As tensões estão altas na Tailândia enquanto uma crise política que permaneceu latente durante anos alcança o ponto de ebulição. Em 22 de maio um golpe militar depôs o governo. O governo, que nada tem a ver com a esquerda, enfrentava uma oposição de direita nas ruas.
Os manifestantes da oposição, contudo, que se compõem das camadas pequeno-burguesas urbanas, estão exigindo que todo o governo seja removido e substituído por um órgão não eleito com o mandato de purgar o sistema político do partido Pheu Thai democraticamente eleito. Ainda que de forma destorcida, este conflito está expressando as divisões de classe na Tailândia que somente serão resolvidas através de um movimento independente dos trabalhadores e camponeses que aspire tomar o poder para si mesmo.
História da Tailândia: golpes no topo, crises para as massas
A história política da Tailândia é dominada por golpes militares. O domínio absoluto da monarquia terminou em 1932 através de uma manobra militar. Reconhecendo o papel da monarquia enquanto argumento comum da reação, os líderes do golpe estabeleceram uma monarquia constitucional com uma Assembleia Nacional, com metade de seus membros nomeados e a outra metade eleita indiretamente. Eleições plenamente democráticas não foram permitidas porque os militares consideravam as massas muito estúpidas para elegerem seu próprio governo – um mantra atualmente repetido pelos manifestantes antigovernamentais sobre os camponeses do Norte da Tailândia.
De forma tipicamente Bonapartista esse governo militar apoiou-se na autoridade do rei para se sustentar e eliminar os elementos radicais que estavam reivindicando a nacionalização da terra. Contudo, quando surgiram conflitos com a monarquia, o governo não hesitou em se apoiar nos militares para esmagar os monarquistas e cimentar sua própria posição.
O poder dos militares, o monarca como um farol da reação, e o desprezo da classe dominante pela democracia têm sido as características das políticas tailandesas desde então. Depois da II Guerra Mundial, durante a qual a Tailândia foi aliada do Japão, o país se tornou um importante aliado dos EUA na Guerra do Vietnã. Os EUA estavam dispostos a confiar nas ditaduras militares para sustentar a classe dominante tailandesa contra o sentimento revolucionário que estava se elevando na base graças à pobreza no seio das massas (57% da população vivia na pobreza no início dos anos 1960) e ao aumento da desigualdade.
As condições de pobreza extrema dos camponeses, que constituíam a maioria da população da Tailândia, e a ausência de liberdade política levaram à revolta dos camponeses no início dos anos 1970 e a um levantamento estudantil em 1973, que foram brutalmente esmagados pelos militares. Os anos 1970 viram maiores instabilidade e golpes com o objetivo principal de eliminar as ideias comunistas, cuja difusão dera grande impulso aos levantamentos camponeses e estudantis no início da década.
Estas campanhas anticomunistas marcaram o começo do reinado do livre mercado e o aumento geral no número de pessoas em condições de pobreza de 1981 a 1988. As áreas rurais do Norte e Nordeste sofriam dos piores níveis de vida, com o início dos anos 1990 vendo em situação de pobreza 85% de todos os que viviam nestas áreas, e entre um quinto e um sétimo da população destas regiões vivendo abaixo da linha de pobreza. Isto apesar do crescimento econômico massivo na Tailândia, com uma média de 12,4% ao ano, de 1985 a 1996. O rico ficando mais rico, enquanto o pobre se tornava mais pobre.
A bolha do “milagre econômico asiático”, na qual a Tailândia desempenhou papel-chave, estourou em 1977 com a economia desabando em torno das facções dominantes que disputavam os despojos da expansão da economia da Tailândia. Pela primeira vez na história tailandesa, o país enfrentou uma grave crise que foi resolvida pela burguesia sem ter que recorrer a um golpe militar. Isto aconteceu em particular porque nenhuma das facções queria tomar o controle de uma economia que havia se contraído uns 10,8% em um ano, nem tampouco queria assumir a responsabilidade pelas condições de intervenção e resgate do FMI que vêm com ele.
