Publicamos aqui o último texto da série de textos sobre as lições dos marxistas nas lutas de ocupação de fábricas.
Em 01 de novembro de 2002 os operários da CIPLA e INTERFIBRA inauguravam um momento da luta de classes no Brasil ocupando a CIPLA e a INTERFIBRA, em Joinville, sc. da salvação dos empregos em duas fábricas que estavam fechando, quebradas, ao estabelecimento do controle operário sobre a produção, a luta pela estatização até a intervenção federal em 31/05/2007, preparada “em segredo de justiça” e executada por mais de 150 homens da polícia federal armados até os dentes com fuzis, metralhadoras, bombas, carros de combate, etc., um largo aprendizado se desenvolveu, não só entre os operários envolvidos, mas entre aqueles militantes e ativistas marxistas que organizaram estas lutas. 35 fábricas chegaram a estar sob ocupação no Brasil entre 2002 e 2005.
Em todas estas ocupações, os militantes da esquerda marxista desempenharam um papel ativo tendo de fato um papel dirigente na quase totalidade dos casos. E isso foi possível porque se apoiava na análise concreta da crise econômica que varria o mundo e o Brasil assim como na compreensão de que a luta proletária que toma a forma de ocupação de fábricas, no regime capitalista onde a propriedade privada dos meios de produção é sagrada, é parte do processo da revolução e inseparável dele. Sem um avanço da revolução é impossível manter as ocupações como atividade revolucionária por muito tempo. Ou a burguesia esmaga violentamente os que “ousaram”, ou a ação de bloqueio dos aparelhos contrarrevolucionários e as pressões do mercado levam à acomodação, ao desânimo. Muitos ativistas se desmoralizam, outros se adaptam ao mercado (a lei do valor é implacável!) para “tocar a vida” sendo tragados pela administração da fábrica. Outros resistem e se desenvolvem sobre a base da experiência, da reflexão e da análise das perspectivas da economia, da política e do movimento operário, para poder continuar o único trabalho que realmente importa: a construção da organização marxista revolucionária internacional e suas seções nacionais.
Iniciamos aqui a publicação de uma série de textos sobre as lições tiradas pelos marxistas nestas lutas de ocupação de fábricas. Novos e velhos problemas aparecem e reaparecem, questões teóricas e políticas reaparecem e também necessitam de desenvolvimento.
Serge Goulart, o autor destes textos foi coordenador do conselho de fábrica da CIPLA e INTERFIBRA, depois coordenador do Movimento das Fábricas Ocupadas e Coordenador dos diversos Encontros Latino Americanos e Pan-Americanos realizados pelos movimentos de ocupação de fábricas no Brasil, Venezuela, Bolívia, argentina, Paraguai, Uruguai, e outros. Serge Goulart é dirigente da Esquerda Marxista e da Corrente Marxista Internacional (CMI) e membro da Direção Nacional do PT.
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A UNIFORJA de SP e outros casos
É o caminho que trilha a Uniforja, cooperativa apoiada pelo sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo: “Atualmente, a Uniforja tem 231 cooperados e 230 funcionários contratados com todos os direitos garantidos pela CLT” (Marize Muniz, FSP, 15/10/2003).
Se existência determina a consciência então não há como escapar desta “mudança de classe”. Afinal de vendedor de sua própria força de trabalho o cooperado passa a detentor de meios de produção, ou seja, de capital e passa assim a ser um capitalista. Pouco importa que ele seja um pequeno capitalista e sua sina, provavelmente, falir. Se “der certo” é porque conseguiu colocar um abismo entre ele e sua própria classe de origem.
Isto não quer dizer que tendo sido ajudado por um sindicato-cidadão qualquer estes ex-trabalhadores não lhe sejam gratos e não mantenham relações cordiais com este sindicato. Pelo menos até o dia em que “seus” assalariados entrarem em greve com suas próprias reivindicações e o sindicato apoia-los.
