Há dez anos, em 14 de setembro de 2007, os clientes do banco Northern Rock formavam longas e enfurecidas filas do lado de fora das filiais do banco cercado. Seria um ponto de virada histórica – a primeira corrida a um banco britânico em 144 anos.
Durante um único fim de semana, cerca de £4,6 bilhões foram retirados pelos correntistas, o equivalente a 20% dos depósitos do banco. Essa “corrida” logo empurrou o banco à falência e o Northern Rock foi rapidamente nacionalizado em questão de meses, junto com o Royal Bank da Escócia e o Lloyds. Esse resgate foi considerado necessário uma vez que esses bancos foram todos considerados “muito grandes para falir”.
Dentro de um ano, todo o sistema financeiro mundial se encontrava à beira do colapso, e junto com ele, todo o sistema capitalista. Isso instalou a situação mais perigosa desde a quebra de Wall Street de 1929.
150 anos de “O Capital”, de Marx
Neste mês também se comemora o 150o aniversário da publicação de “O Capital”, de Karl Marx. À sua maneira, ambos os fatos – um na prática, outro na teoria – revelaram a inerente natureza de crise do sistema capitalista. De fato, a análise contida nos escritos de Marx é mais relevante para a compreensão da crise capitalista do que qualquer coisa escrita antes ou depois.
O ameaçador colapso do Northern Rock foi apenas a ponta do iceberg. Um sinal do que estava por vir. Naturalmente, poucos meses antes disso, as autoridades financeiras estavam todas negando quaisquer dificuldades, dizendo que “todos os fundamentos eram sólidos”, exatamente o que disseram antes da crise de 1929. Quando o dilúvio financeiro irrompeu, ele chegou como uma comoção completa.
Mais importante ainda, proporcionou o catalizador da maior crise de superprodução jamais enfrentada pelo sistema capitalista, quando o comércio mundial caiu em mais de um terço e milhões de pessoas perderam seus empregos e lares.
A crise financeira não foi a causa da recessão de 2008/2009, mas agiu como um gatilho, assim como a quadruplicação dos preços do petróleo em 1973 provocou o colapso econômico de 1974. Não fosse a crise financeira, outra coisa teria desencadeado a recessão iminente.
A ajuda de £1,2 trilhões
No fim, o estado britânico, usando o dinheiro dos contribuintes, veio ao resgate dos bancos britânicos por uma enorme quantia de £1,2 trilhões de libras, ou 83% da produção econômica anual do Reino Unido. Essa foi uma ajuda dada por um estado que regularmente denunciava as pessoas pobres como parasitas! Ainda hoje, dez anos depois, estamos pagando pela crise com austeridade permanente.
Então, o que deu errado? Os sumos-sacerdotes do mercado livre nos diziam que os mercados sempre se autocorrigiam e que uma recessão estava descartada. Mas isso era um disparate. O sistema capitalista é intrinsicamente propenso a crises. A recessão não se deveu a algum acidente fortuito, mas surgiu do funcionamento do próprio sistema capitalista.
A força motriz do capitalismo é a maximização do lucro, isto é, a cobiça, ganhar dinheiro – chame-se como desejar. O dinheiro que os capitalistas ganham nunca pode ser suficiente. Eles são motivados pela concorrência a fim de minar seus concorrentes e, se possível, expulsá-los do negócio.
No entanto, isso produz suas próprias contradições. O feroz impulso para redução dos “custos salariais”, ao mesmo tempo em que se aumentam os lucros, também serve para reduzir o mercado de bens de consumo e, eventualmente, leva a uma redução no investimento, o que finalmente leva a uma crise de superprodução. Esse ciclo de boom e recessão é inerente ao sistema capitalista.
A severidade da recessão de 2008/2009 se deu porque o capitalismo, durante todo um período histórico, foi além de seus limites. Quanto mais tempo adiasse a recessão através de medidas artificiais, principalmente através da expansão do crédito, maior o colapso. Porém, mais cedo ou mais tarde o crédito deve ser reembolsado com juros.
O sistema capitalista também chegou aos seus limites. O capitalismo só pode funcionar expandindo-se continuamente, reinvestindo o excedente extraído do trabalho da classe trabalhadora e criando um mercado no processo. Mas os mercados estão saturados e há pouca demanda. Dada essa situação, por que deveriam os capitalistas investir? Sem investimento adequado, todo o sistema se detém ou se instala uma estagnação crônica.
Algumas pessoas descreveram o período atual como de “estagnação secular”. O sistema não pode mais desenvolver as forças produtivas como no passado. Como Marx explicou, assim que um sistema socioeconômico se mostra incapaz de desenvolver as forças produtivas – a indústria, a técnica e a ciência – ele entra em declínio.
