Eleições gregas: vitória frágil da classe dominante. Syriza se fortalece! (quarta parte). Pontos programáticos para um governo da Esquerda na Grécia

Publicamos em seguidas as propostas dos marxistas gregos para o combate no Syriza. Estas propostas foram redigidas antes das eleições gregas e deixam claro que para sair da crise, a premissa fundamental está em que o controle sobre a economia deve ser retirado das mãos dos grandes monopólios e colocado sobre o controle e administração dos trabalhadores.

Salários – Relações de trabalho – Padrões de vida

Em um momento em que os interesses dos banqueiros são salvaguardados de forma escandalosa, a classe trabalhadora está lutando para sobreviver em condições intoleráveis nunca vistas antes. De acordo com um relatório preparado pelo Conselho Grego de Inspetores de Trabalho, durante os dois primeiros meses de 2012 houve reduções salariais de 55%. Além disto, somente um em cada 10 empregadores está pagando corretamente aos seus trabalhadores, com 400 mil trabalhadores sem receber qualquer pagamento por até cinco meses. De acordo com a mesma fonte, um em cada três trabalhadores não tem cobertura de seguro social e de saúde, enquanto que muitos contratos de tempo integral estão sendo rapidamente convertidos em contratos a tempo parcial ou reduzidos a contratos por horas de trabalho. A proporção dos contratos a tempo parcial subiu a 30,65% em 2011, comparada a 16,7% em 2009. A proporção de contratos reduzidos a horas trabalhadas subiu de 4,3%, em 2009, para 8,95%, em 2011.

Os dados oficiais do Serviço de Estatísticas Gregas indicam que mais de dois milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, com menos de 6.800 euros anuais. Outros estudos, como o de 2011 de “Focus Bari”, indicam que 46% da população da Grécia estão reduzindo a compra de alimentos; 69% pararam de comprar roupas; 41% não podem se dar ao luxo de tirar férias, e mais de um milhão renunciaram ao aquecimento de suas casas porque não podem pagá-lo. No total, 3,5 milhões de pessoas são incapazes de lidar com qualquer gasto súbito urgente que possa surgir, como despesas médicas e assim por diante.

Em tais condições subumanas, a saúde mental e física da população da Grécia está ficando severamente comprometida. Os suicídios estão se tornando endêmicos. Os assassinatos aumentaram duas vezes e as infecções HIV e o uso de heroína aumentaram 20%. Pela primeira vez, as escolas forneceram fotocópias em vez de livros escolares aos estudantes, enquanto que a maioria dos hospitais não dispõe do essencial.

A anulação das medidas que foram tomadas de acordo com o Memorando seria certamente um passo significativo na direção certa. No entanto, isto não resolveria a situação, em absoluto. Embora o cancelamento das medidas contidas no Memorando permita uma melhoria das relações trabalhistas e interrompa o declínio dos padrões de vida, a maioria das pessoas ainda estaria muito longe de assegurar um sustento digno.

Mesmo antes das dramáticas reduções provocadas pelo segundo Memorando, o poder de compra dos salários mais baixos retornou aos níveis de 1984 (!), de acordo com o Instituto do Emprego da Confederação Geral dos Trabalhadores Gregos (INE-GSEE).

Entre 1998 e 2007, o Estado grego disponibilizou 3.530 euros per capita para fins de seguridade social, enquanto a média da Zona do Euro era de 6.251,78 euros. No entanto, durante este período os lucros dos capitalistas dispararam. Com base nos dados estatísticos de “ICAP” e “Rizospastis” [“O Radical”, o jornal do Partido Comunista Grego], entre 1990 e 2007 os lucros aumentaram 28 vezes, considerando que os lucros chegaram a 575 milhões de euros em 1990 e a 16 bilhões de euros em 2007.

Sobre a decisiva questão de se reverter a queda devastadora dos padrões de vida da classe trabalhadora e das camadas mais pobres da sociedade, um governo da Esquerda deve aplicar imediatamente as seguintes medidas:

Abolição de todo tipo de relações “flexíveis” de trabalho. Emprego com plenos direitos e com número consistente de horas de trabalho a ser definido por um comitê nacional sob o controle dos trabalhadores;

Total legalização dos trabalhadores imigrantes, aos quais serão prestados os mesmos direitos dos trabalhadores nacionais;

Criminalização da evasão das contribuições de seguridade social por parte dos empregadores. Expropriação sem compensação de grandes empresas que não observarem a legislação do trabalho proposta, ou que não paguem suas contribuições de seguridade social. Pesadas multas e tomada do comando da propriedade por delitos correspondentes por parte das pequenas e médias empresas;

Criação de um Fundo de Seguro Unitário/Comum dos Empregados que garantiria a prestação de uma aposentadoria decente e a cobertura médica total para todos os trabalhadores. Isto seria financiado bilateralmente pelo Estado e pelos empregadores. A gestão do fundo deve ser eleita entre os representantes dos trabalhadores;

Abolição da educação, da saúde e dos seguros privados. As péssimas condições dos hospitais públicos, que ameaçam as vidas de milhares de pessoas pobres, clamam pela tomada de medidas drásticas para combatê-las. Isto significa que seriam expropriadas todas as grandes empresas que oferecem serviços de saúde, compensando apenas os pequenos acionistas e similares;

