8 de fevereiro de 2006. A União em direção às eleições. Seu programa e o nosso.
FalceMartello no 191, de 10 de março de 2006. Vota Rifondazione Comunista. Expulsar o governo de Berlusconi. Lutar por uma verdadeira alternativa de esquerda.
FalceMartello no 192, de 13 de abril de 2006. A União conquista o governo, mas não detém a direita.
Venezuela
A metade da edição 49-50 (nova série), de maio de 2006, de La Verité, está dedicada a um dossiê sobre o Brasil, onde lançam uma série de ataques contra Serge Goulart e a maioria do grupo O Trabalho. Enquanto os ataca, os lambertistas também arrastam a Corrente Marxista Internacional ou, como eles a chamam, a tendência Grant-Woods. Repetem muitas das calúnias citadas anteriormente. Mas quando atacam nossa posição sobre a Venezuela e o papel que os companheiros da CMI estão desempenhando ali, os lambertistas realmente se superam.
Lemos o seguinte:
"É indispensável dar relevo dentro desta lista à tendência Militant de Grant-Woods [regularmente fazem referência à CMI como a tendência Militant, que deixou de existir há alguns anos], que mantém uma posição tão reacionária quanto a do Secretariado Unificado. Em particular, é um obstáculo para a revolução venezuelana, onde eles desenvolvem uma política de apoio a todas as características mais reacionárias da política de Chavez. Por que não citar, por exemplo, as posições desenvolvidas pelo Militant na questão da entrada da Venezuela no Mercosul?
"Militant, em nome do trotskismo, desempenha o papel de correia de transmissão da burocracia castrista, em um momento em que o Secretariado Unificado ficou desprestigiado entre camadas importantes dos movimentos de massa, para promover e encobrir uma política abertamente contra-revolucionária na Venezuela e em todo o continente latino-americano e mais além".
Para demonstrar este ponto eles citam um artigo de Alan Woods, A Venezuela depois das eleições: E agora? - O marxismo, o parlamento e a Revolução Venezuelana, publicado em dezembro de 2005. Esta é a parte que eles citam:
"Para contrabalançar a ausência de uma verdadeira política exterior revolucionária, o presidente tentou entrar em contato direto com os líderes estrangeiros. Para romper o isolamento diplomático que Washington tenta impor à Venezuela, Chavez tentou chegar a acordos com governos e países que têm diferenças com os EUA, o que, em certo sentido, podem ser considerados ‘progressistas'".
O método aqui é consistente, mas, como em todas as outras citações, é suficiente colocar o que havia antes e depois dessa citação:
"De longe o aspecto mais frágil e insatisfatório da Revolução Bolivariana é a sua política exterior. Não é casual que a parte do aparato do estado onde a tendência contra-revolucionária é mais forte seja a corporação diplomática. É um segredo conhecido por todos que poucos embaixadores merecem confiança e que, à primeira oportunidade, passarão para o lado da contra-revolução.
"Para contrabalançar a ausência de uma verdadeira política exterior revolucionária, o presidente tentou entrar em contato direto com os líderes estrangeiros. Para romper o isolamento diplomático que Washington tenta impor à Venezuela, Chavez tentou chegar a acordos com governos e países que têm diferenças com os EUA, o que, em certo sentido, podem ser considerados ‘progressistas'. A intenção é louvável, mas os resultados não são sempre os desejados".
Como podem ver os nossos leitores, o significado é totalmente diferente do que os lambertistas gostariam de acreditar. Para deixar as coisa ainda mais claras, podemos citar outro parágrafo que vem pouco depois.
"A Venezuela é o quinto país exportador de petróleo do mundo. Sem dúvida, isto deu à revolução uma pausa para tomar fôlego que permitiu a Chavez construir pontos de apoio com acordos energéticos com seus vizinhos do Caribe e da América do Sul. Mas o ‘apoio' que se pode obter através desta forma é muito relativo e instável. Os únicos amigos reais da Revolução Venezuelana são os trabalhadores, os camponeses e os pobres da América Latina e de todo o mundo. Ela necessitará destes amigos".
Mercosul
Depois passam ao tema do Mercosul, que é uma tentativa débil por parte de algumas burguesias da América Latina de formar um bloco comercial nas linhas da União Européia. Os lambertistas parecem estar fascinados por esta questão. Na Europa, culpam a UE de tudo e, agora, na América do Sul, podem culpar de tudo o Mercosul. Isto é uma estupidez. Mercosul foi uma tentativa da burguesia de países como a Argentina e o Brasil de defender seus interesses particulares na região através de um bloco comercial. Isto não pode ter êxito e em qualquer caso está cheio de contradições, particularmente entre o Brasil e a Argentina.
Como ocorre com a UE, tentam apresentar a nossa posição como de apoio ao Mercosul. Citam "Grant-Woods" dizendo:
"A única coisa que significa o ingresso da Venezuela no Mercosul é o reconhecimento do enorme potencial que tem o mercado venezuelano".
Este é outro "pedaço sangrento" tomado de um artigo: Mercosul: Paradigma da Unidade Latino-americana? O sonho bolivariano de uma América Latina Unida somente será possível com o triunfo do Socialismo! Publicado em julho de 2004 na página web da CMR venezuelana. Com o habitual estilo dos lambertistas, de novo se trata de tirar do contexto, para dar a impressão de que dizemos exatamente o contrário do que realmente dizemos. Já estamos acostumados com isto. Qual é a razão deste parco uso das citações? Talvez os lambertistas estejam tentando economizar tinta e papel? Em seguida, com espírito de caridade cristã, os ajudaremos citando o parágrafo inteiro:
"Os marxistas revolucionários sempre ressaltaram a necessidade da atitude internacionalista, da unidade do proletariado, dos explorados e oprimidos dos países americanos e do mundo. Mas esta ‘unidade' que representa o Mercosul, e em que agora entra a Venezuela, está baseada no marco das relações de propriedade do Capitalismo, que, com sua propriedade privada dos meios de produção, é o principal obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas de nossos países, o único caminho real de superação da pobreza e da miséria. Sendo assim, o único caráter de classe que tem o Mercosul é o de um acordo das burguesias sul-americanas na tentativa de se defenderem contra a penetração do imperialismo americano e europeu, e, ao mesmo tempo, representa a busca de um maior mercado para estas ‘burguesias nacionais' umas à custa das outras. Por isso, não devemos nos enganar. A única coisa que significa a entrada da Venezuela no Mercosul é o reconhecimento do enorme potencial que tem o mercado venezuelano para os capitalistas do Brasil, Argentina, Chile etc.".