A Crise Financeira Asiática, causada pelo rompimento das bolhas especulativas criadas pelo capital especulativo entrando e saindo do Sudeste da Ásia a partir do Ocidente, foi um sintoma da superprodução global presente naquele momento, e que se expressa, atualmente, na crise econômica generalizada.
A não intervenção dos militares nessa ocasião fez pouca diferença para as massas que, sem a liderança de um partido políticos dos trabalhadores, sem nenhuma organização sindical verdadeira, e com o campesinato constituindo a maioria da população, ficaram indefesas ante a investida do FMI. Ao FMI foi dado o direito de intervir diretamente na economia da Tailândia para cortar o gasto público e reformar as instituições financeiras em favor de uma maior exploração do livre mercado. Em outras palavras, tiveram a liberdade para atacar ainda mais a já muito sofrida população de trabalhadores e camponeses. Os militares tailandeses ficaram felizes nesta ocasião em deixar o trabalho sujo de espezinhar a democracia e as massas para o FMI.
Um momento de viragem: a eleição de 2001
No início do século XXI, embora a agricultura representasse uma parcela muito reduzida do PIB quando comparado aos 25 anos anteriores, ainda empregava 51% da população. Um domicílio rural ganhava 3-4 vezes menos em média que um domicílio em Bangkok, e os 25% mais ricos da população possuía mais de 50% mais riqueza do que o restante da população em seu conjunto.
O crescimento foi sendo recuperado lentamente depois da crise de 1977 com a economia crescendo 4,4% em 2000 e 2,2% em 2001. Ainda se recuperando do colapso de 1997, com o FMI respirando em sua nuca e com uma economia frágil da qual ninguém estava desejoso de ganhar o controle, a classe dominante concedeu que as eleições fossem realizadas em 2001.
A eleição em 2001 foi a mais aberta e livre de corrupção que já aconteceu na Tailândia e viu uma rejeição em massa da intervenção neoliberal do FMI. Thaksin Shinawatra foi eleito como primeiro-ministro com 40% do voto (a maior maioria em qualquer eleição livre tailandesa) na base de uma campanha contra as políticas econômicas do governo anterior e contra a corrupção que saturava a política tailandesa. As massas, tendo sofrido tanto tempo, viram as políticas de Thaksin como um desafio ao sistema que, apesar das frequentes mudanças de governo, invariavelmente fracassava em ceder algo para as pessoas simples, exceto sofrimento e repressão.
O fenômeno Thaksin
Thaksin Shinawatra não é um líder operário ou camponês. Ele é um magnata fantasticamente rico das telecomunicações que se tornou um político e é um candidato improvável de ser apoiado pela oprimida população rural da Tailândia. Compreender o movimento de apoio a Thaksin, cuja filha é o primeiro-ministro deposto na semana passada, é vital para se entender a situação na Tailândia no presente momento.
Thaksin foi, em muitos aspectos, uma figura acidental que se encontrou expressando a enorme raiva das classes oprimidas na sociedade tailandesa. Os movimentos políticos na Tailândia, atrofiados por incessantes golpes militares, nunca se desenvolveram ao ponto de se transformarem em partidos dos trabalhadores e dos camponeses. Mas as massas não esperam por um instrumento político perfeito para se expressarem antes de entrar em ação. Thaksin, talvez inconscientemente, tornou-se o veículo do descontentamento das massas graças ao seu manifesto de 2001, que prometia saúde universal gratuita, três anos de moratória das dívidas dos agricultores e o fornecimento de novos financiamentos para ajudar as áreas rurais locais. Pela primeira vez, as massas viam um político que prometia agir em seus interesses.