Os salários dos setores público e privado, as aposentadorias e os subsídios devem, inicialmente, ser aumentados até o nível necessário para que todos os trabalhadores, aposentados e todas as outras pessoas que dependem de subsídios do Estado, tenham garantido um padrão de vida decente, e esse padrão deve ser estabelecido por um comitê nacional sob o controle dos trabalhadores;

Ajuste automático dos novos salários, aposentadorias e subsídios para que seu valor reflita as flutuações dos preços das mercadorias de consumo essencial para uma família de trabalhadores e que os preços sejam estabelecidos por um comitê sob o controle dos trabalhadores;

Financiamento imediato das lacunas prementes na área da saúde, educação e despesas da seguridade social, de acordo com um estudo específico, baseado em evidências, por parte dos representantes dos trabalhadores desses setores eleitos por seus pares nesses setores;

É de extrema importância buscar e obter fundos para financiar a execução de um programa de medidas que transforme radicalmente a crescente desigualdade e a devastação do padrão de vida das massas. Uma pesada taxação da riqueza e do capital é necessária, mas não será suficiente. O que se necessita é de um programa total e imediatamente aplicável que configure uma economia socializada planificada com medidas que estão a ser desenvolvidas nesse ínterim, enquanto o programa estiver sendo implantado. No entanto, ainda vai demorar para que estas medidas de socialização sejam traduzidas em receitas e em elevação dos padrões de vida das massas. É necessário, portanto, aplicar simultaneamente um conjunto de medidas que darão resultados imediatos, a fim de se financiar o programa de retificação dos padrões de vida devastados da classe trabalhadora e das camadas mais pobres da sociedade. Estas medidas imediatas devem ser:

  • A redução do salário de todos os funcionários públicos de alto nível – incluindo os do exército, dos serviços de segurança e do judiciário, titulares de cargos públicos, membros do governo, o Presidente da República, membros do parlamento e dos gabinetes dos prefeitos – ao nível do salário de um trabalhador qualificado. A poupança decorrente desta medida seria transferida para os aumentos de salários dos trabalhadores comuns do setor público. Todos os privilégios de que gozam os funcionários públicos de alto nível e os titulares de cargos públicos devem ser abolidos.
  • Até que a economia volte a crescer, deve haver a suspensão de todos os gastos militares (não obstante o pagamento do pessoal de acordo com o que foi dito acima), com exceção das despesas que forem consideradas absolutamente necessárias segundo um comitê eleito que inclua representantes do governo, das fileiras do pessoal militar e do comitê nacional sob o controle dos trabalhadores.
  • Total nacionalização da propriedade dos responsáveis por escândalos envolvendo corrupção e esbanjamento da riqueza pública. A propriedade detida pela Igreja deve ser desapropriada e posta a serviço do bem comum. As receitas decorrentes desta medida devem ser imediatamente canalizadas para a saúde, educação e seguridade social. A Igreja é proprietária de 10 mil organizações que entre elas somam 1.300 milhões de metros quadrados de terra, 900 imóveis que ela aluga para receber a renda. A Igreja também recebe fundos de programas da União Europeia e do Fundo Lotérico Nacional Grego. Ela também tem depósitos significativos em fundos e ações nos bancos gregos. Em um relatório publicado no jornal “Kathimerini” em 18/10/2009, estimava-se que o valor das propriedades da Igreja era de cerca de 15 bilhões de euros. Este número, contudo, nem inclui os 2.500 templos e monastérios, nem a propriedade que pertence a estes últimos!
  • Deve haver total separação entre Estado e Igreja. O atual cargo de clérigo que faz parte do setor público deve ser abolido. Devem continuar sendo mantidos através de vários programas sociais, sob a condição de prestar trabalho socialmente útil e até que encontrem outro emprego, ou mantidos pelas contribuições privadas dos fiéis.
  • Expropriação de todas as empresas rentáveis nas quais o Estado tenha participação, ainda que pequena (principalmente aquelas que anteriormente eram de propriedade estatal). Compensações somente devem ser oferecidas àqueles que venham a sofrer com tais expropriações, tais como os de salários baixos ou com um pequeno número de ações. O déficit total dos hospitais é em torno de 1,58 bilhões de euros; este déficit poderia ser facilmente eliminado quando consideramos que o lucro líquido do Fundo Lotérico Nacional grego em 2011 foi de 537,5 milhões de euros e que o lucro líquido do primeiro trimestre de 2012 somente da antiga empresa estatal de telecomunicações (OTE) foi de 306,6 milhões de euros.

Desemprego

O desemprego é o maior flagelo para milhões de trabalhadores. O colapso social causado pela profunda crise do capitalismo grego é refletido no aumento rapidamente crescente do desemprego. De acordo com os dados mais recentes do Instituto do Emprego da Confederação Geral dos Trabalhadores Gregos (OIE), o número total de pessoas desempregadas é em torno de 1,2 milhões ou entre 23-24% da força de trabalho. Com base nas projeções, a previsão para dezembro de 2012 é algo em torno de 28%!

De acordo com as estimativas de OIE, adicionais 5% devem ser incluídos neste índice, visto que existem pessoas desempregadas sem registro. A situação é muito pior para aqueles entre as idades de 18 a 24 anos, onde o desemprego ronda os 50%. Isto está longe de ser “temporário”, visto que as estimativas de OIE referem-se à permanência de 1,1 milhão de desempregados, mesmo durante o tempo da recuperação projetada da economia grega que o Memorando considera que deva ser por volta de 2015.

