Ante a pandemia, a crise ambiental ficou um tanto ofuscada. Seu impacto, no entanto, continua. Agora estamos colhendo as consequências das mudanças climáticas, com condições climáticas extremas se tornando cada vez mais comuns. Este ano, em particular, secas agourentas afetaram regiões espalhadas por todo o mundo.
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Califórnia, Brasil e Taiwan viram secas recordes. Regiões inteiras, incluindo Europa, África e Oriente Médio, também enfrentaram uma terrível escassez de água. Décadas de má gestão capitalista, corrupção e mudança climática produziram uma crise extrema da água que agora apresenta uma escolha urgente para a humanidade: ou executamos uma resposta de emergência planejada ou veremos grandes áreas de nosso planeta reduzidas à inabitabilidade.
De acordo com a OMS, cerca de 55 milhões de pessoas em todo o mundo são afetadas por secas todos os anos. A situação representa um sério risco para o gado e as plantações em quase todas as partes do mundo. Ameaça os meios de subsistência das pessoas, aumenta o risco de doenças e está alimentando o deslocamento massivo da população. Em 2030, cerca de 700 milhões de pessoas estarão em risco de deslocamento como resultado da seca. Um estudo recente publicado em Nature Geoscience afirma que secas de tal severidade não ocorrem no verão europeu há mais de 2.100 anos.
A situação só está piorando. Prevê-se que as secas durem mais e se tornem mais severas à medida que o planeta continua a aquecer devido às emissões de gases de efeito estufa, principalmente dos combustíveis fósseis. O Fundo de Defesa Ambiental (EDF, em suas siglas em inglês) fala até mesmo de uma tendência a períodos de megas-secas, que podem durar duas décadas ou mais.
O capitalismo é o culpado
À medida que rios, lagos e reservatórios secam, os dados da Nasa revelaram que 13 das 37 bacias subterrâneas mais importantes do mundo estão se esgotando muito mais rápido do que podem ser recarregadas. A agricultura é responsável por cerca de 70% do uso global de água doce, com a indústria reivindicando outros 20%, respondendo por 90% no total. Esses números mostram claramente por que as escolhas éticas de reduzir o consumo pessoal de água por indivíduos não podem sequer arranhar a superfície do problema.
Há muitas coisas completamente irracionais na agricultura sob o capitalismo. Tomemos o caso da Califórnia. Este estado dos EUA é tão seco – recebendo apenas cerca de 8 centímetros de chuva por ano – que na verdade se qualifica literalmente como um deserto. No entanto, essa região produz cerca de 90% dos vegetais de inverno nos Estados Unidos. Hectares e mais hectares de terra na Califórnia são dedicados à produção de alfafa e amêndoas – duas das culturas com maior uso intensivo de água que existem. Os agricultores estão inundando seus campos de arroz com uma quantidade obscena de água que evapora quase tão rapidamente quanto é aplicada. A Califórnia produz a segunda maior safra de arroz dos Estados Unidos. Mas agora, devido à seca, os agricultores cultivarão cerca de 100 mil acres a menos de arroz, uma queda de 20% em relação à média de 500 mil acres cultivada anualmente no estado.
São culturas comerciais, cultivadas porque o agronegócio, que possui a terra, pode ter uma boa produção e preços excelentes. Mas são os moradores das cidades próximas que precisam lidar com as repercussões de uma grave escassez de água. Falando racionalmente, nada nesta situação faz sentido. Do ponto de vista da gestão da água, essas plantações apenas contribuem para drenar ainda mais a limitada bacia hidrográfica da Califórnia, abrindo caminho para seu colapso completo.
Esta é uma consequência direta da propriedade privada da terra sob o capitalismo. Por enquanto, faz todo o sentido o agronegócio inundar seus campos. Se a empresa proprietária de um campo moderar o uso de água trocando as safras, outros no estado vão vencê-los, continuando a cultivar as safras mais lucrativas. A competição anárquica do mercado significa que quanto mais rápido o lençol freático é drenado, mais avidamente o agronegócio continua a sugá-lo, esperando agarrar o máximo possível desse recurso precioso e limitado antes que ele se esgote totalmente.
Este é apenas um exemplo. Essas práticas são difundidas em todo o globo; desde inundar terras agrícolas com água (que é a maneira menos eficiente de irrigar um campo), ao cultivo de safras em climas inadequados porque é lucrativo fazê-lo no curto prazo, até devastar a Amazônia e outras florestas tropicais por sua fertilidade de curto prazo.