Este magnata bilionário não estava interessado em uma transformação socialista da sociedade. Contudo, enquanto no poder, implementou certo número de medidas Keynesianas no interesse dos pobres, em particular dos pobres do campo. A renda no Nordeste da Tailândia (a área mais pobre) aumentou 46% no período entre 2001 e 2006. Em termos nacionais, a pobreza caiu de 21,3% a 11,3%, e o coeficiente Gini do país (uma medida da desigualdade) caiu nos quatro anos de 2000 a 2004, depois de ter subido nos quatro anos anteriores sob os auspícios do FMI. Isto lhe garantiu apoio do campesinato, o que fortaleceu a base de apoio de seu partido em face dos setores da classe dominante hostis a suas ideias.
Apesar do crescimento econômico em torno de 5-7% anuais durante o tempo de Thaksin no poder, setores da classe dominante se voltaram contra ele por medo. Estavam com medo, não do próprio Thaksin, que superficialmente parecia ser apenas mais um político burguês que havia logrado astuciosamente apoiar-se no campesinato para se sustentar pessoalmente – estavam com medo das massas que estavam por trás dele, e temiam que Thaksin pudesse conjurar forças progressistas e mesmo revolucionárias que ele seria incapaz de controlar.
Contudo, esses elementos da classe dominante, que se uniram em torno da monarquia e que envolveram todos os seus ataques a Thaksin com alegações de que ele tinha insultado ao rei e queria abolir a monarquia, não se sentiam suficientemente fortes para usar seus tradicionais métodos de golpe para removê-lo. Isso precisamente porque ele tinha as massas de pé por trás dele e os militares temiam a resposta popular se Thaksin fosse removido. Enfrentados à perspectiva de um movimento de massas contra ela, seria difícil ou mesmo impossível para a camarilha militar realizar um golpe, o que forçou esses elementos a ranger os dentes enquanto Thaksin era eleito para um segundo e consecutivo mandato em 2005.
Estas circunstâncias não são específicas à Tailândia. Outros líderes populistas que melhoraram a vida dos pobres como uma forma de assegurar seu poder, incluem Peron na Argentina e Bhutto no Paquistão. Inclusive há paralelismos que se podem tirar com o regime de Hugo Chávez na Venezuela que, se bem foi mais fundo que Thaksin, demonstrou mais de uma vez tanto a força das pessoas simples de lutar contra golpes para defender conquistas que obtiveram sob um governo progressista embora não verdadeiramente socialista, quanto o sufocante papel desempenhado por um partido no poder na luta pelo socialismo genuíno. Todos esses são exemplos da questão de classe na sociedade se expressando de forma peculiar, um fenômeno que reflete o baixo nível do movimento dos trabalhadores e camponeses no país.
O golpe de 2006
Depois de sua segunda vitória eleitoral, a odiosa campanha reacionária contra Thaksin se intensificou. Os críticos fizeram alegações hipócritas, embora provavelmente corretas, de corrupção contra Thaksin, e sua tentativa de privatizar empresas estatais encontraram a resistência de certas camadas da classe trabalhadora. Em alguns casos, socialistas e monarquistas juntaram forças em protestos contra Thaksin. Este fenômeno contraditório é o resultado da posição contraditória que Thaksin ocupava na sociedade tailandesa – um empresário burguês que incorporou as esperanças das camadas mais oprimidas.
Mas a verdade era que Thaksin ainda era enormemente popular nas áreas rurais, entre as mais oprimidas camadas, onde ele foi capaz de convocar às manifestações dezenas de milhares de pessoas de todas as regiões do Norte e Nordeste. Para as pessoas mais oprimidas ele ainda era o que elas consideravam ser a melhor oportunidade para uma mudança fundamental.
Com outra eleição marcada para o final de 2006, os militares decidiram agir, utilizando os protestos conduzidos pelos que eram conhecidos como os “Sangue Azul Jet-Set”, camadas privilegiadas em Bangkok, como cobertura para um golpe de estado que removeu Thaksin da noite para o dia. Isto aconteceu apesar de se ter apenas três mil manifestantes do lado de fora da Casa do Governo no momento e com apenas 26% da população de Bangkok, e muito menos nas áreas rurais, apoiando o afastamento de Thaksin.
