Centenas de milhares de pessoas saíram às ruas de Madri no sábado, 15 de setembro, para protestar contra os cortes de austeridade do governo de direita espanhol de Mariano Rajoy, no que é provável que seja o início de um outono quente de luta de classes.
A manifestação, que foi convocada pelos principais sindicatos CCOO e UGT junto a toda uma série de sindicatos setoriais e outras organizações e movimentos, incluiu dezenas de milhares de pessoas que viajaram entre cinco e oito horas de ônibus para ali estarem presentes. A marcha foi dividida em seis “marés” diferentes que representavam a luta contra os cortes na educação (maré verde), a saúde (branca), os serviços públicos (negra), os direitos sindicais (vermelha), os serviços sociais (laranja) e os direitos da mulher (violeta), em particular contra os ataques ao direito ao aborto.
Alguns destes movimentos estiveram ativos durante mais de um ano, combatendo diferentes aspectos dos planos de austeridade do governo. É impossível calcular quanta gente havia presente, e os dirigentes sindicais não deram uma estimativa concreta, embora alguns falassem de mais de meio milhão e outros mencionassem a cifra de um milhão de manifestantes.
Também houve manifestações separadas nas Ilhas Canárias e em Mallorca. Em qualquer caso, se tratava de uma grande manifestação de raiva pelo acúmulo de ataques contra os serviços públicos e os direitos adquiridos, e foi vista como a continuação direta da mobilização dos mineiros e empregados públicos de julho, mas também como a preparação das duras lutas que estão por vir.
A Espanha costuma ficar completamente morta durante o mês de agosto, do ponto de vista da política e da luta de classes, quando a temperatura supera os 40 graus em muitas regiões. Contudo, este ano foi diferente já que a crise econômica dominou as conversas em todas as partes, inclusive entre aqueles que têm a sorte de se poderem permitir férias de verão de algum tipo. A ameaça de um resgate completo da economia espanhola pela União Europeia e os cortes de austeridade adicionais que serão impostos em troca pairam sobre as cabeças das pessoas.
Em sete de agosto, um grupo de várias centenas de ativistas do “Sindicato Andaluz de Trabalhadores” (SAT), dirigido pelo deputado regional de Izquierda Unida (IU) Sánchez Gordillo, entraram em dois grandes supermercados de Cádiz e Sevilha, e saíram com dezenas de carrinhos de compra cheios de alimentos básicos. Seu objetivo era dar relevo às condições extremas impostas a muitos dos desempregados que não têm sequer o que comer. Em defesa de sua ação, Gordillo explicou como queriam destacar o fato de que “a crise afeta às pessoas com nomes e sobrenomes e com carteira de identidade nacional”, e acrescentou que “em Andaluzia, 35% das famílias nas grandes cidades vive abaixo da linha de pobreza, há 1,2 milhões de desempregados, três milhões de pobres e mais de 200 mil famílias em que todos seus componentes estão desempregados e não recebem nenhum subsídio”.
Enquanto que os meios de comunicação burgueses lançaram uma campanha histérica contra as ações do SAT e de Gordillo, a maioria das pessoas expressou sua simpatia. Este foi apenas um ato simbólico, mas chamou a atenção sobre o verdadeiro impacto humano da crise econômica e sublinhou a bancarrota do sistema. “Nestes tempos de crise, quando estão expropriando ao povo, queremos expropriar aos expropriadores, ou seja, aos latifundiários, aos bancos e às grandes cadeias de supermercados, que estão fazendo uma fortuna em meio à crise”, sustentou Gordillo. Da mesma forma que a luta dos mineiros, as ações radicais do SAT, que foram seguidas por uma marcha a pé por todas as províncias andaluzas, obtiveram amplo apoio público, já que foram vistas como uma referência concreta de luta.
Agosto terminou com o anúncio do governo de por fim ao subsídio de 400 euros aos desempregados de longa duração que haviam perdido todos os demais benefícios, para logo se ver obrigado a retroceder parcialmente ao enfrentar um protesto massivo da opinião pública. Isto foi acompanhado da notícia de que o governo havia decidido retirar a assistência médica gratuita aos imigrantes sem documentos, a partir de 1 de setembro, uma medida que poderia afetar umas 150 mil pessoas, e que mais uma vez golpeia aos mais vulneráveis. Milhares de médicos e outros profissionais médicos assinaram um compromisso público para resistir a esta medida e continuar oferecendo atenção médica a este grupo, mesmo que isto signifique violar a lei. O curso escolar começou este mês com os protestos dos professores, estudantes e pais de família em todos os níveis, desde o ensino primário até ao ensino universitário, e já há greves planejadas. Na segunda-feira, 17 de setembro, houve uma greve nacional dos trabalhadores ferroviários e do metrô contra as privatizações e que paralisaram os trens do país.