O que esta última frase quer dizer é que os outros membros do Mercosul querem conseguir o mercado venezuelano. Isto não expressa nem apoio nem oposição. É somente a afirmação de uma realidade. Mas o resto do parágrafo deveria estar suficientemente claro para qualquer leitor honesto.
Para desfazer qualquer dúvida sobre nossa posição, proporcionamos a seguinte citação de Teses sobre a Revolução e a Contra-revolução na Venezuela, escrito por Alan Woods e publicado em maio de 2004:
"99) A visão original de Bolívar - o grande filho do povo venezuelano - não era a de uma revolução nacional, mas a de uma revolução que unisse os povos de toda a América Latina e do Caribe. Essa era realmente a única forma de se obter a verdadeira independência, a liberdade e a prosperidade do continente. Mas a visão de Bolívar foi traída pela burguesia e aristocracia criolla. As vorazes e corruptas oligarquias balcanizaram o território latino-americano, dividindo-o em estados nacionais, que, freqüentemente, provocaram guerras fraticidas por territórios. Isto debilitou a América Latina e a colocou sob o domínio do imperialismo, que saqueou os seus recursos, destruiu o seu enorme potencial e reduziu sua população à miséria e ao desespero.
"100) Atualmente, a visão de Bolívar de uma América Latina unida mantém toda a sua validade. É a única forma de se avançar, mas nunca se poderá concretizar sobre a base do capitalismo. A burguesia teve quase duzentos anos para demonstrar o que pode fazer e se expôs à bancarrota. Somente o proletariado, em aliança com o campesinato, com os pobres urbanos e as demais classes exploradas, pode realizar esta perspectiva. Para isto deve expropriar os latifundiários e capitalistas e criar uma Federação Socialista da América Latina.
"101) Com a união dos vastos recursos econômicos da América Latina num plano socialista de produção comum, o enorme potencial econômico do continente se poderia materializar pela primeira vez. Comparado a isto, os pequenos e miseráveis projetos da burguesia, como o Mercosul, demonstrarão ser uma minúcia insignificante. No espaço de dois planos qüinqüenais seriam gerados suficientes recursos para transformar completamente as vidas de milhões de homens, mulheres e crianças. Essa é a perspectiva que nós oferecemos às massas da América Latina. Esta é a única causa digna de luta. Quando as massas estiverem conscientes do seu potencial, lutarão com tremenda energia. Tendo à frente uma insurreição revolucionária geral em toda a América Latina, os imperialistas americanos mostrariam sua impotência. Se não são capazes de submeter o Iraque, ainda menos poderiam submeter toda a América Latina. Em vez de intervir, eles enfrentariam movimentos revolucionários na própria casa" (ênfase nossa).
Para deixar as coisas ainda mais claras, citaremos um artigo de nossos companheiros na Argentina: A atitude dos socialistas revolucionários em relação ao governo de Kirchner, publicado em junho de 2003. O artigo diz claramente o seguinte:
"O Mercosul foi um acordo entre as burguesias dos dois países latino-americanos mais importantes do subcontinente (Brasil e Argentina), com o objetivo de proteger seus mercados da impiedosa investida das multinacionais americanas e de se abrir ao comércio com outros setores imperialistas, como a União Européia. Desta forma, tentavam encontrar um ponto de equilíbrio entre dois gigantes (os imperialismos americano e europeu), para defender seus próprios interesses. O Mercosul (que engloba também o Uruguai e o Paraguai) funcionou relativamente bem enquanto se manteve o boom econômico dos anos 1990, mas quando os ventos fortes da recessão começaram a varrer a área no final da década passada, deixou virtualmente de existir, devido aos interesses conflitantes das burguesias brasileira e argentina que tentavam exportar uma para a outra a crise econômica, chegando ao ponto de estabelecer medidas protecionistas uma contra a outra, para defender seus respectivos mercados internos.
"Agora, é novamente a pressão do imperialismo americano pela implementação da ALCA, com que pretende aprofundar e fortalecer o seu controle econômico sobre a América Latina, o que levou novamente as burguesias de ambos os países a se reconciliar e a tentar enfrentar em comum esta nova investida dos EUA. É interessante que, fundamentalmente, nem a Argentina nem o Brasil questionem a existência da ALCA, e sim que queiram negociar com os capitalistas americanos a implementação da ALCA em melhores condições para os capitalistas de ambos os países, ou, melhor dizendo, nas condições ‘menos ruins' para eles.
"Como dissemos no início, as burguesias latino-americanas são débeis e carecem da força e da coragem suficientes para romper abertamente com o imperialismo. Em muitas áreas de negócio têm interesses comuns e, freqüentemente, as burguesias locais agem como simples representantes dos interesses imperialistas em seus países. Apesar de que seus interesses econômicos são continuamente ameaçados pela voracidade do imperialismo, chegando inclusive a provocar fricções entre eles, em última instância, sempre tendem a chegar a acordos e pactos, quando não à submissão completa, como mostram os casos do México e do Chile. Ou como aconteceu na Argentina nos últimos anos.
"Por essa razão, falar como faz Chavez e alguns setores nacionalistas ‘de esquerda' em nosso país, sobre a unidade latino-americana sobre bases capitalistas ‘nacionais' é pura utopia. A idéia de uma reunião sobre ‘unidade latino-americana' com Fidel e Chavez conversando junto com as podres oligarquias pró-imperialistas da Colômbia, do Peru, do Equador, da Argentina e do Paraguai, provoca risos. A oligarquia latino-americana está na verdade se sentido muito confortável com a presente situação, dispondo dos recursos de cada país ao seu bel prazer, com a ajuda é claro dos capitalistas americanos e europeus.
"Já explicamos anteriormente que a única maneira de enfrentar consequentemente o imperialismo e a oligarquia local é através de uma revolução socialista dirigida pela classe trabalhadora. Nós, os socialistas revolucionários, estamos firmemente a favor da unidade latino-americana. Contudo, entendemos que há somente um caminho para alcançar isto, ou seja, através de uma Federação Socialista da América Latina. Esta seria uma força poderosa que não somente derrotaria quaisquer tentativas por parte do imperialismo de esmagar a revolução, e, com êxito, integrar harmoniosa e planificadamente os recursos do continente, com o objetivo de melhorar as condições econômicas, sociais e culturais de nossos povos, mas também para obter o apoio da classe trabalhadora americana e do resto do mundo capitalista e, desta forma, debilitar as bases de uma intervenção imperialista e ampliar a luta pelo socialismo a mais e mais países (ênfases nossas)".
