O Referendo de Iniciativa Cidadã (RIC) surgiu como a reivindicação democrática central do movimento dos coletes amarelos. Seu princípio é simples: caso um número suficiente de cidadãos demande, um referendo pode ser organizado sobre toda questão de interesse público – lei, texto constitucional, exoneração de um representante eleito, entre outras.
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O sucesso desta reivindicação é revelador de uma profunda desconfiança em relação às instituições democráticas burguesas. Isso não surpreende. Durante décadas, direita e “esquerda” sucederam-se no poder, para realizar simplesmente a mesma política reacionária. No Parlamento, a maioria dos “representantes do povo” organizou suas pilhagens em favor de algumas centenas de grandes famílias capitalistas.
A crise do capitalismo enfraquece as bases materiais da democracia burguesa. As instituições da Quinta República aparecem cada vez mais como uma vasta maquinaria cujo objetivo é dar a ilusão de que “a maioria decide”, enquanto, na realidade, uma pequena minoria controla e decide tudo. Ao mesmo tempo, os privilégios e os “negócios” infectam a cúpula do Estado. A República exala um insuportável odor de podridão.
Nesse contexto, o RIC é tido como um veículo de intervenção direta do povo sobre os assuntos do país, uma maneira de impor sua vontade contornando as instituições “democráticas” oficiais. Nesse sentido, a reivindicação do RIC tem um significado potencialmente revolucionário. Sobre o espírito de muitos coletes amarelos, está diretamente relacionado à outra palavra de ordem: “poder ao povo!”, além de toda uma série de reivindicações sociais (salários, aposentadorias, entre outras).
A posição da burguesia
Os políticos burgueses compreenderam bem isso e demonstraram, em consequência, grande reserva em relação ao RIC. Por exemplo, é evidente que um referendo que revogue a presidência da República, no meio de mandato, seria fatal contra Macron. Conscientes disso, os adversários do referendo revogatório usam o lamentável argumento de “estabilidade das instituições”. Em nome da “estabilidade”, as massas são convidadas a serem roubadas por Macron até o término oficial de seu mandato, em maio de 2022!
Contudo, deve-se também notar que nem todos os políticos burgueses rejeitam o RIC em bloco, porque acreditam que conseguem neutralizar esse instrumento, torná-lo inofensivo, sem risco aos interesses e ao poder da classe dominante. Afinal, esse já é o caso em certas democracias capitalistas, como na Itália e na Suíça, onde a possibilidade de convocar referendos não prejudica o domínio econômico e político da burguesia. Desse modo, na França, não se pode excluir que, na perspectiva de enfraquecer o movimento dos coletes amarelos, o governo tome a iniciativa de ampliar a possibilidade de organização de referendos – dentro de limites estritamente determinados, quer dizer, compatíveis com a “estabilidade” do sistema.
Por uma democracia proletária!
O movimento dos trabalhadores deve explicar o risco do sequestro do RIC por nossos adversários de classe. Se for apenas um simples aditivo – ou um simples corretivo – ao instrumento “democrático” da Quinta República, o RIC fatalmente será “neutralizado”. Devemos quebrar todo esse maquinário e substituí-lo por órgãos democráticos dos trabalhadores, vinculados a nível local e nacional por um sistema de delegados eleitos e com mandatos revogáveis. O poder não pode ser compartilhado com os capitalistas (“para eles as instituições burguesas, para nós, o RIC”). Devemos tomar o poder totalmente deles. E mesmo que a reivindicação do RIC, tal como defendida pelos coletes amarelos, tenha um caráter progressista, o “poder ao povo” só se efetivará na forma de um governo dos trabalhadores, baseado em órgãos democráticos enraizados nos locais de trabalho, bairros, serviços públicos, entre outros. Mas esses órgãos não caem do céu: inicialmente, devem surgir da própria luta. A ausência de tais órgãos democráticos é precisamente uma das fraquezas do movimento dos coletes amarelos.
Enfim, uma autêntica democracia proletária supõe o controle da estrutura produtiva pelos próprios produtores: os trabalhadores. Enquanto um punhado de parasitas gigantes – os Bouygues, Arnault, Lagardère e companhia – possuírem os bancos e os principais meios de produção, não haverá uma verdadeira “democracia” popular. Sob o capitalismo, a democracia vai até as portas das empresas, onde reina a ditadura do patrão e dos acionistas. Inversamente, o socialismo supõe o controle democrático da produção pelos próprios trabalhadores, a nível local e nacional, na perspectiva de um planejamento da economia que vise satisfazer as necessidades da maioria.
As reivindicações democráticas e sociais dos coletes amarelos não podem ser plenamente satisfeitas sem uma revolução socialista. No momento, esta ideia está longe de ser evidente aos olhos de todos. Mas a experiência não deixará de mostrar a verdade.