Desde 1950, o volume total das mercadorias exportadas aumentou a uma taxa média anual de 6%, o que significa que dobrou a cada 12 anos. Mas o crescimento diminuiu ao longo das décadas: o valor dos bens exportados através das fronteiras aumentou seis vezes entre 1960 e 1980; De 1980 a 2010 o crescimento foi de três vezes, uma diminuição de 50%. Desde então diminuiu ainda mais. Isso é um reflexo do impasse do capitalismo.
Capitalismo de cassino
À medida que a produção de bens e serviços diminuía, as tendências parasitárias dentro do sistema cresciam rapidamente. A manipulação da moeda, as apostas nos mercados de títulos e ações, a corrupção financeira e o “capitalismo de cassino” dispararam e estão todos relacionados à dramática elevação dos mercados financeiros.
De 1977 a 2007, o valor monetário da atividade comercial aumentou 234 vezes, enquanto o valor de tudo o que o mundo produz a cada ano aumentou apenas sete vezes! Os mercados de divisas têm um faturamento de US$ 5,1 trilhões ao dia. Em outras palavras, as montanhas de moedas que estão sendo negociadas não têm nada a ver com as necessidades da economia. Novamente, mais um reflexo claro do mal-estar do sistema.
Na década de 1990, foram criados novos investimentos financeiros – os derivativos – que absorveram o dinheiro especulativo. Foram inventados instrumentos financeiros (assim chamados), como os swaps de inadimplência de crédito, entre outros com nomes estranhos e maravilhosos. Os capitalistas são como os alquimistas da Antiguidade, que tentaram transformar o chumbo em ouro.
Desta vez, estavam apostando no desempenho das empresas. Era como comprar uma apólice de seguro cobrindo a casa de seu vizinho que sabiam que seria incendiada! Um jogo de “Insider trading” [negociação de valores mobiliários baseada no conhecimento de informações relevantes que ainda não são do conhecimento público – NDT].
A dívida sob todas as suas formas – dívida hipotecária, dívida estudantil, dívida de seguros etc. – era dividida em pequenos pedaços e agrupadas junto a dívidas de baixa qualidade e “tóxicas”, recebendo classificação Triplo A das agências de classificação. Quanto mais arriscado fosse o título, mais valia a pena e mais se ganhava.
As infames hipotecas subprime nasceram; as dívidas das pessoas mais pobres foram enfeitadas, fatiadas e vendidas à melhor proposta. O valor dos derivativos cresceu do nada, em menos de 20 anos, para mais de US$60 trilhões em 2007, um valor maior do que o valor de todo o PIB do mundo!
Armas financeiras de destruição em massa
Os bancos e as instituições financeiras ficaram incrivelmente poderosos. Estavam vendendo, nas palavras do magnata estadunidense Warren Buffet, “armas financeiras de destruição em massa”.
Recentemente, The Financial Times colocou de forma muito franca: “O modelo de negócios das finanças equivale em seu conjunto a tirar a nata dos fluxos financeiros que percorrem a economia”. E concluiu: “Isso introduz uma relação perversa entre os interesses das finanças e os da sociedade como um todo” (FT, 15/8/17).
Fazer lucros da forma antiga produzindo coisas agora é considerado coisa velha. Por que não fazer dinheiro do próprio dinheiro em vez disso? Isso era muito mais fácil e consumia menos tempo! Tudo o que se tinha a fazer era comprar e vender pedaços de papel.
À medida em que caía o investimento na produção real, a especulação financeira se transformava em um frenesi. Os banqueiros, os capitalistas e os parasitas financeiros de todos os tipos se lançaram no vagão onde a música tocava. Simplesmente embarcaram no carrossel de fazer dinheiro, que só temporariamente chegou ao fim com o crash. Enquanto isso, sua arrogância foi expressa pelo chefe do Goldman Sachs, que chegou ao ponto de proclamar que estava “fazendo o trabalho de Deus”!
Lucro e exploração
No entanto, a especulação, embora possa fazer ganhar dinheiro, não cria um centavo de riqueza real. Apenas suga a riqueza da economia real.
Como Karl Marx explicou em “O Capital”, a riqueza real não é produzida na circulação ou na especulação, mas no processo de produção. É através do trabalho da classe trabalhadora que a riqueza e, portanto, o lucro, é gerada. De fato, o lucro vem do trabalho não-pago da classe trabalhadora.
Obviamente, se os trabalhadores recebessem o valor pleno do que produziram, não haveria nenhum valor excedente ou lucro. É por essa razão que a classe trabalhadora é paga não por seu trabalho, mas por sua força de trabalho, por sua capacidade de trabalhar e produzir.