De qualquer forma, os que têm mais, muito mais a agradecer ao dito sindicato-cidadão são os capitalistas que viram sua classe reforçada por um novo contingente de novos patrões enquanto a classe inimiga, a classe trabalhadora, se viu diminuída em seu exército de combate contra toda exploração e opressão.
É por isso que “No atual cenário brasileiro, a expansão das cooperativas de trabalho tem funcionado como uma válvula de escape para as crises empresariais, bem como para a redução de custos", conclui Nilson Tadashi Oda, engenheiro de produção, técnico do Dieese e assessor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC” (DE PEÃO A PATRÃO: No ABC, grupo de 300 empregados decide assumir metalúrgica; agora, objetivo é comprá-la em leilão, Ricardo Kotscho, FSP, caderno Dinheiro, 29/07/2001).
Mas, Paul Singer além de tentar reviver, em pleno século 21, o fantasma do já enterrado socialismo utópico do século 19, ainda garante aos trabalhadores que não existe outra saída além da “Economia Solidária” ou do desespero do desemprego “A alternativa é deixar que a empresa seja fechada pela justiça e assim fique até que vá a leilão, quando do valor arrecadado eles receberão uma fração de seus créditos. Em geral passam-se anos entre o lacramento da planta e o seu leilão e neste período instalações e maquinário sofrem desvalorização quase total. Logo, nesta opção, grande parte dos créditos rescisórios se perde, ao passo que se forem investidos numa cooperativa, sempre há a possibilidade de que preservem seu valor e até de que este aumente”. Ou seja, você, trabalhador, teria com as cooperativas até mesmo a chance de ficar rico!
Seria engraçado se não fosse trágica a realidade que se esconde por trás dos cantos de sereia das cooperativas. Começando por esconder a responsabilidade da direção sindical na luta contra as demissões nas fábricas, a “Economia Solidária” acaba por desmontar toda luta neste sentido e mesmo por acabar liquidando silenciosamente todos os postos de trabalho. Aqueles que não liquida ela separa da classe trabalhadora e de sua luta contra o capital. Os exemplos são inúmeros a começar pelas cooperativas apresentadas como as mais bem sucedidas.
Os números, e os defensores, da Uniforja falam por si: “A ex-Conforja já recuperou 60% da sua capacidade de produção, embora esteja trabalhando hoje com metade dos 600 empregados que restavam na época da falência (em 1976, a fábrica chegou a ter 1.800) (Ricardo Kotscho, FSP, 29/07/2001).
A empresa original, a Conforja tinha 1.800 trabalhadores. Enquanto a crise aumentava com a decisão de Collor de abrir o mercado nacional e o sindicato se enredava na história de sindicato-cidadão e punha-se a negociar a baixa de impostos em “Câmaras Setoriais” para “não haver demissões”. E de concreto nada fez para impedi-las. Os trabalhadores passaram logo a 600 e no momento em que a “grande ideia” da cooperativa surge e vai ser finalmente implantada só existem 231 trabalhadores. Belo trabalho de salvamento de postos de trabalho, de 1.800 combativos metalúrgicos para 231 operários-patrão.
O reacionário Jornal da Tarde, explica tudo sem problemas:
“Entre as medidas saneadoras tomadas, as mais importantes foram o enxugamento do quadro de pessoal, a redução dos níveis hierárquicos, a democratização em vários níveis de decisão e o aumento dos investimentos em educação. Para assumir novas responsabilidades e exercer tarefas mais complexas, os operários da Conforja pediram informações e treinamento à Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária. Com esse apoio, eles se revelaram capazes de conciliar qualidade, baixo custo de produção e função social do trabalho. E também não promoveram uma única greve. "O Sindicato dos Metalúrgicos agiu como um instrumento capaz de criar motivações para que os trabalhadores acreditassem neles mesmos", afirmou Joel Costa, diretor dessa entidade. "A intransigência de ambos os lados poderia ter levado ao suicídio", disse Cícero Leipnitz, gerente de Recursos Humanos da Conforja”. ("Sindicalismo cidadão" (A Metalúrgica CONFORJA) - Editorial do Jornal da Tarde, 17/9/97).