Em todas nossas publicações sobre a América Latina, nossa palavra de ordem é muito clara e constante. Defendemos a Federação Socialista da América Latina, como a única solução real dos problemas que os trabalhadores da região enfrentam. Sobre bases capitalistas não há solução.
Controle operário
Na Venezuela, a tendência lambertista não construiu nada. Suas idéias não encontram eco, o que dificilmente surpreende; parece que não têm a menor idéia do que está acontecendo lá. Uma revolução está em marcha envolvendo a participação ativa da maior parte da massa de trabalhadores, camponeses e juventude revolucionária. O que nossos amigos de Paris têm para dizer a respeito disso? Parece que não têm muito a dizer. Em contraste, os companheiros de O Trabalho, que estão conduzindo o movimento das fábricas ocupadas no Brasil, têm mostrado um vivo interesse no movimento revolucionário na Venezuela e, particularmente, no movimento de fábricas ocupadas.
As ocupações de fábricas se converteram em um importante aspecto da luta de classes em países como o Brasil, Argentina e Venezuela. Isto é o reflexo da aguda crise do sistema e também de um nível de consciência muito claro no seio de uma camada da classe trabalhadora. Há muito material em nossa web, tanto em inglês quanto em espanhol, sobre esta questão. Isto não é acidental. A seção venezuelana da CMI, a CMR (Corrente Marxista Revolucionária) tem desempenhado um papel fundamental na condução do movimento das fábricas ocupadas.
Os companheiros da CMR lançaram a FRETECO (Frente Revolucionária de Trabalhadores de Empresas em Cogestão e Ocupadas). Fizeram isto para juntar em uma única frente todas as fábricas que foram ocupadas. Algumas dessas fábricas, como INVEVAL e INVEPAL, foram nacionalizadas por Chavez, algo que nenhuma outra tendência julgou possível. Nossos companheiros foram de fato os únicos que defenderam a nacionalização dessas fábricas.
Este grande êxito dos marxistas venezuelanos merece os maiores aplausos. Já nossos críticos de Paris nada encontram de positivo nisto. Pelo contrário, eles encontram somente traição e colaboração de classe (!). Sim, caro leitor, você está lendo corretamente. Vamos citar o que eles atualmente dizem:
"Não nos deveria surpreender ver esta corrente política - que, como já mostramos em La Verité, sob a pretensão de ser marxista, alinha-se constantemente com aquelas tendências que são as que mais se opõem à independência de classe - também se situar contra a independência dos trabalhadores!".
Em seguida a isto, eles acrescentam:
"De nossa parte, como estamos pela defesa da Revolução Venezuelana, estamos pela defesa de um governo (e de um presidente) que nacionalize as empresas e resista à ofensiva imperialista. Mas fazemos isto no terreno da independência da classe trabalhadora, o que está em contradição com o Mercosul e com a chamada ‘cogestão revolucionária'".
De assombro, arregalamos os olhos. Isto realmente é o cúmulo da imprudência! Em primeiro lugar, a tendência lambertista não está em posição de defender qualquer coisa e em nenhum terreno, desde que ela se encontra completa e totalmente ausente do movimento dos trabalhadores venezuelanos. Sua "defesa da Revolução Venezuelana" é, mais propriamente, como um caso de amor platônico, conduzido de uma distância respeitável - de preferência, a vários milhares de quilômetros - desde o conforto de um escritório em Paris. Ali, em Paris, eles podem pronunciar todos os discursos engenhosos que queiram "no terreno da independência da classe trabalhadora", e que não têm absolutamente nenhum efeito no curso da própria revolução.
Em contraste, a CMR participa ativamente da Revolução Venezuelana. E, como uma pessoa minimamente informada saberia, a CMR tem consistentemente defendido a posição de independência de classe, encorajando, organizando e conduzindo o movimento dos trabalhadores a ocupar as fábricas e a dirigi-las na base do controle operário.
Tentando "provar" a alegada colaboração de classe da CMR, eles citam de um artigo disponível em espanhol, Grande êxito da marcha dos trabalhadores de empresas em cogestão e ocupadas, publicado em maio deste ano. Este artigo é um informe de uma manifestação de trabalhadores das fábricas ocupadas organizadas pela FRETECO. Eles citam as palavras que foram publicadas de um trabalhador na manifestação:
"Esta marcha é somente o primeiro passo. Deve ser uma batalha pela reeleição do Presidente e pela extensão do modelo de cogestão revolucionária que ele apresentou".
Embora não seja uma tradução precisa, estas palavras foram expressas por um trabalhador, mas ele acrescentou algo mais que dá um significado mais amplo ao que estava dizendo. Ele disse:
"Esta marcha é somente o primeiro passo. Devemos estar na vanguarda da Batalha de Santa Inês e isto deve ser uma batalha pela reeleição do Presidente e pela extensão do modelo de cogestão revolucionária que ele apresentou, baseado nas assembléias dos trabalhadores com poderes de tomar decisões para todas as fábricas e para avançar em direção ao controle e administração dos trabalhadores. Como o Presidente tem dito, devemos derrotar a burocracia, a ineficiência e a corrupção. Esta é a batalha que lançamos desde a Frente".
Já explicamos muitas vezes que, para os trabalhadores venezuelanos, "cogestão", embora se traduza tecnicamente como "adminstração conjunta", não tem o mesmo significado que é dado à palavra na Europa. Para eles, é uma forma de realizar o controle operário. Na Venezuela, "cogestão" vai mais além do simples conceito de compartilhar a administração com os patrões. Este trabalhador está adotando o apelo de Chavez e lhe dando o seu próprio conteúdo de classe. As palavras deste trabalhador comum venezuelano expressam corretamente as aspirações revolucionárias das massas - seu desejo de tomar o controle das fábricas - e de toda a sociedade - em suas próprias mãos. Pode ser que não utilizem a terminologia científica do marxismo, mas é por isto, sem dúvida, por que estão lutando.
A prova real para uma tendência revolucionária é a sua capacidade de intervir em uma revolução. A seita lambertista revelou sua total incapacidade de intervir na Revolução Venezuelana, e seus militantes de base têm o direito de perguntar por quê. A razão claramente se revela nos comentários acima. Como todas as outras seitas pseudo-trotskistas, eles não tomam seu ponto de partida do movimento real das massas (nem na Venezuela, nem em parte alguma), mas se baseiam em fórmulas abstratas, que eles tentam impigir ao movimento vivo da classe trabalhadora. Se os trabalhadores rejeitam estas fórmulas sectárias, então pior para eles!