Por exemplo, se um trabalhador trabalha um dia de oito horas, ele ou ela pode trabalhar quatro horas para produzir um valor equivalente para cobrir seus salários e quatro horas de trabalho vão para o lucro do capitalista. O mesmo vale para cada minuto ou peça de trabalho que o trabalhador produz. À medida que as commodities são vendidas no mercado, o capitalista usa parte do dinheiro que recebe para cobrir o custo das matérias-primas e da maquinaria que utilizou, enquanto o novo valor criado na produção pelo trabalhador é dividido entre salários e lucros.
Esse processo de exploração era fácil de se ver na Idade Média, quando o camponês era forçado a trabalhar digamos três dias em seu próprio lote e três dias de graça na terra do senhor feudal. O amo estava recebendo algo por nada. Ele era alimentado, vestido e abrigado em seu castelo pelos camponeses que faziam todo o trabalho. O senhor feudal era capaz de fazer isso porque era o dono da terra. O camponês estava ligado à terra de seu senhor como um servo. Produzia apenas o suficiente para manter a si e a sua família vivos, o resto ia para a manutenção do senhor do feudo, de seu séquito e de seus criados.
O trabalhador “livre”
Atualmente o trabalhador é livre – sim, livre para ir de chapéu na mão pedir trabalho a qualquer membro da classe empregadora que o ofereça. Não pode recusar o trabalho, na medida em que não pode sobreviver de ar. Os capitalistas adquiriram o monopólio dos meios de produção, as máquinas, os prédios etc. O trabalhador não tem alternativa além de trabalhar para o patrão. É a classe trabalhadora que produz tudo, mas só ganha um salário de sobrevivência, que necessita ganhar repetidamente, semana após semana, ano após ano, até que a aposentadoria ou a morte nos separe.
Ao contrário do feudalismo, o capitalismo camufla o processo de exploração. Mas o que acontece é essencialmente o mesmo. Os empregadores, donos das fábricas, forçam os trabalhadores a entregar o produto de seu trabalho. Os trabalhadores recebem salários por sua força de trabalho, mas o restante é tudo trabalho não-remunerado que vai para os patrões. O trabalho necessário cobre a manutenção dos trabalhadores, enquanto que o trabalho excedente que realizam se converte no fruto da exploração para os proprietários de capital.
Claro, o capitalista precisa tomar dinheiro emprestado para manter suas operações em marcha antes de vender suas mercadorias e realizar um lucro, já que isso pode demorar semanas. Nenhum capitalista quer amarrar seu dinheiro a estoques não vendidos. Aqui entra o banqueiro ou financista, que exige uma fatia do excedente criado pela classe trabalhadora. O sistema de crédito surge para satisfazer essa necessidade de manter o negócio em marcha. É para engraxar as rodas do capitalismo – a um preço. Nasce o intermediário.
O banqueiro reúne o dinheiro que está inativo, pelo qual está preparado para pagar juros sobre todos os depósitos. Com o tempo, os banqueiros dispõem de todo a riqueza monetária da sociedade. As poupanças então são colocadas à disposição do capitalismo, por uma pequena compensação, é claro. Tal como acontece com o capitalismo no geral, os bancos engolem-se entre si até que se tenha superbancos com quantias assombrosas de dinheiro a sua disposição. Na Grã-Bretanha temos agora quatro grandes bancos. São considerados demasiado grandes para falir!
Então, como os bancos ganham seu dinheiro? Na imaginação popular, um banco somente empresta o dinheiro de seus cofres. Não é o caso. Em primeiro lugar, eles emprestam o dinheiro mantido em depósito e somente guardam o dinheiro suficiente para cobrir as transações normais diárias.
Em segundo lugar, os bancos “criam” dinheiro. Com depósitos de £100, apenas £10 podem ser necessárias para cobrir as transações diárias, deixando£90 disponíveis para uso do banco. Isso logo é considerado pelo banco como uma relação de caixa para empréstimos muito maiores. Essas £90 em depósitos podem agir para cobrir as transações de um empréstimo adicional de £900, que o banco fornece a determinada taxa de juros a um capitalista que, então, compra nova maquinaria. O vendedor das máquinas deposita esse “dinheiro” em sua conta bancária, mas é provável que só utilize 10% dele, ou £90, em algum momento – uma soma que o banco tem em seus cofres e que pode cobrir com facilidade.
Aqui assumimos a figura de um só banco para simplificar, mas o princípio é o mesmo para todo o sistema bancário. Dessa forma, vemos “empréstimos fazer depósitos” e também lucros gordos para os banqueiros. Isso se chama alavancagem.
Regulamentação
Portanto, a condução do banco é impulsionada a emprestar ao máximo para fazer mais dinheiro. Todo dinheiro que “descansa” é dinheiro ocioso – não produzindo um centavo de ganho. É dinheiro morto. Quanto mais dinheiro o banco paralisa, menores seus lucros. Somente o dinheiro que é emprestado está fazendo dinheiro.