A síntese de aonde conduz a orientação da cooperativa está no Jornal da Tarde:
“Entre as medidas saneadoras tomadas, as mais importantes foram o enxugamento do quadro de pessoal...
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Com esse apoio, eles se revelaram capazes de conciliar qualidade, baixo custo de produção e função social do trabalho. E também não promoveram uma única greve”
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"A intransigência de ambos os lados poderia ter levado ao suicídio",, disse Cícero Leipnitz, gerente de Recursos Humanos da Conforja ("Sindicalismo cidadão" (A Metalúrgica CONFORJA) - Editorial do JT, 17/9/97).
Mas uma excelente expressão do que se passa com os operários cooperados está na revista Isto É onde uma longa matéria se dedica a cantar as glórias do operário-patrão. Na capa, uma montagem fotográfica do coordenador da Uniforja com macacão azul de operário encostado em sua própria duplicata vestida de terno e braços cruzados em pose empresarial tendo como título “Operário-Patrão”. Já nas páginas centrais sob o título “SOU O DONO” e o subtítulo “Quem são os operários que estão mudando a face das empresas e dos negócios no País”, o jornalista Joaquim Castanheira relata o que diz Santos, um dos sócios da Uniforja: “Agora que sou dono não há um sábado e domingo que não passe na fábrica. Cada peça é como se fosse um filho meu”.
Há exatamente 25 anos, em maio de 1978, os operários da Scania, em São Bernardo do Campo, entraram na fábrica como sempre faziam e cruzaram os braços como nunca haviam feito. Era o estopim de um novo tipo de mobilização sindical. Aguerrido, profundamente enraizado nas linhas de montagem, esse movimento modificou a face do País e inaugurou a trajetória de um presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. No próximo dia 29, Lula desembarca em seu berço político para visitar a Uniforja, uma metalúrgica de Diadema. Na ocasião, o presidente dará a partida em outro movimento, diferente do anterior, mas que, como ele, poderá transformar o mapa da produção no Brasil. A visita de Lula jogará luzes sobre um fenômeno em fase de expansão na região. Sem alarde, grupos de operários reúnem-se em torno de uma cooperativa e assumem a gestão de empresas mergulhadas em enroscos financeiros...
E completa: “Nas diretorias, os sobrenomes Silva e Santos prevalecem, macacões substituem ternos e gravatas, e assembleias de operários tomaram o lugar das reuniões de acionistas”.
Trágico relato. O que se vê nesta reportagem é a inversão da trajetória combativa e classista, do início dos anos 80, dos dirigentes dos metalúrgicos do ABCD, com Lula à frente. Da assembleia de operários metalúrgicos, das greves dos braços parados, para as reuniões de acionistas de macacão um longo caminho foi percorrido por estes dirigentes. Hoje eles buscam mergulhar os operários de todo o Brasil em ilusões, em falsas perspectivas, que desorganizam a classe como classe e conduzem, passo a passo, a imensa maioria destes trabalhadores cooperados ao desastre político, econômico e financeiro pessoal.
Entusiasmado, mais a frente o jornalista apresenta outro membro de uma cooperativa do ABCD paulista, a Uniwídea: “A retirada de cada um dos 42 cooperados não ultrapassa o salário médio da região, e o futuro continua incerto. Vale a pena? Com a palavra, Alexandre Rodrigues da Silva, de 26 anos: Temos espinhos no caminho. Antes eu era empregado, entrava as oito e saía às cinco. Hoje, não tenho horário, sempre tem umas coisinhas a mais para fazer. Além da ferramentaria, tenho que dar uma ajudinha no acabamento. Mas, sabe? Está melhor assim. Agora, além de operário, eu sou patrão”. E quem diz tudo isso? Um ex-trabalhador e grevista metalúrgico, agora operário-patrão metalúrgico.