Se fôssemos aplicar o método dos lambertistas, teríamos de dizer a estes trabalhadores, que estão lutando atualmente pelo controle operário (isto é, que estão realmente lutando por uma política de independência de classe, de fato, não em palavras somente) que eles estão desperdiçando o seu tempo. Que eles, ou conquistam de uma vez a completa nacionalização sob controle e administração operária, ou, caso contrário, não teriam o que fazer com o movimento das fábricas ocupadas. Que, se não for pelo "socialismo puro", não deveríamos sujar nossas mãos com isto.
Isto é realmente um espécimen de laboratório do pensamento sectário. Serve para ser colocado na vitrine de algum museu e preservado para toda a posteridade - junto com outros fósseis sectários. Depois, as futuras gerações, já vivendo sob o socialismo, poderiam estudá-los e se maravilharem de que, na primeira década do século XXI, existiram pessoas que se consideravam marxistas revolucionários e que defendiam tais opiniões. Podemos imaginar grupos de escolares examinando tais espécimens, como se fossem moscas capturadas em âmbar há um milhão de anos - um objeto fascinante, mas completamente inútil.
Os companheiros da FRETECO e da CMR não se baseiam em fórmulas abstratas que aprenderam a repetir como papagaios de algum livro de receitas sectário. Eles intervêm ativamente nas lutas da classe trabalhadora venezuelana e colocam a necessidade da nacionalização e do controle operário. Em seu manifesto, Manifesto da Frente Revolucionária de Trabalhadores de Empresas Ocupadas e em Cogestão, a FRETECO afirma claramente:
"A Frente de Empresas Ocupadas e sob cogestão declara que seu maior objetivo é o de estender o processo de expropriação e nacionalização da indústria venezuelana e colocá-la sob o controle dos trabalhadores".
Aqui não pode existir confusão alguma sobre o que defendem os marxistas venezuelanos. Eles estão pela nacionalização das altas esferas da economia sob controle e administração dos trabalhadores. Eles explicam sistemática e consistentemente que, a menos que a Revolução Bolivariana adote estas medidas, somente haverá meia revolução, e em tal situação, é muito perigoso, porque significa que o capitalismo não foi decisivamente derrotado e que pode haver um retrocesso numa etapa posterior que destrua todas as conquistas obtidas pelos trabalhadores.
No ponto 6 de seu manifesto, a FRETECO declara:
"Os interesses dos trabalhadores nas fábricas ocupadas e em cogestão não são diferentes dos interesses do resto da classe trabalhadora e do povo venezuelano. O movimento dos trabalhadores venezuelanos deve estar melhor organizado para poder avançar em direção ao socialismo, socializando os meios de produção e colocando-os sob o controle dos trabalhadores e das comunidades, para que todos juntos possamos planificar democraticamente a economia nacional. Para isso é fundamental que a classe trabalhadora esteja melhor organizada; por isso, desde esta Frente fazemos uma chamado a se organizar para impulsionar o sindicalismo revolucionário e de classe no seio da UNT e que a central se transforme no instrumento de luta e de transformação social que necessita a classe trabalhadora e o povo venezuelano".
Não está suficientemente claro? Para qualquer pessoa normalmente inteligente, isto está abundantemente claro! Mas não para nossos amigos lambertistas em Paris. Eles não percebem isto porque não estão interessados no que os outros têm a dizer. Eles estão completamente cegos devido as suas próprias idéias enroladas, muito semelhantes àquelas dos escolásticos medievais que argumentavam interminavelmente sobre quantos anjos poderiam dançar na cabeça de um alfinete e podiam demonstrar que o branco era negro, vermelho ou qualquer outra cor que se queira. Ninguém pode esperar vencer uma discussão com essas pessoas. Eles estão determinados a "provar" que somos reacionários e procuram por palavras ou frases, aqui e ali, que eles possam copiar e colar juntas, citar fora do contexto, com a fervorosa esperança de que ninguém realmente leia os textos originais.
Os sindicatos
Os lambertistas naturalmente adotam o mesmo encantador procedimento quando abordam a nossa posição no movimento dos sindicatos venezuelanos. No último congresso da UNT emergiu uma séria divisão, que foi informada em nossa web. De forma completamente inescrupulosa e desafiando todos os fatos, os lambertistas tentam alinhar-nos com a ala direita da UNT. Fazem isto novamente com seu método de citar desonestamente nossas declarações, mas omitindo convenientemente aquilo que eles consideram que seria mau para a saúde dos leitores. Citam a seguinte frase:
"Este plano pode ser realizado independentemente de se o congresso da UNT é realizado ou se as eleições são organizadas (...)".
Para sermos claros, aqui o "plano" se refere às intervenções concretas nas lutas da classe trabalhadora, ocupações de fábricas etc., e a luta pelo socialismo. Mas após esta sentença eles omitem o resto do parágrafo, que diz:
"Se o C-CURA [a ala de esquerda de Chirinos] começa a aplicar isto onde quer que tenhamos posições, isto nos permitiria ganhar a atenção dos trabalhadores de base da UNT, identificando quem está preparado para avançar em direção ao socialismo e quem não está. Esta seria a melhor maneira de se preparar para o congresso e para as eleições, deixando absolutamente claro quem são os setores mais revolucionários e os que não são".
Depois de omitir este ponto chave, dando a impressão de que não estamos em absoluto preocupados com o congresso ou com as eleições internas, eles dizem o seguinte:
"Dessa forma, com uma linguagem ‘radical', os porta-vozes do Militant, antes de uma assembléia geral onde não faltavam vozes exigindo a chamada imediata de eleições dentro da UNT, aparecem como uma espécie de ‘ponte' com os que estavam fora, boicotando o congresso, porque, em última instância, a ‘data e as eleições deste ano' seriam secundários em relação ao ‘plano' votado pela reeleição de Chavez".
O que dissemos estava absolutamente claro, como a parte omitida da citação o demonstra. Nós dissemos que a ala esquerda da UNT poria em prática a luta pela ocupação de fábricas, colocaria a questão da necessidade do socialismo etc. Explicamos que a abstenção da ala esquerda da UNT na luta concreta, concentrando tudo exclusivamente nas eleições internas era um erro. Por que dissemos isto? O papel dos sindicatos na revolução é crucial. Como organizações básicas da classe, eles são o meio pelo qual o proletariado pode colocar decisivamente o seu selo na revolução, e eles devem ser o mecanismo decisivo de transmissão por meio do qual a vanguarda revolucionária pode conduzir a classe.