Claramente, o desemprego está longe de ser temporário. Ele é permanente. O que isto significa é que centenas de milhares de pessoas estão enfrentando a perspectiva de morrer de fome, de carências e de doenças em um país com uma moderna economia e com instituições democráticas formais que existem supostamente para garantir constitucionalmente o direito ao trabalho.

A maioria esmagadora das pessoas atingidas pelo desemprego está se voltando para o apoio eleitoral a SYRIZA e tem uma expectativa fundamental de um governo da Esquerda: um emprego, uma posição na própria vida! Um governo da Esquerda vai ter que atender às expectativas depositadas nele a partir do apoio e do endosso que recebe de milhares de pessoas, pessoas que são dispensadas pela Troika e pela burguesia grega como “perdedores” a serem sacrificados em nome do lucro.

Portanto, não é aceitável, para um programa de governo da Esquerda, omitir a garantia básica de uma posição humana e decente de emprego para cada desempregado! Com relação à questão do desemprego, não pode haver reforma “gradual”. A única classe progressista da sociedade está em risco de aniquilação! Chegou o momento para colocar  em prática a demanda histórica do movimento dos trabalhadores por uma escala móvel das horas de trabalho; isto é, a redução da jornada de trabalho a fim de que todos estejam empregados.

Naturalmente, a claque e os apologistas da classe dominante considerarão isto como “impraticável”. Os que não foram afetados pela crise, os capitalistas gregos, estarão sem dúvida se queixando que não podem se dar ao luxo de contratar mais pessoas. Um governo da Esquerda, na medida em que é verdadeiramente revolucionário e um autêntico defensor dos interesses da classe trabalhadora, terá que enfrentar a incapacidade do capitalismo de garantir a existência de seus próprios vassalos assalariados. Também deve considerar isto como a prova viva da necessidade de tal governo – apoiado pela classe trabalhadora organizada – tomar medidas que esmaguem o capitalismo.

Um governo da Esquerda, portanto, deve tomar as seguintes medidas para erradicar o flagelo do desemprego:

Em colaboração com os sindicatos e o comitê nacional sob o controle dos trabalhadores, unir os empregados com os desempregados em uma inquebrantável relação de solidariedade. O governo, sindicatos e comitê nacional devem em conjunto mapear e desenvolver um inventário de todos os empregos existentes, de todos os trabalhadores disponíveis de acordo com a indústria/setor e das empresas que foram fechadas desde a eclosão da crise, e de todos os recursos para imediatamente desenvolver um programa de obras públicas socialmente úteis.

O propósito deste “recenseamento” da força de trabalho nacional, do número de empregos, dos níveis de desemprego e dos recursos disponíveis é de redistribuir a força de trabalho disponível a todos os postos ativos de emprego, a todos os empregos que serão criados a partir de um programa de obras públicas úteis, e a todos os empregos que surgirão quando as empresas que tinham sido fechadas forem reabertas. As horas de trabalho terão que ser reduzidas para todas as categorias na extensão necessária para que todos estejam empregados. Os salários não serão afetados pela quantidade variável de horas de trabalho (visto que os salários estarão baseados sobre o que se considerar como montante suficiente para assegurar um meio de vida decente e humano, e visto que eles flutuarão para atender aos aumentos dos preços das mercadorias essenciais). As empresas de grande porte que recorram à demissão de funcionários ou que busquem desafiar o plano nacional de contratação e da escala móvel das horas de trabalho serão expropriadas sem indenização;

O governo deveria incentivar aos trabalhadores, com base em um novo e adequado quadro jurídico, a assumir as grandes empresas que fecham e a operá-las eles mesmo, assumindo a gestão e a administração destas empresas com o auxílio de especialistas e consultores científicos. O governo teria de imediatamente montar um cronograma de acordo com o qual estas empresas devem ser socializadas e ligadas a outras organizações socializadas por cada setor de produção econômica;

Os trabalhadores que perderam seus empregos devido ao fechamento de uma pequena empresa devem ser adicionados a uma lista prioritária para os trabalhos que surgirem como disponível no programa de obras de utilidade pública;

Os trabalhadores que perderam seus empregos devido ao fechamento de uma empresa de médio porte devem receber apoio (tais como crédito barato, encomendas e assim por diante) para que possam coletivamente operar aqueles negócios ao mesmo tempo em que são encorajados através de incentivos de financiamento público a se juntarem com outros negócios similares e que se encontram sob a direção e o controle do Estado;

Até a conclusão bem sucedida do plano nacional de recolocar todos os desempregados em empregos, um subsídio de desemprego em torno de 80% do salário básico deve ser disponibilizado a toda pessoa desempregada, independentemente da quantidade de anos de vida ativa e por toda a duração de seu período de desemprego. Este benefício seria estendido sob a condição de que os beneficiários se disponibilizem para qualquer trabalho socialmente útil, se necessário, em menos horas do que aquelas para as quais a escala móvel das horas de trabalho proporcionaria.

As medidas acima são as únicas capazes de garantir uma resposta definitiva ao flagelo do desemprego. Por sua própria natureza elas equivalem a passos práticos na direção do estabelecimento de uma economia socialista centralmente planificada. A única solução estável e definitiva para o flagelo do desemprego, no entanto, reside na criação de tal economia, o que, por sua vez, levaria à transformação socialista da sociedade.