E não um patrão qualquer como mostra a mesma reportagem: “Os 232 cooperados ganharam a companhia de (outros) 213 companheiros contratados pela CLT – ou seja, o quadro de pessoal dobrou”. A cooperativa, apoiada pelo sindicato dos metalúrgicos de SBC, é agora o patrão de 213 metalúrgicos. Em caso de greve destes 213 celetistas que faria o Sindicato?
Mas, de qualquer modo, é preciso compreender que cada um dos 232 cooperados é pobre patrão de menos do que um operário (213/232=0,92), ou seja, para sobreviver o cooperado deve não só esfolar o celetista contratado como ele próprio se esfolar, desregulamentando seu próprio trabalho já que “Agora, além de operário, eu sou patrão”.
Como reconhece o próprio jornalista: Anos atrás, uma frase dessas jamais sairia da boca de um metalúrgico. Seria considerada uma heresia numa região cuja marca registrada era a intensa militância sindical. Justamente aí se encontra um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento das cooperativas. “Os operários têm uma tremenda dificuldade em aceitar o papel de empreendedor”, analisa Heli Vieira Alves, diretor da Unisol, entidade de apoio às cooperativas criadas por sindicatos do ABC. “O primeiro impulso deles é utilizar todo o dinheiro excedente para aumentar a retirada”. A resistência da classe operária é apresentada, então, como uma irresponsabilidade ou uma incompreensão.
Pobre falsificação da realidade. A resistência operária à constituição das cooperativas é a defesa de seu próprio lugar na classe operária em si e para si, ou seja, como trabalhador com organização e direitos. Trabalhador que faz parte de uma classe trabalhadora que não pode transformar-se inteira em patrão, mas pode, sim, tornar-se coletivamente proprietária dos grandes meios de produção, expropriando a minúscula classe capitalista em escala nacional e internacional, e iniciando a construção do socialismo.
Os exemplos de resistência operária são inúmeros e relatados em todos os casos de constituição de cooperativas. “Na ocasião, a empresa teve a falência decretada e só não foi lacrada porque os funcionários não deixaram. A maioria deles não quis fazer parte da cooperativa. “Em apenas um dia, 120 trabalhadores deixaram a companhia”, recorda José Domingos dos Santos, presidente da Uniforja” (Isto É, 2003).
Logo a seguir outro exemplo: “Os operários assumiram o volante da então Petit Plásticos em abril de 2000. A empresa estava praticamente paralisada, sufocada por um endividamento que a havia levado à falência. Dos 120 funcionários, sobraram os 53 que se uniram na Plastcooper para tocar a Petit”. (Isto É, 2003). Ou seja, 67 operários, a maioria, recusou o canto de sereia de se transformar em operário-patrão.
Evidentemente que este sentimento de resistência é muitas vezes incentivado e manipulado pelos dirigentes pró-cooperativa para fazer o primeiro enxugamento de pessoal, preparando assim uma cooperativa “rentável”. Uma demonstração concreta desta mistura de resistência e de “enxugamento” aconteceu na Cipla, em Joinville. Nos três primeiros meses o dirigente encarregado de todos os aspectos administrativos era um velho funcionário da empresa. Ele tratou de silenciosamente, secretamente, “tentar viabilizar a empresa” incentivando pedidos de demissão, já que todas as demissões estavam proibidas, exceto por sabotagem ou falta muito grave. Vários artifícios foram usados para incentivar o pedido “espontâneo” de desligamento de 172 operários nos tumultuados três meses iniciais da ocupação. Quando isso foi descoberto, o dirigente foi incentivado a se demitir voluntariamente. Uma comissão procurou os 172 demitidos para discutir politicamente com eles o que se passara e nossas perspectivas. Dois terços destes operários voltaram para a fábrica e estão hoje combatendo para salvar todos os empregos com a estatização da Cipla.
