Na quarta-feira, 14 de outubro, milhares de trabalhadores atenderam à convocação do sindicato dos metalúrgicos, NUMSA, para uma greve de 24 horas e um dia nacional de ação contra a corrupção desenfreada e o iminente cortes de empregos.
Sob a palavra de ordem “O capitalismo gera corrupção; defender os empregos! ”, a ação de protesto teve início em Johannesburgo, o centro econômico do país. As empresas chegaram a um impasse no distrito central empresarial e várias empresas fecharam enquanto a marcha começava. No início da manhã, milhares de pessoas se reuniram na Praça Mary Fitzgerald em Newton e marcharam à Praça Beyers Naudé, onde se localizam a Receita Federal da África do Sul, o Banco da Reserva Federal Sul-Africano, a Câmara de Minas e outros departamentos governamentais, onde um memorando de demandas foi entregue. Mais cedo, os serviços de transporte público foram afetados enquanto os motoristas de ônibus se juntavam à greve – um fato que surpreendeu os patrões quando a greve realmente se pôs em marcha!
As pessoas vieram de locais distantes como, por exemplo, da província de Limpopo, para participar da greve. Alguns chegaram a Johannesburgo na noite anterior e dormiram sob as estrelas naquela Praça emblemática. A marcha contou também com a presença de outros sindicatos simpatizantes e de membros da organização Economic Freedom Fighter [Lutadores pela Liberdade Econômica].
A raiva dos manifestantes era palpável. Não demorou muito para que os manifestantes direcionassem sua raiva ao presidente Zuma. A residência privada de Zuma em Nkandla, Kwazulu-Natal [província costeira da África do Sul – NDT], se converteu em um símbolo da corrupção do governo depois que centenas de milhões de Rands [moeda sul-africana – NDT] foram gastas em sua “reforma”. Um homem idoso não mediu suas palavras: “Zuma trouxe a cultura da corrupção ao nosso país. Acostumamo-nos a pensar que ele era o cara que iria nos libertar, aos pobres. Mas ele preferiu se tornar um ladrão”.
Alguns dos cartazes conduzidos pelos manifestantes eram claros: “Fora com a corrupção. Fora com o governo de Zuma! ”, e “A corrupção é um imposto para os pobres. Nós dizemos: taxem os ricos! ”.
Além da liderança de NUMSA, a marcha também foi dirigida por Zwelinzima Vavi, secretário-geral expulso da Federação Sindical, COSATU, e uma das lideranças por trás da organização Unidos Contra a Corrupção. Em seu discurso, ele disse à multidão: “Vemos uma relação muito direta entre a corrupção e a situação de nossa economia, que se traduz para nós em perda de milhares de empregos. Treze milhões de pessoas vão para a cama todas as noites sem nada para comer, enquanto 50% dos trabalhadores estão abaixo da linha de pobreza. Já tivemos o suficiente”.
Ao longo do atual período, o tema da corrupção recebeu muita atenção. Há frustração e raiva crescentes sobre o envolvimento do governo em subornos, especialmente no sistema de licitação que envolve o setor privado. Duas semanas antes da marcha da quarta-feira, foram realizadas manifestações similares por organizações de luta contra a corrupção unidas na coalizão Unidos Contra a Corrupção (UAC, em suas siglas em inglês). A coalizão calculou que mais de 700 bilhões de Rands (50 bilhões de dólares) tinham se perdido para o suborno nos últimos 20 anos.
Não obstante a importância de se destacar o problema através de organizações como UAC, somente a classe trabalhadora pode lutar com efetividade contra o flagelo da corrupção e contra o sistema capitalista que a gera. NUMSA é o maior sindicato do país e representa os verdadeiros “batalhões pesados” da classe trabalhadora. Isto pôde ser visto no dia da manifestação. Seu caráter foi totalmente diferente das manifestações nas duas semanas anteriores. Enquanto muitos podem marchar e protestar, não são todos os que têm a “presença” do sindicato dos metalúrgicos. Esta “presença” deriva de sua posição no coração da economia Sul-africana.
NUMSA tem razão quando diz que o capitalismo gera corrupção. A corrupção é inerente a um sistema de propriedade privada dos meios de produção e concorrência mútua por mercados entre os capitalistas. Mas na África do Sul há uma variedade peculiar de corrupção que tem suas origens no acordo negociado de 1994. Os movimentos revolucionários das décadas de 1980 e 1990 não levaram à derrubada do capitalismo. Sob a justificação teórica de se lançar uma “Revolução Nacional-Democrática”, que significou adiar a luta pelo socialismo para um futuro distante, o movimento de libertação conduzido pelo CNA [Congresso Nacional Africano] estabeleceu para si mesmo a tarefa de criar um capitalismo supostamente “desracializado”.