Socialização do sistema bancário

Os bancos estão no epicentro da crise do capitalismo, globalmente. Primeiramente, isso reflete o papel central dos bancos nas economias capitalistas contemporâneas. Com o desenvolvimento dos monopólios durante a era imperialista, no alvorecer do século passado, os grandes bancos não se limitavam a emprestar; eles penetraram na indústria e se fundiram ao capital industrial, formando dessa forma uma nova oligarquia financeira. Desta forma, eles progressivamente acumularam o controle efetivo sobre a economia.

Durante o período anterior de desenvolvimento, os banqueiros usaram o seu poder sobre a economia de forma extremamente irresponsável. Tirando vantagens das baixas taxas de juro em relação a empréstimos, taxas de juro estas que tinham sido estabelecidas para prolongar artificialmente o período de desenvolvimento, eles se engajaram em uma orgia de emissão e negociação de derivativos lucrativos, apostando, dessa forma, em valores fictícios. Havendo embarcado em gigantescas aventuras especulativas, com a irrupção da recessão, foram ameaçados pelo efeito dominó das falências. No entanto, o custo de suas decisões não foi cobrado aos banqueiros onipotentes. Eles apresentaram a fatura aos contribuintes trabalhadores, inflando assim o balão da dívida nacional, enquanto continuavam a especular, o que, como o demonstra o recente exemplo de colapso dos bancos espanhóis, continua a ameaçar a economia global.

Os bancos privados gregos entraram nesta jogada geral, incitante e parasitária, embora de forma diferente. Apesar de não se enredarem a si mesmos no que era em geral a exposição aos riscos dos derivativos rentáveis, eles lucraram extensamente com a dívida pública e com os seus clientes domésticos. Desde 2001, quando o Estado grego entrou para a Zona do Euro, os bancos lucraram em detrimento dos seus clientes e do Estado Grego. Eles emprestaram a taxas próximas a media da Zona do Euro de 1%, mas emprestaram ao Estado grego a taxas exorbitantes e aos seus clientes a taxas excessivas de 3%. Durante esse período, a tributação média cobrada sobre estes bancos era de apenas aproximadamente 17%. Tudo isto fez seus lucros subirem aos céus como um foguete, de modo que entre 2000 e 2009 seus lucros alcançaram um total de 41 bilhões de euros.

Sua ganância fez com que quase 30% da dívida nacional grega existente se devam a eles, de forma que eles continuaram a tirar vantagem das altas taxas dos empréstimos cobradas ao Estado. Quando a crise aprofundou, levando à drástica redução no valor dos títulos emitidos pelo Estado, os proprietários de menor porte de títulos foram forçados a sofrer as perdas e a aceitar o custo do investimento de risco que se materializou. Os banqueiros, no entanto, não tiveram nenhuma perda. Além do mais, a fim de obter o consentimento deles ao corte do valor nominal dos títulos de 53%, eles receberam como compensação 48 bilhões de euros, que mais uma vez o Estado grego teve que pedir emprestados do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), aumentando dessa forma sua dívida nacional e tornando-a ainda mais sobrecarregada pelos juros. E tudo isto aconteceu para que os banqueiros não tivessem que enfiar as mãos em seus próprios cofres para proteger seu próprio negócio, nem nos lucros exorbitantes que acumularam entre 2001 e 2009, nem nos seus enormes depósitos de capital de 430 bilhões de euros que continuam a deter durante a crise. E, enquanto o Estado grego pesadamente endividado tem amparado os grandes bancos a um nível de cerca de 1000% de seu valor, e os vem recapitalizando, este mesmo Estado não teve nada a dizer ou a opinar em relação à maneira como os bancos são gerenciados!

Para que um governo da Esquerda sobreviva à guerra econômica implacável que a Troika e a burguesia grega inevitavelmente moverão contra ele, deve romper definitivamente o “nó górdio” do parasitismo e da fraude causados pelos bancos nacionais. Dada a importância estratégica do setor bancário ao bem estar econômico do Estado, um governo da Esquerda teria de arrancá-lo das mãos sujas do capital que já negocia 165 bilhões de euros de depósitos de poupança. Isto somente pode se tornar uma realidade através de:

Socialização do setor bancário. Isto significa que todos os bancos devem se tornar inteiramente de propriedade do Estado, sem indenização, salvo para os pequenos acionistas e depositantes, e serem aglutinados em um Banco Central Estatal. Através da fundação deste banco, o que está sendo realmente fundado é um organismo central para planejar racionalmente o investimento e a disponibilidade de crédito no interesse da classe trabalhadora. Ele é uma ferramenta indispensável para o planejamento de toda a economia.

A propaganda burguesa tentaria igualar qualquer futura socialização dos bancos a uma situação em que os partidos “continuam” a administrar a economia em seus próprios e egoísticos interesses e a apresentar qualquer futuro governador do banco designado pelo governo de Esquerda como a continuação do compadrio sem transparência do Estado que está “obstaculizando o caminho ao suprimento de crédito ao público”. Claramente, isto é uma cortina de fumaça da parte da burguesia que faz uso dos aspectos mais negativos da corrupta e burocrática gestão dos bancos gregos durante os anos 1980 para macular a ideia da socialização. Contudo, aquele modelo nada tinha a ver com socialização. A verdadeira socialização requer que seja instituída em um sistema de governo onde há controle democrático adequado e no qual os trabalhadores participem. A composição da gerência do sistema bancário deve ser: 1/3 de representantes eleitos dos trabalhadores bancários; 1/3 de representantes dos sindicatos e do comitê nacional de controle operário; e 1/3 de representantes do governo eleito;