O instinto de classe, a insegurança da situação, e a manipulação dos que pretendem “enxugar o quadro” se mesclam nos primeiros momentos das lutas de ocupação de fábricas. É nestes momentos que os dirigentes jogam um papel essencial ou orientando a resistência que vai desembocar na luta pela estatização, ou desmontando a resistência e incentivando a auto demissão, preparando assim a transformação dos operários em patrões e a liquidação de uma importante luta de classes.
No governo Lula isto se torna uma política sistemática e que tem a Uniforja como vitrine. Como explica a mesma revista: “Na visão dos recém- chegados a Brasília esse modelo pode alavancar o nível de emprego e se tornar alternativa para empresas em dificuldades. Na campanha eleitoral, Lula o utilizou como uma de suas bandeiras. Agora, o incentivo virá na forma de dinheiro vivo. Lula anunciará a concessão de um financiamento de R$ 20 milhões do BNDES para a Uniforja” (Isto É, 28/05/2003).
Menos de seis meses depois a TV Globo anunciava para o Brasil como raciocinam os operários-patrões da Uniforja. Ana Paula Padrão apresenta uma entrevista:
“Pequenas e médias empresas investem em exportação”.
A fábrica é de uma cooperativa de metalúrgicos. Eles ficaram com as instalações depois que a empresa foi à falência e ia fechar as portas. Para retomar as exportações foi preciso gastar com automação.
José Domingos/Presidente da Uniforja: Se você não investir você acaba perdendo o mercado novamente. Então o pensamento tem que ser sempre em baixar custo.
Tonico Ferreira/Repórter: Ao virar empresários, esses metalúrgicos assimilaram rapidamente a lógica do mercado num mundo cada vez mais globalizado.
Aracelli Boldrini/Dir. de exportação da Uniforja: “Você tem que estar atualizado, brigando tanto lá fora quanto aqui dentro. Uma coisa está relacionada com a outra. Você não é uma ilha.” (Jornal da Globo, 12/01/2004). Uma coisa é certa, eles são agora empresários e já compreenderam que o mercado é mundial. Como antes já sabiam da existência da luta de classes só falta compreender que também a classe operária é internacional e que eles estão do lado errado.
Enfim, por trás de todo o palavrório da dita “Economia Solidária” o que há é uma realidade dolorosa de demissão de trabalhadores pelos próprios colegas, rebaixamento do custo de produção, leia-se, rebaixamento do custo do trabalho, busca da paz social, do fim da luta de classes, pois patrões não fazem greve contra si mesmos, e finalmente a decretação teórica, e arbitrária, de que esta é a única saída, o que contraria toda a história do movimento operário internacional até hoje.
A Cooperminas de SC
Outro modelo, segundo os entusiastas das cooperativas, é a Cooperminas, mina de carvão de Criciúma (cidade mineira de Santa Catarina). Esta mina de carvão, a CBCA, quando faliu, no final dos anos 80, tinha 1.400 mineiros. O sindicato depois de uma extraordinária jornada de greves, lutas e manifestações, entretanto, aceitou assumi-la como massa falida e gerir a empresa transformando-a em Cooperativa. Só 900 mineiros “quiseram ficar”, ou seja, 500 foram, de fato, levados a sair para viabilizar a empresa. Hoje, ela funciona com apenas 400 mineiros.