De fato, os dirigentes sindicais haviam decidido anunciar a convocação da marcha a Madri de 15S [15 de setembro] já em julho, quando a pressão a favor de uma greve geral aumentava. A chegada da marcha dos mineiros a Madri (Os mineiros em greve são recebidos como heróis em Madri) havia aberto o caminho para um movimento semiespontâneo dos empregados públicos e, em seguida, para as grandes manifestações de 19 de julho (Espanha: protestos sem precedentes contra os cortes de austeridade). Esse estado de ânimo não se dissipou e a manifestação de 15 de setembro foi outra demonstração de força do movimento. A pergunta chave é: e agora? Os dirigentes sindicais continuam resistindo à pressão para convocar uma greve geral, mas é difícil de ver quanto tempo mais poderão manter esta linha. Em vez de oferecerem um plano claro de mobilizações que estabeleça como objetivo a queda deste governo, insistem em exigir um referendo sobre as medidas de austeridade que Rajoy não tem a intenção de convocar.
Já se convocou uma manifestação para 25 de setembro sob o lema de “Ocupar o Congresso”, que, mais tarde, foi mudado para “Cercar o Congresso”. O alto nível de preocupação da classe dominante ficou demonstrado pelo fato de que grupo de ativistas foi detido durante a manifestação do sábado em Madri somente por carregar um cartaz com este lema.
A situação da economia espanhola continua sendo grave e está piorando a cada dia. O Produto Interno Bruto se contraiu outros 1,3% no segundo trimestre. As fugas de capitais da Espanha alcançaram um recorde de 75 bilhões de euros em julho (batendo os recordes anteriores de 56 bilhões em junho e de 43 bilhões em maio). A uma taxa anualizada isto representaria uma fuga total de capitais equivalente a 50% do PIB do país (em comparação com os 23% do PIB na Indonésia no pico da crise de 1997/98). Já se chegou ao acordo de que a Europa colocará à disposição da Espanha até 100 bilhões de euros para o resgate de seus bancos, mas os detalhes deste resgate parcial por ora foram somente acordados, e o dinheiro ainda não foi transferido. O governo de Rajoy quer atrasar o inevitável, o resgate total, tanto quanto seja possível, em parte por cálculo político (há eleições regionais próximas no País Basco e na Galícia), mas isto somente poderia fazer com que toda a situação piore, já que os investidores estão começando a voar do país.
A crise imobiliária e seu impacto nas instituições espanholas ainda não chegaram ao seu ponto mais baixo, enquanto que a crise das regiões autônomas já está explodindo. A Catalunha pediu um resgate a Madri de cinco bilhões de euros, enquanto Valência necessita de outros 4,5 bilhões de euros. Isto significa que somente duas regiões comem a metade do fundo de resgate regional criado pelo governo nacional. Isto, por sua vez, está alimentando as tensões centrífugas que a reacionária classe dominante espanhola nunca foi capaz de resolver de forma progressista, como o demonstra a formidável manifestação de 1,5 milhões de pessoas em Barcelona no passado 11 de setembro a favor da independência.
Quando finalmente o governo se veja obrigado a pedir o resgate total, este virá em condições restritas, o que significará mais cortes de austeridade. No contexto atual, isso poderia dar lugar a uma explosão social sem precedentes que poderia, inclusive, em determinado momento, derrubar o governo.
A pesquisa de opinião mais recente da Cadeia SER mostra o maior colapso na intenção do voto do Partido Popular em 31% (frente aos 44% das eleições gerais de novembro de 2011), mas continua mostrando que não há apoio para o principal partido de oposição, o Partido Socialista (PSOE), que implementou uma política de apelar à unidade nacional, e que somente consegue 24,8% (frente aos 28,7% da desastrosa eleição de novembro de 2011). A mesma pesquisa dá à IU 11,3% (frente aos 6,9% das eleições gerais), enquanto que outras pesquisas dão à coalizão de esquerda 12% e mesmo13%.
Estas cifras não oferecem uma visão completa da enorme crise de regime que a Espanha está atravessando. Não é somente o caso de que a maioria das pessoas esteja questionando o sistema econômico (89,1% dizem que estão insatisfeitos com o funcionamento da economia), é também o fato de que todas as instituições da democracia burguesa estão extremamente desacreditadas. Enormes 71% estão insatisfeitos com o funcionamento da democracia em geral, e uma percentagem ainda maior, 82%, não tem confiança no governo espanhol. Uma sondagem de opinião diferente do instituto oficial Centro de Investigações Sociológicas, em julho, mostrou como 88% desaprovam a forma como estão funcionando os partidos políticos; 88%, os bancos; 81%, o parlamento e 69% pensavam que o sistema judicial estava funcionando mal ou muito mal.
Nestas condições, um programa anticapitalista claro e audaz permitiria à IU capitalizar ainda mais o descontentamento crescente contra o capitalismo e a democracia burguesa. Este seria o desafio principal em sua próxima assembleia federal de dezembro, onde participarão os marxistas de Lucha de Clases defendendo a necessidade de um programa que represente uma ruptura clara com o sistema capitalista e que prepare a organização para os acontecimentos revolucionários que irão de desenvolver.