A socialização é o único caminho para um governo da Esquerda para garantir os depósitos e as poupanças da classe trabalhadora e das camadas mais pobres da sociedade, e para resgatá-los dos abutres inescrupulosos do capital. Esta é a única solução para assegurar a prestação de crédito fácil às necessidades urgentes dos trabalhadores, pequenos empresários, pequenos fazendeiros, e famílias que tenham necessidade de crédito. Um Banco Central Estatal seria capaz de proporcionar condições mais favoráveis para os pequenos depositantes que os bancos privados. Eliminando-se a possibilidade de grandes lucros para a acumulação dos capitalistas e para as insensatas gratificações dos banqueiros, seria possível reduzir as taxas de juros a um nível capaz de cobrir as despesas necessárias ao funcionamento do sistema bancário;

Um banco central nacional teria de aplicar imediatamente uma redução para a dívida da classe trabalhadora e das camadas mais pobres da sociedade em um nível que seja igual ao de suas perdas desde o início da crise. A socialização do sistema bancário, que no presente governa toda a economia, é objetivamente o primeiro passo em direção ao estabelecimento de uma economia socializada e planificada, e é inseparável da socialização de outros importantes setores chave da economia.

A socialização das altas esferas da economia e o planejamento central e democrático da economia

A formação de um governo da Esquerda seria um acontecimento histórico. Pela primeira vez, modernas gerações da classe trabalhadora iriam testemunhar a formação de um governo que anunciaria publicamente que busca transformar a sociedade de acordo com os seus interesses. Contudo, em termos práticos, isto seria apenas o passo inicial em direção a uma tomada efetiva do poder.

O governo ocuparia os cargos ministeriais, mas o poder real continuaria a estar nas mãos da burguesia e dos patrões imperialistas externos, uma vez que mantêm o controle da esfera econômica. Se um governo não confrontar de frente esses interesses aplicando um programa de medidas que ultrapasse a propriedade privada dos meios de produção da riqueza, não pode haver nenhum verdadeiro passo socialmente progressista à frente.

Atualmente, a liderança de SYRIZA, sem dúvida, não tem esse programa em mente. Sua intenção, como está publicamente apresentada, é a de se mover “cautelosamente”, “gradualmente”, e “dentro dos parâmetros do que é viável”, na convicção de que isto seria mais útil para a classe trabalhadora, e para evitar qualquer “irritação prematura” da classe dominante ao se adotar políticas econômicas revolucionárias “extremas”. Nós temos o dever de alertar que isto é um grave erro da parte da liderança! Se suas políticas econômicas não forem revolucionárias, o que vai logo ocorrer, junto à maioria da sociedade, será certamente a reação da contrarrevolução, por meio de uma guerra econômica implacável que multiplicaria o número dos pobres e dos desempregados.

É por esta razão que cada militante do movimento dos trabalhadores e os defensores de um governo da Esquerda devem lutar pela adoção e aplicação de um programa que estabeleça o controle social sobre as alavancas da economia. O termo mais apropriado e que capta a essência deste processo econômico é o termo “socialização”.

Devido à crise, os governos burgueses do mundo inteiro têm nacionalizado e continuarão a nacionalizar as grandes empresas deficitárias, principalmente no setor bancário. Tais nacionalizações nada têm em comum com a socialização reivindicada pelos marxistas. A intenção dos governos burgueses é a de transferir as perdas dos capitalistas aos contribuintes trabalhadores até que seja alcançado determinado ponto onde eles possam logo privatizar as empresas com fins lucrativos de volta às mãos dos capitalistas – às mesmas mãos que levaram estas empresas à ruina financeira.

Essas nacionalizações, embora possam servir temporariamente para salvar empregos, no longo prazo não são essencialmente de nenhum benefício para a classe trabalhadora. Em última análise, são nacionalizações no interesse da classe dominante e de seu sistema. A despeito de tudo isto, as nacionalizações empreendidas por governos burgueses são mais uma prova de quão redundante se tornou a burguesia no processo de produção, visto que todas as funções gerenciais nestas empresas nacionalizadas são realizadas por empregados assalariados do setor público.

A socialização, como a entendemos, se encontra na diagonal oposta destas ilusórias nacionalizações burguesas. A socialização traz uma mudança radical e não cosmética ao status da propriedade e às funções de uma grande empresa. Faz parte da aplicação de um amplo programa de medidas que visa à transformação socialista da economia, colocando a própria classe trabalhadora no controle dessas empresas e de todo o Estado, de forma a tentar garantir que elas funcionem em benefício da sociedade como um todo. Empresas socializadas, livres dos grilhões da propriedade privada, contribuiriam para um rápido progresso e para um grande aumento na produtividade do trabalho.

Em períodos de boom econômico, os líderes reformistas têm argumentado tradicionalmente contra os marxistas que um programa geral de socialização não é viável visto que “o impasse capitalista não é de magnitude suficiente”. Agora, quando isto é exatamente o caso, os reformistas inevitavelmente dirão que a suposta “imaturidade” da classe trabalhadora é uma barreira à socialização possível. Os trabalhadores mais militantes e revolucionários entendem que tais palavras não estão baseadas na prudência, mas revelam a covardia e a inépcia da liderança para assumir a responsabilidade política de enfrentar a burguesia.

Para desmascarar a propaganda sensacionalista burguesa de que a intenção dos comunistas é a de abolir “toda propriedade privada” e de reprimir toda “iniciativa privada”, deixamos muito claro que quando nos referimos à socialização não nos propomos a socializar a totalidade das empresas. Não estamos propondo que cada loja de esquina ou pequena oficina venha para as mãos públicas. Isto equivaleria essencialmente a aventureirismo.