Havia outro caminho, mas ele foi recusado pela direção dos mineiros que preferiram o caminho aparentemente mais fácil de receber ajuda financeira para constituir uma cooperativa. A força do movimento dos mineiros era extraordinária e comovia toda a cidade proletária de Criciúma. Eis um relato sintético feito por um acadêmico da Universidade Federal de SC:
“Com sua situação financeira pendente há três meses, estando os trabalhadores sem receber seus salários por esse período e algumas famílias passando fome, cerca de 600 trabalhadores resolveram parar as atividades para dar início a uma greve geral. A maior greve geral já vista em toda a historia da região, para legalizarem sua situação salarial e principalmente moral perante a empresa. Em seguida foi deflagrado um movimento que resultou num violento enfrentamento entre mineiros e policiais. A partir daí, se dá o início a um longo processo de organização, reivindicações e tentativas dos mineiros negociarem suas legalizações trabalhistas. Foram efetuadas várias viagens até Brasília na tentativa de alcançarem ajuda do governo Federal, e após muitas promessas e nada sendo cumprido resolvem, por meio de uma assembleia geral, ocupar a Estrada de Ferro Dona Teresa Cristina, principal canal de escoamento de carvão de toda a produção carbonífera da Região Sul, arrancando os trilhos e paralisando, assim, o transporte de carvão.
(...) Lá, ganham a esperança de que os problemas da empresa seriam resolvidos e que a empresa seria reaberta. Voltam para Criciúma. Passam-se dos meses e a empresa não reabre. Sentem-se enganados, já que as promessas foram feitas apenas para que saíssem de Brasília (...). (Anteag, 2000, p. 33).
Novamente os trabalhadores organizados em caravanas marcam uma audiência em Brasília, com a determinação de acamparem em frente ao Ministério da Indústria e Comércio, forçando uma audiência com o Ministro Hugo Castelo Branco. Com a recepção do Ministro, os trabalhadores apresentaram um anteprojeto demonstrando a falta de viabilidade da CBCA, ainda massa falida, e conseguiram finalmente um documento assinado pelo Presidente José Sarney que daria a garantia de recursos da ordem de CZ$ 120 milhões. O dinheiro seria para que a empresa fosse reativada após a decretação de sua falência.
Com a falência decretada em agosto de 1988, imediatamente a administração passaria a ser de responsabilidade do Sindicato dos Mineiros de Criciúma. Com o controle da empresa, os trabalhadores dão início a um verdadeiro esforço concentrado em forma de mutirão para pôr a empresa novamente em funcionamento. Ainda em clima de festa, os mineiros já possuíam uma previsão de produzir 25 mil toneladas de carvão por mês.
Mais tarde, a CBCA seria transformada em Cooperminas, tornando-se, assim uma das pioneiras e referência histórica em se tratando de cooperativismo no âmbito nacional.”(A Economia Solidária em Criciúma: análise de empreendimentos cooperativos e associativos, D. Barboza).
Durante este difícil processo, que durou meses, a orientação política que havia levado os trabalhadores a Brasília para resolver um conflito entre um capitalista e os trabalhadores da mina CBCA, foi mudando e sua direção foi se adaptando ao que foi lhes parecendo “a única saída possível”. E entraram no caminho da cooperativa. O governo Sarney pressionado libera dinheiro para conseguir “desviar” a luta da CBCA que estava num crescendo e poderia terminar na mesma situação que levou o governo Vargas a estatizar a mina de carvão Próspera, de Criciúma, em 1953. Sob pressão de seus advogados, de muitos “aliados” circunstanciais, e mesmo da burguesia carvoeira local (imensamente rica) que os convidava para “juntos buscar soluções para a crise do carvão” agravada por Collor de Mello, os dirigentes dos mineiros rompem com a orientação de responsabilizar o Estado, o governo federal, pela crise e pela manutenção dos empregos e entram no caminho da administração do capital.
Após assumir a gestão da Mina o Sindicato dos Mineiros de Criciúma, orgulho da classe trabalhadora, se integrou num “Fórum do Sul” constituído por empresários do setor junto com a prefeitura, Câmara e governo do Estado, para “encontrar soluções para a crise do setor”. Ao invés do combate de classe buscou-se a colaboração de classe atrás do “interesse comum” inexistente. As manifestações revolucionárias dos mineiros que se chocavam com as instituições para defender seus empregos e suas reivindicações foram desaparecendo. Não sem manifestações “demonstração” violentas que serviam apenas para encobrir o abandono de qualquer orientação política de unidade da classe trabalhadora contra os ataques do capital e sua crise.