Contudo, a fim de que os sindicatos pudessem cumprir este papel, eles devem intervir ativamente na luta de classes em geral, e no movimento pelo controle operário e ocupações de fábricas em particular. Depois da cisão no sindicato de direita, a CTV, a criação da UNT despertou a esperança de milhões de trabalhadores na Venezuela. Desgraçadamente, temos de admitir que estas esperanças têm sido até agora frustradas.
Quando Chavez redigiu uma lista de centenas de fábricas que estavam ou fechadas ou ameaçadas de fechar, e lançou a palavra de ordem "fábrica fechada, fábrica tomada", que teria de fazer a UNT? Em nossa opinião, deveria ter dado imediatamente instruções para que em cada região fosse elaborado um plano concreto de ocupações de fábricas. Isto foi feito? Não. Não se fez, e uma grande oportunidade foi perdida.
Em nossa opinião, a ala esquerda em torno de Orlando Chirinos, que tem o controle da UNT, cometeu erros muito sérios. Permitiram que se dedicasse muito tempo às disputas burocráticas com outras tendências dentro do sindicato, em vez de intervir ativamente na luta de classes. Esta é uma questão muito séria porque debilita a fé das massas de trabalhadores no movimento dos sindicatos. Ao contrário das mentiras dos lambertistas, nós apoiamos a ala esquerda da UNT contra a ala direita. Mas isto não significa que temos de adotar uma atitude acrítica em relação à esquerda da UNT, que tem uma grande responsabilidade pelos fracassos da UNT no último período. Esses fracassos têm encorajado a ala direita da UNT a passar à ofensiva, levando a uma divisão prejudicial no congresso.
Tentamos dar à discussão uma perspectiva correta explicando que o envolvimento nas lutas concretas colocaria a esquerda em melhor posição tanto no congresso da UNT quanto nas eleições internas, e que esclareceria quem é pelo socialismo e quem não é. Isto exporia a ala direita mostrando o que ela realmente representa. Concentrar-se unicamente na questão das eleições internas faria o jogo da ala direita, o que terminou acontecendo. Explicamos que se a esquerda adotasse a nossa posição, então as eleições internas estariam centradas na questão da luta concreta pelo socialismo em lugar da questão de apoiar ou não a Chavez. E esta era a única posição correta a adotar.
Existem muitas outras distorções sobre o trabalho de nossos companheiros na Venezuela, mas o leitor já estará cansado desta lista monótona de asneiras. Mas ainda precisamos dizer que a alegação de que colocamos a possibilidade de transformação das fábricas ocupadas em cooperativas é mais uma mentira lambertista. Presumivelmente eles se baseiam em uma reivindicação colocada no artigo Êxito da marcha da Frente Revolucionária de Trabalhadores de Empresas em Cogestão e Ocupadas. Esta reivindicação é a seguinte:
"Expropriação do almoxarifado da Alfa Quartz de Charallave e sua colocação sob o controle dos trabalhadores das cooperativas".
Esta reivindicação tinha o objetivo de satisfazer as necessidades dos trabalhadores das cooperativas que não dispunham de local para funcionar. Nunca colocamos a reivindicação de transformar as fábricas ocupadas em cooperativas. Na realidade, nós sistematicamente argumentamos contra isto. Quem quiser ler a lista completa de reivindicações pode encontrá-la em Marcha da Frente Revolucionária de Trabalhadores de Empresas em Cogestão e Ocupadas.
Conclusão
Devemos nos desculpar com nossos leitores pelo grande número de citações que fizemos visando demonstrar a completa falsidade da posição dos lambertistas e sua escandalosa desonestidade. Asseguramos ao leitor que, apesar de ser tedioso ler esta lista de mentiras, embustes e distorções, ainda é mais tedioso para nós ter de escrevê-las: uma experiência que se assemelha a de nadar numa cloaca. Não obstante isso, esperamos que, no final, tenhamos deixado as coisas claras.
Eles tentaram demonstrar que nós apoiamos Blair, a União Européia e o Tratado de Maastricht, Prodi na Itália e um completo conjunto de crimes contra a classe trabalhadora. Na realidade, é difícil encontrar um crime que não tivéssemos cometido - na febril imaginação de nossos amigos em Paris. Se algo disso fosse verdade, então estaríamos condenados perante os trabalhadores do mundo. Mas nenhuma pessoa séria se convencerá com estas cruas e estúpidas distorções. Elas nos lembram as palavras do Príncipe Hal, quando descreve as monstruosas falsidades do mentiroso velho e borracho Falstaff:
"Essas mentiras são como o pai que as produz - gigantescas como montanhas, impudentes, palpáveis" (Shakespeare, Henrique IV, Primeira Parte, Ato II, Cena IV).
A única diferença é que, no final, as mentiras de Sir John Falstaff eram divertidas. Nós também demos boas risadas diante da estupidez que brota das edições de La Verité em Paris. Mas há um lado de tudo isto que não nos diverte absolutamente. Os lambertistas se pretendem trotskistas. Leão Trotsky passou muitos anos lutando contra a escola de falsificação de Stalin. Quando Trotsky vivia, o trotskismo era uma bandeira limpa e respeitada por muitos trabalhadores politicamente ativos. Após a morte do "Velho", como demonstramos, os chamados dirigentes da Quarta Internacional desacreditaram a própria idéia do trotskismo em todos os lugares.
Todos foram responsáveis por isto: Pablo, Mandel, Healy, Cannon e Lambert. O último continua a agir na base das idéias equivocadas e com métodos organizativos zinovievistas que aprendeu na escola de Pablo. Todos os seus gritos e uivos sobre "Pablismo" não alteram este fato. Se negar isto, desafiamos que abra os livros e que publique o que escreveu no período de 1945 a 1953.
De todas as tendências da Quarta Internacional, a única que pode manter a cabeça alta hoje é a tendência fundada pelo grande teórico marxista e fiel discípulo de Trotsky, o companheiro Ted Grant, que foi o único a manter viva a genuína herança ideológica e organizativa de Trotsky. As idéias de Ted Grant estão representadas hoje pela Corrente Marxista Internacional, que está agora realizando um trabalho revolucionário em quase quarenta países em todos os continentes.
Durante décadas, as seitas degeneradas que emergiram da desintegração da Quarta tentaram ignorar esta tendência, mas isto agora se tornou impossível. Nossos êxitos são muito numerosos e destacados para ser ignorados. Marxist.com é agora a mais autorizada web marxista no mundo e representa uma corrente internacional organizada. Os destacados êxitos de nossas seções no Paquistão, Espanha, Itália, Áustria, Venezuela, México são reconhecidos por todos. Em contraste, a maioria, se não todas, das 57 variedades de seitas pseudo-trotskistas encontram-se em crise e se dividindo em pedaços. Como Ted costumava dizer: "estas pessoas são infelizes nas fusões e felizes nas divisões".