Lutamos pela socialização do grande negócio – das altas esferas da economia nacional, ou seja, daquelas empresas que desempenham papel monopolístico ou dominante em vários setores da economia; daquelas, nos setores do comércio, da prestação de serviços e da produção, que, dado os elevados níveis de concentração, prestam-se mais facilmente ao processo de socialização. Na realidade, tais empresas são numericamente muito poucas quando comparadas à totalidade das empresas privadas.

Sua socialização também significaria a sobrevivência de centenas de milhares de pequenas empresas que estão presentemente lutando para sobreviver no campo do jogo desigual que os monopólios criaram. Devemos enfatizar mais uma vez que não há nenhuma necessidade de expropriar pequenos proprietários e pequenas empresas. Essa última classe gravitaria progressivamente em torno do novo modelo socializado depois de testemunhar a superioridade do exemplo vivo de uma economia socializada e planificada.

A socialização significa correta gestão democrática das empresas pelos próprios trabalhadores. Os trabalhadores estão muito mais interessados nestas empresas do que os seus proprietários. Os capitalistas submetem a viabilidade de uma empresa ao desejo insaciável de lucros privados. O controle democrático pelos trabalhadores sobre como uma empresa vai ser administrada limitaria o espaço para a burocracia, para o desperdício, a má gestão e a corrupção que é endêmica na forma de funcionamento das empresas privadas e públicas sob o capitalismo.

Contudo, a questão da socialização não pode ser colocada simplesmente para alterar o título legal em relação à propriedade dessas empresas; há um conteúdo mais profundo para a socialização. O que deve ser enfaticamente sublinhado é que não pode haver nenhuma socialização genuína sem a administração e o controle operário; o controle dos trabalhadores é a condição fundamental para se preparar e realizar um programa de socialização, enquanto que a administração dos trabalhadores é o fundamento necessário sob o qual as empresas socializadas podem funcionar.

As experiências dos governos do PASOK durante os anos 1980 e do pós-guerra com os governos socialdemocratas por toda a Europa Ocidental indicam que os conselhos de administração das empresas e organizações estatais não devem ser compostos por tecnocratas com altos salários, o que é inexplicável para os trabalhadores. Tais mecanismos de gestão são incapazes de atender as necessidades sociais de forma responsável, visto que tendem a corromper as organizações sob sua responsabilidade através de métodos capitalistas de produção para seus próprios objetivos. Esta dinâmica não muda, mesmo quando os representantes dos trabalhadores são marginalmente incluídos na configuração desses conselhos de administração.

A alegação de que os trabalhadores não têm conhecimentos para administrar empresas é incorreta. Os capitalistas possuem equipes inteiras de empregados e especialistas que as gerenciam em seu nome. Igualmente, os trabalhadores, através de seus próprios canais democráticos, teriam a colaboração de especialistas leais à causa socialista, que eles poderiam democraticamente controlar, garantindo assim uma qualidade de vida livre do estresse do desemprego e das desumanas relações industriais sob o capitalismo. Dentro desse quadro, os trabalhadores poderiam tomar decisões levando em consideração as opiniões dos “especialistas”. Mas os que estariam fazendo funcionar essas empresas seriam os trabalhadores e não os “especialistas”.

O exemplo dos estados dos trabalhadores burocraticamente deformados do século XX mostrou que é impossível para uma equipe de “especialistas” fazer funcionar de cima para baixo cada setor de uma economia. Apenas os próprios trabalhadores – produtores e consumidores envolvidos em todas as etapas da atividade econômica e da produção – são capazes de planejar e desenvolver a economia em benefício da sociedade.

Ao assumir o poder, um governo da Esquerda teria de imediatamente aplicar um programa abrangente de socialização que inclua:

A criação de um comitê nacional para a socialização e para a planificação da economia, cuja composição deve ser: 1/3 de representantes eleitos e revocáveis do comitê nacional de controle operário; 1/3 dos sindicatos e de outras organizações de massa da população trabalhadora (pequenos proprietários, pequenos proprietários de empresas e pequenos fazendeiros); e 1/3 de representantes do governo. À disposição deste comitê haveria uma equipe de especialistas e de consultores científicos comprometidos com o socialismo e cujo papel seria o de por em prática o planejamento democrático da economia.

A socialização imediata e a inclusão em grupos integrados socializados de acordo com o setor, de tudo: empresas estatais existentes; as empresas de grande porte que seriam desapropriadas devido a sua recusa em aplicar o novo plano nacional trazer os desempregados à produção, de se submeterem à nova legislação trabalhista e às novas políticas de remuneração; e de todas as empresas de grande porte que haviam fechado depois da eclosão da crise ou que estão prestes a fechar devido à sabotagem burguesa através de uma guerra econômica contra o governo.

O desenvolvimento pelo comitê nacional para a socialização e planificação de um cronograma específico – por exemplo, mais de seis meses ou, no máximo, em um período de 12 meses – para se socializar todas as grandes empresas por setor de acordo com sua importância objetiva em relação à economia nacional e para o seu setor, sua participação no crédito total, lucro, exportação, sua influência na formação dos preços, sua quota de emprego e, em geral, em relação ao seu impacto sobre o cenário social e econômico nacional. Deve se dar atenção especial às 500 maiores empresas nos diversos setores da indústria, de serviços e de comércio. Todas as empresas socializadas devem ser integradas por setor para que se possa efetivamente planejar a economia no interesse da sociedade.