Camisas Amarelas versus Camisas Vermelhas
O golpe provocou instabilidade política e conflitos entre os partidários monarquistas reacionários, os Camisas Amarelas, e os adeptos de Thaksin, os Camisas Vermelhas, que continuaram nos seguintes cinco anos. 2007 viu um partido favorável a Thaksin ganhar as eleições somente para ser banido do cargo através de uma decisão judicial em 2008, o equivalente a um golpe judicial.
Durante este período, os acontecimentos alcançaram um ponto de transbordamento, em 2010, quando os Camisas Vermelhas realizaram enormes manifestações contra o governo não eleito de Abhisit Vejjajiva. Estas manifestações foram esmagadas com violência extrema pelos partidários da monarquia. Para acessar uma análise Marxista dos acontecimentos de 2010, vejam aqui e aqui.
Aturdida, a camarilha dominante foi forçada a convocar novas eleições em julho de 2011 que trouxeram Yingluck Shinawatra ao poder sob uma plataforma que tornou clara sua proximidade com Thaksin, uma credencial imensamente reforçada pelo fato de que eles são irmãos.
Ela continuou as políticas que serviam aos interesses dos pobres rurais, sendo mais conhecida a política de subsídios ao arroz, que garantia aos agricultores tailandeses um preço mais alto para suas colheitas do que eles receberiam do mercado internacional. Embora a Tailândia seja considerada como uma nação recém-industrializada, a agricultura ainda é um setor crucial da economia, pelo que esta política teve um enorme impacto por todo o país.
Yingluck Shinawatra
Como seu irmão, Yingluck não é nada mais que uma populista e demagoga – está tentando realizar políticas Keynesianas similares àquelas implementadas por Thaksin. Contudo, diferentemente de seu irmão, ela está enfrentando uma situação econômica global completamente distinta. A economia mundial está em crise e o impacto sobre a Tailândia, uma economia que depende pesadamente das exportações que proporcionam dois terços de seu PIB total, tem sido severo. Em 2011, a economia tailandesa cresceu apenas 0,1% e no primeiro trimestre de 2014 o crescimento foi de apenas 0,6%.
Face a este tipo de crise, o Keynesianismo não é uma opção. A classe dominante não pode oferecer reformas que suavizem as bordas pontiagudas do capitalismo, como o esquema de subsídios ao arroz, porque não tem como pagá-los. A burguesia está nas cordas e sua única opção é a de reaver as pequenas concessões que foram dadas às camadas oprimidas na Tailândia por Thaksin e Yingluck e esmagar as massas no interesse do lucro.
Isto deixa Yingluck em uma situação impossível, atada como está entre as expectativas das massas rurais, sobre cujo apoio ela se baseia, e os interesses do capitalismo que, em última instância, ela realmente representa. Claramente, ao longo de seu mandato no cargo ela reconheceu sua debilidade e tem feito concessões tanto à monarquia quanto aos militares – instituições que sempre se opuseram às políticas de Thaksin.
Os protestos recentes
Mas estas demonstrações de fraqueza simplesmente convidam a agressão e, em novembro de 2013, se produziram protestos devido à proposta de Yingluck de oferecer anistia a todos os condenados durante as violências políticas de 2010, trazendo os Camisas Amarelas às ruas de Bangkok mais uma vez.
Yingluck imediatamente capitulou ante os protestos, não somente permitindo que sua lei de anistia caísse como também convocando novas eleições para fevereiro de 2014. Mas, longe de dissuadir as camadas pequeno-burguesas e monarquistas, sua debilidade simplesmente os encorajou.
A natureza de classe dos manifestantes é revelada por suas alegações contra Yingluck e suas demandas. Acusam Yingluck de ser porta-voz de Thaksin, que está vivendo no exílio desde o golpe de estado de 2006, e que os dois estão supostamente conspirando para derrubar o caquético rei e a monarquia como um todo.
