Os dirigentes petistas festejam. Ricardo Berzoini, presidente do PT e a maioria das lideranças petistas têm comemorado em coro os resultados das eleições de 5 de outubro. No site do partido, um artigo de balanço credita o crescimento petista à “adesão da população ao modo petista de governar e a aprovação histórica do Governo Lula”. De fato, um primeiro olhar sobre os resultados eleitorais do primeiro turno das eleições municipais parece mostrar uma vitória incontestável do PT.
Os números divulgados no site do PT no estudo “Breve análise do Primeiro Turno das Eleições 2008” são claros: no primeiro turno foram eleitos 548 prefeitos, um crescimento de 137 em relação à 2004 (crescimento de 33%). No que diz respeito aos vereadores o partido passou de 3679 para 4166 (crescimento de 13%).
Observando-se os mesmos dados, percebe-se ainda que os principais partidos que não estão na “base aliada” de Lula - PSDB e DEM - tiveram recuos expressivos no número de prefeitos e vereadores eleitos. Em número de vereadores, PSDB e DEM perderam respectivamente 10,2% e 25,5%. Em prefeituras, o recuo respectivo foi de 10% e 37%.
Os números acima parecem indicar uma lógica clara: Lula atinge picos altíssimos de popularidade; Os “opositores” do governo pagam com um claro revés eleitoral; O PT, galvaniza a “onda Lula” e cresce expressivamente em todo o país.
Entretanto, um olhar mais atento no mesmo documento que traz as estatísticas eleitorais, pode notar que há uma informação no mínimo curiosa. Mesmo com a “onda Lula”, e mesmo com o crescimento em número de prefeituras e vereadores, o percentual de votos destinados ao PT globalmente caiu!!!
Em 2004, 10,7% de todos os votos para vereador foram destinados ao PT. Em 2008, esta porcentagem foi de 10,3%. Para prefeito, o partido recebeu em 2008 16,6% contra 17,2% dos votos em 2004.
Como é possível tal contradição?
O mesmo documento oferece uma boa pista para o enigma. O maior crescimento em número de prefeituras conquistadas pelo PT se situa nos municípios que possuem entre 10 e 20 mil eleitores (59%). Entre 20 e 50 mil eleitores o crescimento foi de 41%, entre 50 e 150 mil de 25%, e finalmente nos municípios com mais de 150 mil habitantes, o aumento de votos foi de apenas 5%.
O que isso quer dizer? O crescimento petista se concentrou nas pequenas e médias cidades, ao passo que nas grandes cidades houve um decréscimo de votos. Pois atenção! Mesmo que nas cidades com mais de 150 mil eleitores, houve um crescimento de 5% no número de prefeituras, houve ao mesmo tempo um razoável decréscimo no número de votos. E é isso pode explicar a queda global de votos no PT como indicamos mais acima.
Em outras palavras, em parte devido à popularidade de Lula, o PT conseguiu se estabelecer nesses redutos de partidos da direita que são as pequenas cidades brasileiras. Ora, a princípio, ninguém poderia achar ruim o crescimento do partido em áreas onde os políticos tradicionais e as oligarquias reacionárias historicamente têm o virtual monopólio do controle político.
Todavia, nas grandes cidades, lugares onde historicamente a militância petista sempre se fez presidente, lugares onde as organizações da classe trabalhadora têm mais peso, o PT perdeu votos.
Se o PT reelegeu prefeitos em cidades como Fortaleza e Recife, em São Paulo fomos surpreendidos pela virada do reacionário Kassab sobre Marta Suplicy, vitória que implicará num dificílimo segundo turno. No Rio, cidade onde Lula sempre teve resultados muito expressivos mesmo antes de ser presidente, o candidato Alexandre Molon não chegou a 5% dos votos. Em Belo Horizonte, a aliança escandalosa entre a direção local do partido e o governador tucano Aécio Neves em torno da candidatura de Márcio Lacerda (PSB) tem sido motivo de vergonha para a militância partidária. Em Salvador e Porto Alegre, mesmo indo para o segundo turno, o PT sai em desvantagem na disputa.
É claro que é possível reverter esta situação, fazendo com que o partido saia vitorioso nestas e em outras cidades onde ocorrerá segundo turno. Mas a grande lição que devemos tirar dos resultados até agora é a seguinte: a política da cúpula partidária tem afastado os petistas da militância, em especial nas maiores cidades! E esse afastamento da militância, que sempre foi o diferencial petista frente aos partidos da burguesia, ajuda a explicar o refluxo nos grandes centros.
E são vários os motivos que afastam os militantes. As campanhas do partido estão mais despolitizadas do que nunca. O eixo da campanha Marta em São Paulo (como de vários outros) são as obras que fará com o apoio do governo Lula, justamente por ser a candidata do presidente. Note-se aqui não apenas a despolitização e banalização do debate – igualando a campanha petista às práticas tradicionais dos partidos da direita – como também a difusão de uma idéia reacionária que subverte a democracia, mesmo a democracia burguesa. Pois afinal defender que São Paulo (ou qualquer outra cidade) terá melhor acesso a recursos e apoio do governo por tratar-se de uma prefeitura petista, é endossar a idéia de que o governo federal deve ser “privatizado” pelas prefeituras que tem ligação política com o governo. É o mesmo que dizer: que seja prejudicada então a população de Curitiba, cujo prefeito (do PSDB) não apoia o governo Lula!
Mais grave ainda são as alianças que o partido realizou em todo o país. Como se não bastassem as alianças com a ‘base aliada” burguesa (PMDB, PP, PL, PR, PTB, PDT, etc.), o jornal Folha de São Paulo (11/10/2008) nos informa que em mais de 2 mil cidades houve algum tipo de aliança do PT com partidos burgueses de fora da base aliada como o PSDB e DEM!
Diluindo-se o PT em meio aos partidos burgueses, a militância petista desaparece de cena. Cada vez mais o partido é engolfado pelos métodos tradicionais de disputa eleitoral. A realização de campanhas pagas e realizadas por pessoas totalmente alheias às tradições petistas (fenômeno que infelizmente já de vem de anos) aumenta em escala gigantesca! Aliado com partidos burgueses e financiado por burgueses, o PT é contaminado pelos métodos da burguesia.
É isso o que explica o aparente paradoxo do prestígio de Lula concomitante à relativa perda de força do partido. Sim, hoje temos mais prefeitos e vereadores petistas do que antes. É possível ainda, e esperamos que o PT vença nas disputas de segundo turno. Mas desde já é possível dizer que esta vitória, do ponto de vista da militância e do ponto de vista das tradições do partido, é uma vitória de Pirro.
Source: Esquerda Marxista