O alto grau de concentração e de consolidação de capital na indústria grega torna a socialização tecnicamente mais fácil. Durante os anos 1980, os monopólios industriais que controlavam 70-80% da produção – em outras palavras, as empresas industriais de “importância estratégica” – se constituíam de cerca de 200 empresas. Atualmente, seu número decresceu para cerca de 100 e, de acordo com a opinião de várias organizações estatísticas, há um maior grau de permeabilidade setorial com ligações ao setor bancário, de serviços e de comércio, facilitando dessa forma o trabalho do planejamento central.

A socialização através da criação de organizações nacionais integradas sem fins lucrativos da totalidade do setor de transporte de mercadorias e humano, dos serviços públicos, das telecomunicações, dos recursos naturais, da infraestrutura e dos setores da construção. Tal socialização é indispensável para assegurar os recursos para se focar a política social, para se reduzir os custos de produção, para se lidar com o problema da falta de moradia para a população trabalhadora, para a realização de obras públicas mais baratas e mais úteis e para se criar uma base sólida sobre a qual desenvolver toda a economia em benefício da sociedade.

Da mesma forma, a composição da gestão em tais empresas e organizações socializadas deve incluir 1/3 de trabalhadores do setor em questão; 1/3 de trabalhadores e consumidores (por exemplo, sindicatos, associações agrícolas e autoridades locais) e 1/3 de representantes eleitos do governo. Os representantes nesses conselhos de administração devem ser eleitos anualmente, ser revocáveis pela assembleia geral da empresa em questão e ser remunerados com um salário igual ao de um trabalhador qualificado.

Socialização dos meios de comunicação e seus recursos disponibilizados para todo tipo de associação do povo trabalhador. A propaganda desprezível da mídia burguesa contra SYRIZA e a Esquerda é prova de como é vital desmontar o fornecimento da informação e os meios de comunicação sob o controle da burguesia.

Socialização das grandes explorações agrícolas e criação de projetos agrícolas nacionais estatais modernos. Deve haver incentivos à adesão voluntária de pequenos proprietários a cooperativas sob o controle do Estado e do governo, tomar a seu cargo o suprimento de bens primários, seu processamento, embalagem e disponibilizando-os para consumo sem a interferência de quaisquer intermediários.

Com relação às pequenas e médias empresas, um governo da Esquerda, considerando seus tamanhos, deve socializa-las gradativamente. A propriedade de pequena escala não deve ser expropriada e os proprietários de pequenas empresas que não exploram trabalho suplementar não devem sofrer interferências. Gradativamente, suas empresas seriam atraídas pela força gravitacional da economia socializada mais abrangente por meio de seu exemplo vivo que mostraria sua superioridade. O governo deve incentivá-las a se juntar em unidades de produção de maior porte e a modernizar-se sob o controle do Estado e do governo.

Monopólio estatal do comércio exterior

A crise e a debilidade produtiva do capitalismo grego se refletem em seu grande déficit comercial. A diferença entre exportações e importações é substancial e ampla, dada a grande redução das exportações devido à recessão. Com base nos dados do Banco da Grécia, durante 2011 as exportações somaram 25,7 bilhões de euros enquanto que as importações somaram 54,3 bilhões de euros.

A exacerbação da situação para o capitalismo grego se reflete no fato de que, enquanto em 1980 o déficit comercial era apenas de 5,2 bilhões de euros, agora está próximo de 30 bilhões de euros. A economia importa hoje todo tipo de mercadoria a despeito de sua abundante disponibilidade no mercado interno, por exemplo, frutas cítricas e azeite de oliva. Ainda mais, em 1980, a Grécia tinha um excedente de 10 milhões de euros no setor agrícola e, em 2008, depois de alguns anos de desenvolvimento capitalista, atingiu um déficit de três bilhões de euros neste setor.

A irracionalidade da anarquia do mercado capitalista e o parasitismo da burguesia grega se refletem no número de instâncias reveladoras que destacam a necessidade urgente para o estabelecimento de uma economia nacional socializada e planificada.

De acordo com um recente estudo realizado por “PASEGES” (Confederação Nacional dos Sindicatos de Cooperativas Agrícolas), o nível de autossuficiência da Grécia, em relação a uma ampla gama de alimentos básicos agrícolas e animais, durante 2010 estava em torno de 94%. Contudo, devido à anarquia do mercado capitalista, 40% da demanda nutricional nacional são cobertos por importações. A Grécia alcançou o ponto em que está importando cebola da Índia, laranjas da África do Sul, feijões da China e batatas do Egito. Ao mesmo tempo, a produção de açúcar de beterraba foi abaixo e o setor de produção de açúcar desapareceu, enquanto 200 mil toneladas de açúcar importado anualmente inundam o mercado grego.

Apesar do acima exposto, a Grécia possui níveis significativos de recursos naturais, incluindo recursos minerais, e tem uma força de trabalho altamente educada e qualificada em quase todos os setores da economia. No contexto de uma economia socializada e planificada, seria possível desenvolver de forma relativamente rápida a agricultura e a indústria, acessando assim os tipos de fundos que financiariam os investimentos na produção e também desenvolvendo empregos, e, ao mesmo tempo, para financiar diversas políticas sociais.