A reação era de esperar. Nossos rivais estão começando a nos atacar de todos os lados. Quase todo dia há alguma nova "crítica" à CMI em uma ou outra web sectária. Os ataques de La Verité são especiais unicamente pelo inusitado grau de veneno e pela imbecilidade das falsificações. É como um coro de gatos que ocasionalmente perturba o sono dos homens e mulheres honestos: no início ligeiramente irritante, mas dificilmente algo para ser levado a sério. De certo modo, é uma espécie de reconhecimento tardio de nossos feitos - um reconhecimento relutante, em que a malícia pública está misturada com a inveja secreta. Como diz o provérbio árabe: "os cães ladram, mas caravana passa".
Não nos alteramos, é claro, por estes uivos de protesto. As absurdas declarações feitas por inimigos maliciosos são falsas e facilmente reveladas. Seja como for, não estamos interessados no que as seitas ruidosas, e que vegetam nas margens do movimento dos trabalhadores, digam, pensem ou façam. Elas são irrelevantes notas de rodapé da história, condenadas por sua incapacidade tanto em defender a teoria marxista quanto em encontrar um caminho para a classe trabalhadora. Não escrevemos para eles, mas para nossos muitos amigos de todo o mundo: trabalhadores, socialistas, comunistas e juventude revolucionária que estão procurando por uma alternativa séria, por uma verdadeira Internacional Marxista.
A estes dizemos: se você deseja defender uma clara e revolucionária posição de classe dentro do movimento internacional dos trabalhadores, então se junte à Corrente Marxista Internacional. Nós defendemos as genuínas tradições do movimento: as idéias de Marx, Engels, Lênin e Trotsky, o programa do internacionalismo proletário e as tradições bolcheviques de democracia interna, porque, sem a genuína democracia interna de um partido leninista, a construção de um partido revolucionário é impossível.
Toda e qualquer pessoa é livre para discordar com o que nós realmente defendemos e declará-lo publicamente por qualquer meio que deseje. As polêmicas e as discussões são a força vital do movimento revolucionário. Mas a condição prioritária para uma discussão séria é que as idéias não devem ser deturpadas ou falsificadas. Qualquer tendência que não seja capaz de apresentar as idéias de seus oponentes de forma honesta nunca construirá uma força séria nem em mil anos.
Convidamos a todos os trabalhadores e a juventude de todo o mundo que estão buscando uma genuína tendência marxista revolucionária a entrar em contato conosco e a nos ajudar a construir uma força enraizada na classe trabalhadora em todos os países.
Londres, 1 de novembro de 2006.
Apêndice
As origens do colapso da Quarta Internacional e as tentativas dos trotskistas britânicos para evitá-lo
Fred Weston
(26 de outubro de 2004)
Em 1946, os dirigentes da Quarta Internacional estavam prevendo uma iminente sublevação revolucionária, quando, na realidade, o capitalismo estava entrando no maior boom de sua história. A liderança dos trotskistas britânicos, particularmente Ted Grant, tentou convencer a Internacional que suas perspectivas eram falsas. A história provou que Ted Grant estava certo. Ninguém pode duvidar disto, e estamos orgulhosos de continuar a tradição que ele legou da análise séria e meticulosa dos processos reais que têm lugar na sociedade[FA1] .
Depois da Segunda Guerra Mundial, a direção da então "Quarta Internacional" ficou completamente desorientada. Ela não podia entender o que estava acontecendo e isto marcou o início do fim da organização.
Contudo, antes de entrar em uma breve análise das causas do colapso da Quarta Internacional, vale a pena oferecer algumas das mais significativas citações de um documento produzido pela então liderança da Internacional. Devemos lembrar que isto foi escrito em 1946, exatamente quando o capitalismo estava entrando no maior boom de sua história, e quando a União Soviética tinha emergido enormemente fortalecida da Segunda Guerra Mundial. Acreditamos que elas falam por si mesmas.
"A despeito de existir certa debilidade no movimento revolucionário dos trabalhadores, não há qualquer razão para se supor que estamos enfrentando uma nova era de estabilização e desenvolvimento capitalista".
"A recuperação da atividade econômica nos países capitalistas enfraquecidos pela guerra, e em particular nos países do continente europeu, será caracterizada por um ritmo particularmente lento que manterá as suas economias em níveis próximos à estagnação e recessão".
"Sob estas condições, um desenvolvimento prolongado, relativamente pleno e estável das forças da democracia política mostra-se mais problemático do que nunca. As poucas concessões democráticas, que a burguesia tem garantido desde o final da guerra, são o resultado, por um lado, da pressão das massas, e, por outro, da política conciliadora e capituladora dos reformistas e dos partidos estalinistas".
"Agora, o que enfrentamos é uma crise em escala mundial que transcende qualquer coisa conhecida no passado e um auge do desenvolvimento revolucionário em escala mundial, para sermos mais exatos, com ritmos desiguais em diferentes partes do mundo, mas continuamente exercendo influências recíprocas de um centro a outro e, dessa forma, determinando uma longa perspectiva revolucionária" (ênfase no original).
"Os acontecimentos atuais em todos os países comprovam que o as possibilidades objetivas para a criação de partidos da Quarta Internacional nunca foram tão grandes e estão aumentando".
"A pré-condição essencial para nos dedicarmos com entusiasmo e fé à tarefa de construir os partidos da Quarta Internacional é que primeiro adquiramos a firme convicção das grandes possibilidades agora existente neste terreno".
"Sob a aparência de um poder nunca antes alcançado, esconde-se a realidade de que a URSS e a burocracia soviética entraram em uma fase crítica de sua existência".
(Citações extraídas de The New Imperialist Peace and the Building of the Parties of the Fourth International - Resolução aprovada na Pré-conferência Internacional, Abril/1946).
Comparemos as citações acima com o que disseram os dirigentes do PCR britânico, cujo principal teórico era Ted Grant. Embora não pudessem prever o longo boom do pós-guerra, foram capazes de ver que o período imediatamente a frente seria caracterizado pela recuperação econômica e estabilização do sistema.
"Frente aos reformistas e estalinistas que tentam acalmar as massas com a perspectiva de um novo renascer do capitalismo e de um grande futuro para a democracia, a resolução da Pré-conferência Internacional é totalmente correta ao insistir na época de declínio e colapso da economia capitalista mundial. Mas numa resolução que procura orientar aos nossos próprios quadros nas perspectivas econômicas imediatas - de onde flui em grande medida a próxima etapa da luta de classes e, deste modo, a nossa propaganda e táticas imediatas - a perspectiva está claramente equivocada (ênfase no original).