Os manifestantes estão exigindo que este governo democraticamente eleito seja removido e substituído por um conselho popular não-eleito, cujo principal papel é o de purgar a política tailandesa de todos os traços do partido pró-Thaksin Pheu Tai. Em resumo, os manifestantes, baseando-se na lealdade à monarquia reacionária, estão exigindo que todas as concessões às camadas oprimidas sejam revertidas e que se faça as massas pagar a fatura da crise econômica.
Os ataques dos Camisas Amarelas à democracia
A franqueza com que os Camisas Amarelas apregoam suas credenciais antidemocráticas podem parecer, à primeira vista, chocantes, mas de fato eles simplesmente estão dizendo o que a burguesia internacional está pensando. Em meio a uma crise econômica, a classe capitalista não pode permitir a democracia porque os interesses conflitantes dos 1% e dos 99% são muito agudos. Se tiverem uma chance, as pessoas não votarão pelos interesses do capitalismo. Uma genuína democracia dos trabalhadores e camponeses é, portanto, incompatível com o poder do capital.
Em outros lugares, a classe dominante está aterrorizada de que uma verdadeira saída para a crise e austeridade seja oferecida às massas, e olham com inveja para a Tailândia onde a classe dominante é capaz de muito simplesmente produzir golpes de estado sob a cobertura de pequenos protestos, quando enfrenta um perigoso movimento populista.
Fiel à sua forma antidemocrática, os manifestantes boicotaram e interromperam as eleições em fevereiro de 2014, embora seu pequeno número significasse que tiveram impacto limitado, e o partido de Yingluck recebeu a maioria esmagadora dos votos. Os Camisas Amarelas nunca ganharam uma eleição livre e justa, somente tomaram o poder vez ou outra na esteira de golpes de estado e intervenções militares. Dessa forma, não surpreende que tenham recusado participar nesta eleição.
Durante estas manifestações, a classe privilegiada, que é o núcleo dos manifestantes, afirmaram que os camponeses do Norte do país eram muito estúpidos para entender em que estavam votando. Isto está sendo usado para justificar as demandas antidemocráticas dos Camisas Amarelas. Esta blasfêmia está irritando as pessoas das zonas rurais pobres, como disse uma mulher na aldeia de Nhong Huu Ling: “Bem, sei que eles são mais educados que eu, mas pelo menos eu entendo o que é democracia. Aquela gente em Bangkok, que foram para a universidade ou estudar no exterior, como é que não entendem o que é democracia?” A realidade é que eles entendem muito bem o que é democracia e porque não podem permiti-la agora.
O tribunal constitucional, uma arma de reserva no arsenal da reação que foi usada em 2008 para efetivar um golpe judicial, foi novamente utilizada para declarar as eleições de fevereiro inválidas devido aos violentos protestos dos seguidores dos Camisas Amarelas. Apesar dos minguados números de manifestantes de oposição, concentrados em apenas um local em Bangkok, Yingluck capitulou novamente e convocou novas eleições para julho de 2014. Mas sua debilidade convidou a agressão e o tribunal constitucional atacou novamente na semana passada exigindo-lhe a renúncia como primeiro-ministro por supostas práticas corruptas realizadas em 2011 (uma chocante e hipócrita alegação dado o histórico de corrupção da monarquia, dos tribunais e dos seguidores dos Camisas Amarelas).
Ao remover Yingluck e mais nove de seus ministros, o tribunal efetuou outro golpe judicial, embora seja um golpe que não alcança todas as demandas dos Camisas Amarelas que querem ver nomeado um conselho não-eleito para iniciar o trabalho de purgar as ações políticas progressistas da Tailândia e atacar os camponeses.
Onde estão os Camisas Vermelhas?
Ao longo de tudo isto, Yingluck tinha um ás na manga e que ela se recusou a jogar. Graças às peculiaridades do desenvolvimento dos movimentos políticos na Tailândia, Yingluck está à frente da massa de camponeses que a apoiam e a seu irmão como os únicos políticos na história da Tailândia que implementaram medidas a seu favor.