A questão é que os capitalistas exploram o planeta e seus recursos para ganhos imediatos. Seu motivo é o lucro. Como Engels já escreveu em 1876 em sua incrível obra, “O papel do trabalho na transformação do macaco em homem”:
“Enquanto os capitalistas individualmente produzem ou trocam com o único objetivo de obter lucros imediatos, só podem ser levados em conta, em primeiro lugar, os resultados mais próximos e mais imediatos. Quando um industrial ou um comerciante vende a mercadoria produzida ou comprada por ele e obtém o lucro habitual, dá-se por satisfeito e não lhe interessa minimamente o que pode ocorrer depois com essa mercadoria e seu comprador. O mesmo ocorre com as consequências naturais dessas mesmas ações. Quando em Cuba os plantadores espanhóis queimavam os bosques nas encostas das montanhas para obter com as cinzas o fertilizante suficiente para uma geração de árvores de café de alto rendimento, pouco lhes importava que as chuvas torrenciais dos trópicos varressem a camada vegetal do solo, privada da proteção das árvores e não deixassem por trás de si mais do que a rocha nua! Com o atual modo de produção, e no que diz respeito tanto às consequências naturais quanto às consequências sociais dos atos realizados pelo homem, o que interessa preferentemente são só os primeiros resultados, os mais palpáveis. E então se manifesta a surpresa de que as consequências remotas das ações que perseguiam esses fins resultem ser muito diferentes (…).
Protestos
Para os pequenos agricultores em todo o mundo, o aumento da ocorrência de secas causadas pela mudança climática tornou seu antigo modo de vida completamente insustentável. A crise já gerou protestos radicais em várias regiões. No Irã, por exemplo, os agricultores saíram às ruas mais uma vez este ano contra a falta de acesso permanente à água.
Essas pessoas estão legitimamente furiosas e muito desesperadas. Os agricultores tiveram que vender literalmente tudo o que possuíam para sobreviver. Estudos mostram que existe uma correlação clara entre as taxas de seca e as de suicídio entre os agricultores.
Explosões em massa de raiva no Irã por causa da escassez de água não são isoladas. A bacia do Tigre-Eufrates está sendo drenada mais rápido do que qualquer outra bacia do mundo, com exceção do norte da Índia. Na Síria, uma seca devastadora em 2006 forçou os agricultores a migrar para as cidades para sobreviver, aumentando as fileiras dos desempregados e alimentando o reservatório de raiva que explodiu em 2011.
Na mesma região, o esgotamento das reservas de água alimenta tensões nacionais. Desde 1975, a construção de hidrelétricas na Turquia cortou o fluxo de água para o Iraque em 90% e para a Síria em 40%. Ambos acusaram a Turquia de monopolizar a água.
A falta de acesso à água foi justamente um dos gatilhos do movimento de protesto no Iraque em 2019. As massas foram obrigadas a suportar verões em que a temperatura chegava a 50 oC sem água e sem eletricidade. Mesmo assim, os bairros mais ricos podiam desfrutar de ar-condicionado e água potável sem interrupção. Lenin disse uma vez que “o capitalismo é um horror sem fim”. Aqui está um exemplo disso. A deterioração da crise da água será um fator fundamental no desenvolvimento de uma consciência revolucionária para muitos trabalhadores e agricultores.
Crise de refugiados
Tanto a crise ambiental em si, quanto as consequentes guerras pela água, provavelmente exacerbarão o horror da crise dos refugiados. De acordo com as estimativas da ONU, em 2050 cerca de 200 milhões de pessoas podem ser deslocadas pelas mudanças climáticas. Eventos climáticos extremos, desertificação e aumento do nível do mar – que, assim como as inundações das áreas costeiras, causarão uma maior salinização dos suprimentos de água doce se as medidas de planejamento não forem implementadas a tempo – contribuirão para tirar as pessoas de suas casas.
Enquanto isso, o WPS (Água, Paz e Segurança, em suas siglas em inglês), financiado pelo governo holandês, previu que há em média 86% de chance de conflito violento relacionado à água no Iraque, Irã, Mali, Nigéria, Índia e Paquistão somente neste ano.
Sob o capitalismo, é cada um por si e cada nação por si. Em vez de uma resposta global planejada que priorize as necessidades humanas, cada nação capitalista protegerá seu próprio acesso à água às custas de seus vizinhos.
Existe uma alternativa
Apesar da destruição ambiental pela qual passamos, devemos assinalar que temos todos os meios necessários para resolver esses problemas.
Em primeiro lugar, o que é necessário é um plano racional de produção. Em vez de que cada capitalista produza tal ou qual safra porque é mais lucrativo fazê-lo em sua fazenda, safras específicas deveriam ser cultivadas com base no tipo de solo, no teor de umidade, na temperatura, nas chuvas etc. As colheitas em ambientes semi-áridos e outras colheitas mais apropriadas deveriam ser cultivadas ali, e as colheitas com uso intensivo de água deveriam ser cultivadas onde a água doce é mais abundante. Enquanto capitalistas individuais e gangues nacionais de capitalistas estiverem em competição, tal plano é impossível. Em outras palavras, precisamos de um plano agrícola racional e global dirigido por e para os trabalhadores. Imagine o que poderíamos fazer em escala mundial.