"A atual crise e o baixo nível de produção não é uma crise econômica no sentido clássico entendido pelos marxistas. Trata-se de uma crise de ‘subprodução' que surgiu da concentração imperialista das forças produtivas para a guerra e da destruição provocada pela própria guerra.
"A teoria do colapso espontâneo do capitalismo é totalmente alheia às concepções do bolchevismo. Lênin e Trotsky insistiram mais de uma vez que o capitalismo sempre encontrará uma saída se, antes, não é destruído pela intervenção consciente do partido revolucionário que, à frente das massas, aproveita as dificuldades e as crises do capitalismo para derrubá-lo. A experiência da Segunda Guerra Mundial enfatiza a correção destas concepções de Lênin e Trotsky.
"Enquanto isto, devido à debilidade dos partidos da Quarta Internacional, que nesta etapa se mantêm como pequenos grupos, os capitalistas puderam encontrar uma saída para o colapso e declínio da economia. Na Europa Ocidental isto preparou o caminho para uma recuperação bastante rápida e sustentada (ênfase no original).
"Ao negar-se a reconhecer a inevitável recuperação, a Quarta Internacional somente conseguirá se desacreditar e desorientará os seus quadros e as amplas massas ao prognosticar uma recessão permanente e a desaceleração do ritmo na Europa Ocidental, precisamente quando os acontecimentos adotam uma forma diferente".
(Extrato de Perspectives - Proposed line of amendment to International Conference Resolution ‘New Imperialist Peace and the Building of the Parties of the Fourth International'. Dezembro 1946).
A partir das citações anteriores, podemos ver que os dirigentes da Quarta Internacional em 1946 não tinham absorvido o "método" de Marx, Engels, Lênin e Trotsky. Para eles, o marxismo não era um método científico, mas um dogma que devia ser aplicado rigidamente. Tudo o que fizeram foi repetir a perspectiva de 1938. Ignoraram o fato de que uma perspectiva não pode ser um projeto. Apenas pode colocar o processo geral e, algumas vezes, pode mudar radicalmente com o desenvolvimento dos acontecimentos. Para estes "dirigentes", tudo isto era um livro fechado.
Ignoraram os processos reais e simplesmente tentaram impor sobre a realidade os seus próprios desejos subjetivos. Presumivelmente, deviam ter pensado que admitir qualquer possibilidade de recuperação capitalista desmoralizaria as suas forças. E, no final, conseguiram fazer exatamente isto! Seus erros levaram à destruição da Quarta Internacional que Trotsky tão conscienciosamente lutou para construir.
Trotsky esperava uma onda revolucionária no final da Segunda Guerra Mundial, semelhante à que seguiu a Primeira Guerra Mundial, e esperava que a Quarta Internacional se convertesse na força dominante dentro do movimento dos trabalhadores. Sim, essa onda revolucionária se produziu. Esta perspectiva se confirmou. A guerra civil na Grécia, o movimento de resistência e as greves tanto na Itália quanto na França, no final da guerra e imediatamente depois, a revolução chinesa de 1949, a luta pela independência no mundo colonial, a vitória esmagadora do Partido Trabalhista nas eleições britânicas de 1945 etc., tudo isto demonstra que o prognóstico de Trotsky era correto.
O problema foi que as forças da Quarta Internacional eram demasiadamente débeis para poder desempenhar um papel determinante no desenvolvimento dos acontecimentos. Se o partido revolucionário é demasiadamente pequeno, se não está no lugar correto no momento adequado, o momento revolucionário passa e a oportunidade se perde. O resultado foi uma derrota histórica importante de muitos dos movimentos revolucionários que surgiram no final da guerra. Ali onde se obtiveram vitórias, como no caso da China, as revoluções adotaram a forma do estalinismo, isto é, foram criados estados operários deformados à imagem e semelhança do regime soviético. Não foram revoluções dirigidas pela classe trabalhadora. Contudo, o estalinismo conseguiu se reforçar. Longe de enfrentar uma crise imediata, como tinham previsto os dirigentes da Quarta Internacional, o regime estalinista na Rússia ficou mais poderoso que antes. O estalinismo também se fortaleceu no Ocidente e diante dos olhos de muitos trabalhadores parecia que a Rússia estava "estendendo a revolução".
A ruptura e a divisão do movimento trotskista têm suas raízes neste período. A então direção da Quarta Internacional foi totalmente incapaz de compreender o que estava acontecendo. Se forem lidos os escritos de dirigentes como James Cannon (dirigente do SWP americano, à época), no final dos anos quarenta e início dos anos cinqüenta, encontraremos uma perspectiva completamente equivocada. Sua perspectiva era de uma crise imediata do capitalismo e de movimentos revolucionários no curto prazo. Em determinado momento, inclusive, negaram que a Segunda Guerra Mundial tinha terminado!
Em 1946, a Quarta Internacional celebrou sua "Pré-conferência Internacional". Ernest Mandel e outros contribuíram para o rascunho desse manifesto de uma forma que colidia frontalmente com a realidade. A direção da Quarta Internacional desenvolveu uma teoria que descartava qualquer possibilidade de boom econômico. E os acontecimentos demonstraram que estava totalmente equivocada. A classe trabalhadora foi derrotada devido às teorias dos dirigentes reformistas e estalinistas. A Quarta Internacional era demasiadamente débil para impedir isto.
A derrota da classe trabalhadora depois da guerra foi a principal condição política para o auge da economia. Os EUA saíram enormemente fortalecidos da guerra. Converteram-se na principal superpotência capitalista graças ao fato de que tinha acumulado grandes lucros com a produção bélica. Por medo à revolução na Europa, os EUA injetaram ingentes quantidades de dinheiro em países como a Alemanha, Itália, França etc., para recuperar as suas economias, com o famoso Plano Marshall. A destruição provocada pela guerra tornou necessário um enorme programa de reconstrução. Tudo isto assentou as bases para o maior boom econômico da história do capitalismo.
A direção da Quarta Internacional foi incapaz de se adaptar aos novos acontecimentos. Não entendia que era necessário rever a situação. Pensava que poderia manter unidas as suas forças apenas com a promessa da revolução "na próxima esquina". Esta política somente podia levar à ruptura da Internacional e isso foi precisamente o que aconteceu.