Através de mecanismos como o programa de Empoderamento Econômico Negro (BEE, em suas siglas em inglês), o governo se fixou a tarefa de criar uma burguesia negra (hoje em dia isto se chama criação de Industriais Negros). O problema é que a débil burguesia negra agora teria que competir em uma economia cujas indústrias mais importantes e lucrativas já estavam concentradas nas mãos da já estabelecida grande burguesia. O único caminho aberto para ela foi utilizar sua proximidade com os altos cargos políticos e o Estado como fontes primárias de pilhagem através do sistema de licitação.
Este sistema de licitação agora se tornou uma monstruosa fonte de corrupção. Promoveu toda uma camada parasitária de “negociantes” brutais, vinculados diretamente aos funcionários do governo, funcionários do Estado e políticos. No léxico sul-africano, esta camada de parasitas é chamada de “locatários de licitações”, ou de “elite de predadores”. Este é um fenômeno completamente reacionário. Esta nova camada de supostos “burgueses negros” deriva sua renda totalmente das licitações estatais através da corrupção. Não desempenham nenhum papel progressista. Através da combinação de sua própria natureza repugnante com a crise orgânica do capitalismo, eles não reinvestem (nem podem fazê-lo) o produto de seus lucros na economia para desenvolver os meios de produção, o que é a justificação histórica da existência da burguesia. Sua única função é desviar do Estado e saquear seus recursos.
Para esta “elite de predadores”, o acesso aos recursos do Estado é fundamental. Tem papel similar ao sangue do hospedeiro alimentando o parasita. Portanto, ela deve fazer tudo o que é possível para ganhar acesso aos cargos políticos, incluindo abusar dos anteriormente altivos e limpos processos democráticos internos do CNA. Durante a celebração recente do Conselho Nacional Geral do CNA, saíram relatórios após relatórios de estruturas do partido, incluindo suas filiais, sendo manipuladas com o uso de dinheiro para influenciar o resultado das conferências do partido em favor de uma “facção” ou outra, que têm seus olhos voltados para tomar o controle dos recursos do Estado a fim de promover seus interesses empresariais.
Paralelamente a isto, se desenvolveu outro processo envolvendo a ainda mais corrupta grande burguesia. A derrubada formal do Apartheid trouxe a possibilidade muito real de ela ser derrubada pela militante classe trabalhadora sul-africana. Tendo de conceder direitos democráticos à maioria negra ou enfrentar ser expropriada, a “velha guarda” da classe dominante ficou diante do dilema de como governar melhor a sociedade. O crescimento em massa do proletariado significou que o equilíbrio de forças favoreceu a classe trabalhadora.
Isto significou que as forças da classe dominante eram demasiado fracas para governar o país diretamente. Assim, a classe dominante foi forçada a governar a sociedade durante os últimos vinte anos através dos líderes do CNA. A burguesia dominante utilizou todos os mecanismos legais e ilegais da corrupção, incluindo o suborno entre outros, e a criação de facilidades de acesso direto entre as empresas e o governo a fim de encadear os líderes do CNA a si mesma.
Mas, agora, as coisas estão mais tensas. A indignação decorrente da praga da corrupção é uma das razões por que a atual geração de líderes não é vista da mesma forma como no passado. O elevado grau de luta de classes junto à emergência de forças poderosas à esquerda do CNA, como NUMSA, com seus apelos radicais pela nacionalização da economia, está causando preocupações crescentes à classe dominante. Através da corrupção de toda uma camada no topo da liderança do CNA, eles estão exaurindo rapidamente os mecanismos políticos de governo da sociedade. Esta é a razão por que capitalistas, como Johann Rupert, têm falado recentemente em nome de uma camada da mais alta burguesia. Eles podem ver claramente que a situação atual está causando indignação em amplos setores da sociedade, com potenciais consequências revolucionárias.
Depois do êxito da manifestação, a questão é “e agora”? NUMSA e seus aliados estão plenamente conscientes de que uma manifestação, ou até mesmo uma série de manifestações e protestos não vão acabar com o flagelo da corrupção ou com as perdas iminentes de empregos. Uma greve-geral de 24 horas é um bom caminho para a classe trabalhadora sentir sua própria força. Em certos casos, ela também pode agir como uma séria advertência à burguesia.
No entanto, a presente situação na África do Sul não deixa muito espaço para manobras, tanto para o governo quanto para os capitalistas. A crise orgânica do capitalismo sul-africano, junto ao impasse do sistema em escala global, significa que a classe dominante está forçada a colocar toda a carga da crise sobre os ombros da classe trabalhadora. Greves, protestos e manifestações, não obstante a importância que sem dúvida têm, são apenas uma parte da equação. O que se necessita é de um programa revolucionário socialista. Somente lutando com um programa revolucionário nas lutas cotidianas dos trabalhadores será possível ganhá-los para a derrubada do capitalismo.