Começaram então ações do tipo caminhões queimados, manifestações violentas, tribunais invadidos, ações “heroicas” que demonstravam a incrível combatividade dos mineiros, mas também a impotência de sua orientação política. Esta situação acabou levando o movimento dos mineiros ao impasse. E, uma a uma as minas de Criciúma foram sendo abandonadas e inundadas, ou fechadas, pelos capitalistas frente ao menor prejuízo. Hoje, os empresários estão muito bem, em geral com outros negócios, ou deslocalizados para as cidades próximas, e não existem mais minas nem mineiros em Criciúma, apenas desempregados ou aposentados. De 13 mil mineiros da região nos anos 80, hoje, só existem cerca de 3.000 nas cidades vizinhas. O sindicato de Criciúma sobrevive com aposentados, com os cooperados e de aluguéis de seu prédio no centro da cidade, outrora uma fortaleza do movimento operário da região. O Sindicato que tinha a CBCA/Cooperminas por base foi atacado desde o início pelos patrões e depois abandonado, isolado, e finalmente destroçado. Os cooperados são agora “filiados” ao Sindicato de Criciúma.
Mas o mais impressionante foi a transformação da consciência de classe dos mineiros ligados à Cooperminas. Seus membros que eram dos mais combativos militantes sindicais e políticos da região, hoje, agem como “sócios” ou “acionistas” de uma empresa, se revezando na constituição de grupos para disputar o controle da empresa e assim garantir seus próprios empregos e melhores salários. De fato, não restou muito da consciência de classe que tinham estes antigos mineiros, que nos anos 80 promoveram as primeiras greves gerais de Criciúma. Hoje suas preocupações são em relação às compras e vendas de carvão, relações com outras empresas e fazer lobby com os governantes. Nas eleições apoiam os mais variados acordos com partidos burgueses e mesmo candidatos empresários, arrivistas que se filiam, ao PT e fazem campanhas milionárias. Este é o resultado: desaparece a consciência da diferença de classe, a diferença entre patrão e o movimento operário organizado.
A ilusão da “Economia Solidária”
Ao criar uma cooperativa os trabalhadores se esquivam de ter que responder pelos outros passivos da empresa, sejam bancos, fornecedores, acionistas, etc. Isto significa, em geral, que os tributos e encargos sociais que o antigo patrão não pagou, ou pilhou, são dados como perdidos. Ou seja, a cooperativa liquida com qualquer possibilidade do Estado recuperar o que lhe foi sonegado e que é a base da arrecadação para a existência dos serviços públicos, como saúde e educação. Que o dinheiro público seja desviado por governantes para o caixa dos banqueiros internacionais através do mecanismo da Dívida Externa, é outro problema e diz respeito à soberania do povo e da nação. O dinheiro devido (tributos, taxas e encargos sociais), deve ser pago, arrecadado e bem utilizado para os serviços públicos e não sonegado para ficar no caixa enriquecendo cada capitalista individualmente. A criação das cooperativas contorna também esta questão e libera o Estado de suas responsabilidades com os serviços públicos. Atualmente, a nova Lei de Falências, em tramitação no Congresso Nacional por pressão do FMI e dos burgueses nativos, resolve esta questão definitivamente permitindo que uma nova empresa constituída sobre os escombros da anterior surja sem nenhuma obrigação de sucessão.
Até hoje, se um capitalista quebra e vende sua empresa, ou o que restou dela, a outro capitalista, o novo proprietário herda as obrigações trabalhistas e sociais do anterior. Isto impede muitas falências fraudulentas para burlar o pagamento de direitos trabalhistas, que pela legislação atual tem preferência sobre todos os outros credores, seguidos pelos créditos tributários e só depois pelos fornecedores, bancos, etc. Com a nova Lei de Falências a preferência será dos créditos financeiros ou internacionais e acaba a obrigação de sucessão.