Além disso, a tecnologia já existente deve ser colocada à disposição da sociedade para tornar o uso da água o mais eficiente possível. O altamente desenvolvido setor agrícola holandês já está colocando essa tecnologia em uso.
O monitoramento direto da safra e a geoinformação são usados pelo agronegócio holandês para fornecer melhores informações sobre os recursos hídricos, medindo a qualidade do solo e os níveis de umidade etc., a fim de melhorar os métodos agrícolas e a eficiência da irrigação. Uma inovação que teve um forte impacto na produção é conhecida como “cultivo protegido” ou método de estufa “fechada”, que melhora imensamente a eficiência do uso da água. Claro, isso requer muito mais energia. No entanto, sob o socialismo, encontraríamos meios sustentáveis para alimentar essas estufas usando energia renovável.
Este método de estufa “fechada” reduz as perdas de água para o ar significativamente, o que, em média, é responsável por cerca de 70% da água perdida na irrigação. Por meio da reciclagem hidropônica, a emissão de água para o solo também pode ser reduzida. A agricultura holandesa alcançou uma eficiência hídrica incomparável em qualquer parte do mundo. Apenas para dar um exemplo, em um campo de tomate espanhol, um agricultor produziria cerca de 20 quilos de tomates por metro cúbico de água. Na estufa “fechada” holandesa, a mesma quantidade de água pode produzir 250 quilos de tomates.
Ainda assim, a classe capitalista holandesa guarda essa tecnologia para si mesma, não tendo nenhum interesse em compartilhar tal conhecimento e técnicas com seus concorrentes no mercado mundial. Eles estão interessados na eficiência hídrica porque é lucrativa. Sua motivação não é produzir alimentos para alimentar as pessoas, mas competir no mercado mundial.
Esses métodos são, portanto, completamente inacessíveis para pequenos agricultores no Irã, na Índia e em qualquer outro lugar do mundo. Isso não é “culpa deles”, mas sim dos capitalistas. Como seus antigos métodos de irrigação se tornaram inviáveis devido à redução do abastecimento de água, em vez de ajudar os agricultores a atualizar seus métodos, o Estado capitalista simplesmente os empurra com os cotovelos, reservando a água limitada que resta para os monopólios gigantes. Hoje, nações ricas como a Holanda guardam zelosamente importantes inovações no uso da água. Mesmo se eles as compartilhassem, os grandes bancos não emprestariam capital suficiente para os pequenos agricultores fazerem uso delas. Em um plano de produção socialista, ao contrário, seria do interesse da sociedade como um todo não só compartilhar essas tecnologias inovadoras com toda a humanidade, mas também ajudar os pequenos agricultores a racionalizar coletivamente a agricultura, colocando todos os meios necessários, capital e experiência à disposição das pequenas comunidades agrícolas.
A agricultura sofre do mesmo problema fundamental que impede os capitalistas de mudarem urgentemente para a energia verde. Simplesmente não é lucrativo fazer isso.
A proteção de muitas fontes preciosas de água exigiria um planejamento econômico maciço. Não há lucro imediato para um capitalista individual que invista na dessalinização das águas subterrâneas ou na criação da infraestrutura para um sistema de gestão nacional, e até internacional, para o uso da água para consumo humano, agricultura e indústria. Não há perda de lucros ao se despejar resíduos poluentes nos rios e oceanos. Na verdade, muitas vezes é a coisa mais barata a se fazer para um capitalista individual. O custo para a humanidade, entretanto, é incomensurável.
Nada disso pode ser resolvido no capitalismo. Essa é a questão. Devemos, portanto, estar possuídos por um senso de urgência para derrubar o capitalismo na primeira oportunidade.
Quando o capitalismo for eliminado, poderemos finalmente começar a lidar com as múltiplas catástrofes ambientais que esse sistema nos legou. Os trabalhadores podem introduzir um sistema racional, onde seria compartilhada a imensa riqueza de conhecimento e tecnologia de que dispomos para administrar a água de maneira sustentável. Ninguém precisa passar fome, se tornar um refugiado ou sofrer as consequências das mudanças climáticas. Temos os meios para mudar essa situação, mas não podemos mudar algo que não podemos controlar e não podemos controlar o que não possuímos.
A nacionalização dos gigantes do agronegócio, da mineração e de outras indústrias de uso intensivo de água e dos bancos, sob um plano democrático de produção, é a principal condição para resolver a crise hídrica.
O capitalismo danificou severamente o planeta. Mas, uma vez que a classe trabalhadora tenha o controle, podemos mudar para a energia verde para reverter os efeitos de longo prazo da mudança climática e podemos começar imediatamente a lidar com questões como as secas. A cada dia que se passa sob esse sistema podre, a crise se torna mais severa e, em última instância, se perdem vidas. Precisamos urgentemente de uma revolução.