Esses Camisas Vermelhas demonstraram sua força em 2010, quando elementos de poder dual começaram a emergir na Tailândia na esteira de seus protestos pró-Thaksin – protestos que somente foram esmagados devido aos embustes da liderança e a sua ausência de um programa claro. Embota Yingluck tenha repetidamente ameaçado convocar seus seguidores para defender seu governo contra os ataques dos Camisas Amarelas e do tribunal constitucional, ela nunca realmente o fez, preferindo se retirar, capitular e conceder ante a oposição. Por que ela não convocou os Camisas Vermelhas em sua defesa?
Alguns comentaristas sugeriram que Yingluck está com medo de criar uma situação em que as demonstrações de massas se enfrentem entre si, como em 2010, porque proporcionaria uma desculpa à intervenção militar e, como é tradicional, um golpe de estado para removê-la. Dada a história da Tailândia isto parece ser uma preocupação legítima.
Contudo, a história da Tailândia também mostra que os militares nunca precisaram de uma desculpa para tomar o poder e que já interviram em estágios mais iniciais durante movimentos de levantes sociais na Tailândia que o atual. As razões para a hesitação dos militares agora têm paralelos com a sua ausência em 1997, durante a crise financeira da Ásia, no sentido de que ninguém quer se responsabilizar pelas medidas que terão que ser tomadas para salvar o capitalismo tailandês.
Mas um fator muito mais importante do que este é que os militares temem a força dos Camisas Vermelhas e sua reação à destituição de Yingluck e seu partido. Esta também é a razão porque o tribunal constitucional não se sentiu capaz de remover todo o partido Pheu Thai de um só golpe. A classe dominante se lembra muito bem do movimento dos Camisas Vermelhas de 2010 que, com um claro programa e uma liderança militante, poderia ter se desenvolvido em um exitoso movimento revolucionário. Estão com medo de reacender este movimento.
Na realidade, esta também é a razão porque Yingluck não convocou os Camisas Vermelhas em sua defesa. Ela também pode ver o potencial revolucionário das massas rurais e está aterrorizada com isto. Como seu irmão, ela é um gangster burguês, embora com alguma compreensão das massas. Ela gastou sua vida construindo uma fortuna pessoal e não será agora que invocará as forças revolucionárias existentes que poderiam levar tudo isto para longe dela.
Mesmo agora que foi removida como primeiro-ministro ela está sendo cuidadosa em como agir. Em 10 de maio ela convocou uma manifestação dos Camisas Vermelhas, mas esta foi realizada a 40 km do centro de Bangkok, onde os manifestantes da oposição estavam mobilizados. Até agora ela parece ter oferecido pouco na forma de uma estratégia ou plano para um contra-ataque aos Camisas Amarelas e ao tribunal constitucional que a removeu. Como tem sido consistentemente o caso durante os últimos seis meses, ela está deixando a iniciativa aos reacionários, paralisada pelo medo aos seus próprios seguidores.
A seriedade do potencial revolucionário na Tailândia causou impressão sobre os investidores externos, assim como sobre Yingluck e seus inimigos. Moody’s, a agência de classificação de crédito, disse na última semana que a Tailândia era crédito-negativa e que as previsões do PIB estavam em queda livre desde dezembro de 2013. Credit Suisse revisou o crescimento de 2014 abaixo de 2%, enquanto o Banco da América colocou sua previsão de crescimento em 1,1%. Toyota alertou que a crise é de uma natureza que compromete futuros investimentos no país e Honda anunciou que se retirará do desenvolvimento de uma planta de fabricação de 530 milhões de dólares durante pelo menos seis meses.
Claramente, diferentemente dos períodos anteriores de distúrbios que nunca sacudiram demasiado os mercados, os investidores internacionais consideram que, nesta ocasião, há potencial para perturbações graves, em vez de um simples rearranjo de qual camarilha controla o país. A burguesia internacional, assim como a classe dominante tailandesa, também vai ficar esperando que Yingluck não libere as massas que estão por detrás dela.