Como explicava Lênin, se não se corrigem os erros, então se cairá de um erro em outro. O resultado final é o sectarismo. Os "dirigentes" da Quarta Internacional não entenderam os erros cometidos nos anos quarenta e foram ainda mais longe no caminho da degeneração que os levou a cair em todo tipo de teorias estranhas. Da revolução iminente giraram para a teoria do "aburguesamento" da classe trabalhadora na Europa, uma virada de cento e oitenta graus! Por exemplo, em abril de 1968, Ernest Mandel, numa reunião em Londres, declarou que não se produziria um movimento da classe trabalhadora européia pelo menos dentro de vinte anos. Isso foi na véspera do movimento dos trabalhadores franceses de maio de 1968! Não puderam ver a realidade em 1946 e tampouco o puderam em 1968.
A direção da seção britânica da Quarta Internacional, o PCR (Partido Comunista Revolucionário), compreendeu as mudanças que se estavam produzindo e elaborou perspectivas diferentes. O principal teórico do PCR era Ted Grant. Ainda hoje continua em atividade como membro do comitê de redação de Socialist Appeal. Em nossa web, pode-se encontrar um livro intitulado The Unbroken Thread; nele se encontra uma seleção de seus escritos desde 1938 a 1983. Também se pode encontrar uma importante seleção de seus escritos na língua inglesa em www.tedgrant.org (em espanhol, através da web da Fundação Frederico Engels, http://www.engels.org/). Entre eles se encontra o escrito intitulado: Perspectivas Económicas 1946, que é uma análise do auge econômico que se estava desenvolvendo e que constitui uma sóbria apreciação de como se estavam desenvolvendo os acontecimentos. Este documento refletia a mesma análise que se fazia na emenda que o PCR apresentou ao documento de perspectivas da Quarta Internacional para 1946.
Como demonstrou a citação que publicamos anteriormente, na questão da Rússia também os dirigentes da Quarta Internacional estavam equivocados. Em lugar de crise, a Rússia estalinista consolidou e estendeu sua base de poder. Na questão da China, também se equivocaram. Disseram que Mao chegaria a um acordo dom Chiang Kai Shek e trairia a revolução. Os escritos de Ted sobre a China (ver La Revolución China, de janeiro de 1949) proporcionam uma análise mais precisa do que estava acontecendo naquele momento na China.
A direção da Quarta Internacional continuou com uma série de erros sobre o que estava acontecendo no Leste Europeu. Primeiro, negaram-se a aceitar que no Leste Europeu havia regimes à imagem e semelhança da Rússia soviética. Depois, mudaram de opinião (sem explicar por que) e inclusive declararam que alguns destes países (China, Iugoslávia etc.) eram "estados operários sãos", abandonando esta definição tão logo ficou claro que era insustentável.
Tudo isto é mais que suficiente para demonstrar que Mandel, Cannon e companhia ficaram desorientados depois da guerra e isto os levou a uma política de zig zags que os afastou de uma verdadeira análise marxista. Tudo isto levou, mais tarde, às cisões e, finalmente, à destruição total da organização. Os trotskistas britânicos tentaram salvar o que puderam do naufrágio, mas ficaram com forças muito pequenas. Demoraria décadas para se poder falar de uma verdadeira recuperação do movimento. Mas essa é outra história, que será tratada em outra oportunidade.
Os dois documentos: The New Imperialist Peace and the Building of the Parties of the Fourth International e Economic Perspectives - Proposed line of Amendment to International Conference Resolution, devem ser lidos em conjunto, porque são uma lição para os trabalhadores e jovens de hoje que buscam uma alternativa revolucionária para o atual beco sem saída diante da sociedade. Devem-se comparar os dois métodos diferentes que foram aplicados e fazer o julgamento com independência.
Quando se traem as aspirações revolucionárias das massas, quando as condições para a revolução estão maduras e a classe trabalhadora é derrotada, sempre vemos na história um processo semelhante, somente permanecendo ativa a camada avançada da classe trabalhadora, que, freqüentemente, tende a ser os elementos mais leais à burocracia dos partidos e dos sindicatos. Estes chegam a conclusões equivocadas com relação às derrotas e se convertem num freio para o conjunto dos trabalhadores e da juventude. Nesta situação, torna-se mais difícil defender as idéias revolucionárias e os marxistas ficam mais isolados.
É precisamente nesta situação que se desenvolvem as tendências sectárias ultra-esquerdistas (como também as reformistas). Os anarquistas surgiram como uma força importante dentro da Primeira Internacional depois da derrota da Comuna de Paris. O ultra-esquerdismo dos dirigentes da Quarta Internacional também pode ser explicado, da mesma forma, pela derrota do movimento revolucionário que seguiu a Segunda Guerra Mundial.
Se não entendemos como se move a classe, então, neste tipo de situação, podemos chegar a conclusões equivocadas, como acontece com a camada dos trabalhadores mais avançados. Quando o movimento se encontra na fase de refluxo, fortalece-se a burocracia dos sindicatos e dos partidos de massa dos trabalhadores. Alguns dos trabalhadores mais avançados continuam a sua luta contra esta burocracia, mas não encontram eco junto as bases. Por isso chegam à conclusão de que estas organizações são demasiadamente burocráticas para trabalhar nelas e terminam abandonando-as para criar novos sindicatos ou partidos com a idéia de oferecer uma alternativa à classe trabalhadora.
Infelizmente, descobrem que, fora das organizações oficiais, as coisas não são tão fáceis. Não há atalhos nem fórmulas mágicas que resolvam o problema. Se há um refluxo do movimento devido a derrotas passadas, simplesmente não se pode resolvê-las formando um partido revolucionário "independente" ou ignorando a realidade e colocando a perspectiva da revolução imediata. O movimento da classe trabalhadora tem o seu próprio ritmo, o seu próprio tempo. Não se pode forçá-la prematuramente a se mover mais rápido.
Devemos aprender desta experiência histórica e desenvolver uma perspectiva para o futuro. O colapso da Quarta Internacional foi, em parte, produto da situação objetiva. Mas também devemos recordar que os dirigentes do PCR britânico não sucumbiram ao mesmo processo. Por quê? A resposta se encontra no fato de que eles entenderam a essência do marxismo, que é o método de Marx, Engels, Lênin e Trotsky. Para eles, o marxismo não era uma bola de cristal, mas um método científico, um guia para a ação.
Os trabalhadores e os jovens de hoje, devido à crise do capitalismo mundial, vêem-se obrigados a passar novamente à ofensiva. Diante de nós temos a oportunidade histórica para continuar - e finalmente completar - as tarefas que os grandes marxistas do passado se propuseram.
26 de outubro de 2004
[FA1]Este parágrafo encontra-se no texto em inglês e suprimido na tradução espanhola. Que fazer?