Como resultado desta perversidade imposta pelo capital financeiro nem os créditos trabalhistas serão apropriados pelos trabalhadores para montar uma cooperativa. Tudo, ou a maior parte, será engolido pelo capital financeiro. E isto é o mesmo movimento que leva as finanças internacionais a demolirem as micro, pequenas e médias empresas devorando tudo em sua busca desesperada para valorizar o capital extraordinariamente concentrado da época do imperialismo.
Isto é algo que não compreendem os defensores da “Economia Solidária”, ou melhor, fecham os olhos para não ver a realidade, pois teriam que buscar outro caminho que não sua risível receita de caminho homeopático para o socialismo ao lado de um capitalismo distraído. Assim como os “socialistas” que buscam em vão os “setores produtivos” da burguesia nativa brasileira para enfrenta-la com o imperialismo, mas ao se aliar com estes setores não conseguem mais do que associar-se com os gerentes e sócios menores, nativos, do capital financeiro e das multinacionais, sendo todos juntos arrastados e conduzidos pela torrente cega das finanças especulativas internacionais.
Marx explicou que se pode dizer que o socialismo seria trazer o plano interno de funcionamento de uma fábrica para o conjunto da sociedade acabando com a anarquia do mercado capitalista (planificação da economia). Jamais passou pela cabeça de um socialista sério que o socialismo fosse a multiplicação da anarquia do mercado trazida para dentro da fábrica. Na primeira etapa de construção do socialismo uma perfeita direção centralizada é exigência absoluta para a sobrevivência da fábrica e da sociedade socialista. Com o avanço do socialismo e o desaparecimento paulatino do Estado, e o ingresso na sociedade comunista, também esta centralização se desvanecerá até desaparecer.
Assim, a única perspectiva que os socialistas podem se colocar hoje é o controle operário da produção, abertura dos livros (controle administrativo e financeiro) e a luta pela estatização das empresas em quebra. É a única perspectiva que permite colocar e manter em primeiro plano a luta para salvar TODOS os empregos dos trabalhadores da fábrica.
Isto não quer dizer que não possa acontecer de um governo resolver injetar dinheiro público numa fábrica nesta situação e salvar o capitalista. Os operários podem aceitar isto naquele momento, pois o emprego estará salvo. Mas, de fato, trata-se, em geral, apenas de uma postergação do problema.
Numa economia esmagada pelo capital especulativo não há saída para as empresas cooperativas ou autogestionárias. A Lei do Valor, a Lei da Tendência a Queda da Taxa de Lucro, empurram inexoravelmente toda a economia capitalista para o abismo. E a especulação financeira joga aí um papel de acelerador conduzindo todas as empresas ao ataque maciço contra o “Custo do Trabalho”. Nenhuma Cooperativa ou Autogestão pode fugir disso. Estas tentativas terminam por transformar os operários em carrascos de si mesmo. E, pior, e mais grave, retiram deles toda perspectiva de combate de classe contra a classe capitalista para terminar com toda opressão e exploração sobre sua própria classe. Eles são levados pela lógica da economia a buscar mercados, a competir, a aumentar a sua “vantagem comparativa”, a combater e destruir outras fábricas concorrentes, ou seja, destruir postos de trabalho de seus próprios irmãos.
Afastar-se do eixo da luta pela Estatização é inevitavelmente cair na vala reacionária da autogestão ou cooperativa, no caso da tomada de uma empresa. Ou na paralisia mais absoluta. Em nenhum destes casos se pode vencer. A luta pela estatização é a única, duríssima, difícil, mas que pode permitir salvar os 1.000 postos de trabalho da Cipla e Interfibra.
Joinville, março de 2004
Serge Goulart
Source: Esquerda Marxista (Brazil)