A necessidade de um movimento independente
Se Yingluck não mobilizar seus seguidores, então os próprios Camisas Vermelhas devem fazê-lo por si mesmos. É através da ação independente dos trabalhadores e camponeses que eles serão capazes de derrotar a camarilha militar, a monarquia e os reacionários Camisas Amarelas. O que se necessita é que o movimento vago e dividido dos Camisas Vermelhas, composto em sua maioria de camponeses, se una à classe trabalhadora nas cidades, que até agora não tem desempenhado nenhum papel real nos acontecimentos, para formar um movimento unido dos trabalhadores e camponeses sob a liderança do proletariado.
Este seria um movimento baseado em classes, livre do controle de demagogos burgueses e capaz de agir de forma decisiva e independente contra a classe dominante na Tailândia. Esta é a única forma de se salvaguardar e melhorar os padrões de vida das massas populares na Tailândia. Confiar em alguém além de si mesmos somente levará à miséria das massas nas mãos da burguesia.
Um movimento independente dos trabalhadores e camponeses poderia tornar explicita a posição antimonarquista que sempre esteve latente no movimento dos Camisas Vermelhas. Não há nenhuma dúvida de que a monarquia é, tanto na Tailândia quanto em outros lugares, um bastião da reação e uma arma de reserva da classe dominante para uso contra os movimentos populares. Em uma monarquia constitucional o papel do monarca é limitado ao cerimonial durante os períodos de governo estável da burguesia – uma distração útil e um símbolo do conservadorismo que fazem prevalecer os valores burgueses na consciência da nação.
No entanto, esta instituição, construída pela classe dominante como um organismo místico e independente em períodos de relativa paz social, adquire muito maior significado em períodos de turbulência revolucionária e aberta guerra de classes. O monarca tem importante poderes constitucionais que podem ser desdobrados como uma salvaguarda quando os procedimentos democráticos dão à burguesia uma resposta que ela não gosta. Neste sentido, a monarquia é um ponto de convergência para todas as forças reacionárias na sociedade.
A abolição da monarquia e a nacionalização de todos os seus ativos deve ser um componente central do programa do movimento dos trabalhadores e camponeses. Isto deve fazer parte de uma demanda para reescrever a constituição, dando o pleno controle democrático da Tailândia aos trabalhadores e camponeses através do estabelecimento de uma assembleia constituinte e pela tomada de todas as terras e das maiores empresas em propriedade do estado.
A classe dominante adquiriu muita experiência na execução de golpes de estado violentos e de medidas contrarrevolucionárias, então para defender as conquistas que um movimento independente dos Camisas Vermelhas podem ganhar, deve-se armar o povo contra os militares e lutar pelo direito dos tailandeses de assumir o controle sobre suas próprias vidas.
Potencial revolucionária
Um movimento Camisa Vermelha organizado ao longo dessas linhas, com uma forte liderança e um claro programa socialista, seria imbatível. Mas, sem este movimento, a guerra civil é uma possibilidade distinguível. Enquanto as diferentes facções burguesas manobram e enganam, a luta de classes continuará a se desenvolver. A situação não pode permanecer na espera por muito tempo.
Ambos os lados no conflito de classe aprenderam dos acontecimentos de 2010. Apesar do medo que aqueles acontecimentos inspiram na classe dominante, a crise econômica a forçará a agir contra os trabalhadores e camponeses em breve. Mas as massas já sentiram o gosto de sua própria força.
Como disse uma mulher: “Não vamos aceitar outro golpe de estado, como nos velhos dias, lutaremos para manter o governo que elegemos. E se os militares tentam um golpe novamente, estamos prontos para sair, para morrer pela democracia”. As sementes da revolução estão presentes na Tailândia; é nossa tarefa construir um movimento Marxista dos trabalhadores e camponeses e vê-lo florescer.
Traduzido por Fabiano Adalberto