Claro, isso é perigoso, uma vez que os bancos podem ficar sobrecarregados. Se todos os depositantes perderem a confiança no banco e pedirem seu dinheiro de volta de uma vez, o banco ficaria arruinado. Foi precisamente tal “corrida ao banco” que derrubou o Northern Rock e outros. Para deter essa tentação de ir longe demais, no passado os governos entraram para regulamentar os empréstimos.
Pede-se a todos os bancos para manter dinheiro suficiente em suas reservas para cobrir todas as eventualidades. Mas à medida em que os bancos se tornavam mais poderosos, tais regras eram crescentemente ignoradas. O desejo de aumentar os lucros se torna muito poderoso. Concebem-se formas e meios para contornar as regras e os regulamentos. Os governos podem tentar limitar os excessos, mas sempre existem lacunas, particularmente em uma sociedade de cão comendo cão. Quando os banqueiros internacionais estão fazendo uma fortuna, é impossível parar. Em qualquer caso, o dinheiro compra influência e políticos.
Basta ver como os lucros dos banqueiros aumentou! De acordo com o Banco da Inglaterra, o retorno sobre o patrimônio líquido, como é chamado, aumentou de uma média entre 5% e 10% na década de 1960 para 23% na década anterior a 2008. O salário dos principais banqueiros também aumentou entre 10 a 20 vezes de 1990 a 2006.
A “alavancagem” dos bancos aumentou constantemente. No século XIX, os bancos tenderiam a manter capital equivalente a cerca da metade de seus empréstimos. Isso caiu para cerca de 20%. No entanto, em 2008 o Royal Bank of Scotland mantinha reservas equivalente a somente 2,2% de seus empréstimos e investimentos. No caso do Northern Rock, a proporção era de apenas 1,7%.
Colocando de outra forma, há um século um banco desmoronaria se um quarto de seus empréstimos dessem errado; na última crise financeira, um dos maiores bancos do mundo, o RBS, afundaria se apenas 2% de seus empréstimos viessem abaixo.
Assim, há 10 anos os bancos estavam à beira do desastre devido a empréstimos imprudentes. Era como um instinto de manada. Em 2006, um quarto de todos os empréstimos e investimentos feitos pelos bancos britânicos foi financiado pela venda de títulos a grandes investidores e empréstimos de instituições financeiras. Em 2008 havia uma brecha de £900 bilhões entre o dinheiro emprestado e o dinheiro que haviam tomado dos depositantes. Esses £900 bilhões foram obtidos de instituições financeiras, incluindo outros bancos. À medida em que a crise se espalhava, essas instituições exigiram seu dinheiro de volta para pagar outras dívidas, causando o crash financeiro.
Como colocou o Financial Times:
“Portanto, os financistas se beneficiam mais quando causam mais danos e representam um grande risco para a economia. Em um sentido muito básico, o que é bom para as finanças é frequentemente mal para a sociedade. É inteiramente legítimo, portanto, pensar na grande parte da remuneração do setor financeiro como ganhos mal adquiridos no sentido moral, se não legal.” (FT, 15/8/17)
Uma nova recessão aparece no horizonte
O sistema capitalista enlouqueceu. No entanto, milhões de vidas dependem dessa loucura. Doentes de cobiça, os banqueiros e os capitalistas levaram-nos ao extremo do desastre e ameaçam-nos novamente com uma recessão profunda, com todas as consequências que a acompanham. Já é tempo de pormos um fim a essa situação.
Marx nos proporcionou a solução: dar um fim ao domínio dos banqueiros e dos capitalistas tirando os bancos e as fábricas de suas mãos e colocando-os sob o controle democrático da classe trabalhadora. De um só golpe isso aboliria a anarquia do capitalismo junto às suas crises e recessões endêmicas e nos permitiria elaborar um plano democrático de produção. Seria como a planificação de uma só fábrica, mas em escala muito maior.
Com a tecnologia à nossa disposição, seria como um favo de mel. Os recursos da sociedade, os frutos de nosso trabalho, poderiam ir então para aqueles que produzem a riqueza. Em vez da loucura da superprodução e de todo o desperdício e destruição que a acompanham, poderíamos produzir racionalmente de acordo com as necessidades da sociedade. Estabeleceríamos uma sociedade baseada no princípio: de cada um de acordo com sua capacidade, a cada um de acordo com sua necessidade.
Para a classe trabalhadora, essa é a verdadeira lição extraída do crash financeiro de dez anos atrás. Também é a lição de “O Capital”, de Marx. Vamos fazer acontecer.