Para ser capaz de adotar as medidas necessárias nesta direção, um governo da Esquerda teria de socializar as grandes empresas de exportação e monopolizar todas as exportações. O monopólio estatal do comércio externo é um assunto de importância vital para assegurar a planificação da economia contra a ameaça de penetração e dominação do capital estrangeiro.

A abolição dos superlucros capitalistas e o gradativo aumento na produtividade, como consequência da superioridade de uma economia planificada, tornariam os produtos gregos mais baratos e também mais competitivos em escala global.

Nova constituição – novo poder

Um governo da Esquerda não deve considerar o Estado como se ele fosse uma força social neutra, como um “setor público”, como uma “administração pública”. É preciso lidar com ele de acordo com os pontos de vista historicamente comprovados e os princípios do socialismo científico. O Estado é a ferramenta burguesa de opressão da classe trabalhadora e do povo. A atual forma de governo, a atual “democracia”, é a democracia burguesa que tem sido a melhor opção para a burguesia controlar e administrar a sociedade. Quem fala sobre a democracia em geral sem coloca-la em um contexto de classe está enganando os trabalhadores.

A essência da democracia burguesa repousa no reconhecimento formal dos direitos e das liberdades individuais, que, no entanto, são inacessíveis às amplas massas devido à carência de meios materiais para realiza-los, enquanto que a classe dominante utiliza todos os meios a sua disposição para mentir e enganar as massas. Com seu sistema parlamentar, a democracia burguesa proclama da boca para fora a ideia de que é o povo que detém o poder. Os movimentos populares e as organizações de massas estão totalmente marginalizados e afastados do acesso ao poder e da capacidade de influenciar a administração da economia. A democracia burguesa e o parlamentarismo, com sua separação de poderes, e a ausência do direito de revocar parlamentares, acabam por separar totalmente o Estado e as massas.

A democracia burguesa atual é impossível de ser reformada sem alteração de seu conteúdo de classe. O povo trabalhador não pode alcançar uma democracia que defenda seus interesses sem substituir a democracia capitalista por uma democracia socialista dos trabalhadores.

O advento da Esquerda ao poder não pode ser limitado a uma simples troca de personalidades nos vários departamentos do Estado, mas deve abolir o mecanismo do Estado burguês para estabelecer o novo poder da classe trabalhadora.

Para que tal governo estabeleça o poder dos trabalhadores, deve tomar as seguintes medidas:

Abertura imediata de discussões para a mais rápida votação de uma nova Constituição que consolide:

  • a economia socializada e democraticamente planificada como o regime econômico sobre o qual a economia está baseada;
  • uma democracia socialista dos trabalhadores como o sistema político;
  • o dever dos representantes do povo de ser responsável perante seus eleitores em qualquer momento, e o direito de se revocar esses representantes pelo eleitorado a qualquer momento;
  • a consolidação dos poderes legislativo e executivo em um comitê superior elegível e revocável do povo trabalhador que decidiria sobre leis e trabalharia por sua aplicação;
  • eleição de um comitê desta natureza para um mandato de dois anos, com base no sufrágio universal e em um sistema multipartidário, com um regime eleitoral que permitisse uma representação adicional para as regiões onde a população trabalhadora é mais numerosa e que incluiria representantes elegíveis e revocáveis de trabalhadores por cada setor industrial importante; e
  • significativos arranjos da autoridade local através da delegação do poder de autoridade municipal a conselhos populares locais elegíveis e revocáveis que também funcionariam durante dois anos na base do sufrágio universal e que incluiria representantes de cada tendência e dos trabalhadores, de acordo com as unidades locais de produção e da economia local;

Total reforma do exército através das seguintes medidas:

  • plenos direitos cívicos e sindicais para todos os soldados e oficiais subalternos;
  • todos os oficiais devem ser eleitos com o direito de revogação pelos soldados. Também, os padrões de vida devem ser melhorados (incluindo higiene, nutrição e férias anuais suficientes) e deve haver aumento do salário atual de um soldado no mesmo nível do subsídio ao desemprego;
  • treinamento adequado com armas durante todo o período de serviço de um soldado;
  • nenhum exército profissional;
  • treinamento com armas para toda a população trabalhadora como garantia de seus direitos, interesses e realizações;
  • remuneração de todos os oficiais com um salário não superior ao de um trabalhador qualificado;
  • a adição ao exército de unidades militares das organizações dos trabalhadores que devem ser treinadas em campos militares à custa do Estado.

Reforma radical dos serviços de segurança que deve envolver:

  • supressão de todas as formas atuais de unidades especiais de repressão e de policiamento das lutas populares;
  • proibição das forças de segurança em locais onde atividades políticas ou sindicais estejam ocorrendo e extensão desta proibição à violação do direito de asilo acadêmico a todas as instituições educacionais e a todos os locais de trabalho;
  • supressão da natureza de autogoverno das forças de segurança e sua submissão ao controle por parte das organizações de massas da população trabalhadora e da juventude, e sua transformação em unidades de guarda civil que incluiria representantes das organizações de massas dos trabalhadores e da juventude. O treinamento dessas forças de segurança seria definido por um comitê de representantes eleitos das organizações de massas.

As mudanças fundamentais no poder judiciário devem incluir:

  • supressão dos privilégios do judiciário e seus salários mantidos em níveis iguais aos dos trabalhadores qualificados;
  • eleição dos membros do judiciário diretamente pelo povo;
  • aplicação de um programa de educação em massa no sistema reformado e modernizado das leis que defendem os interesses da população trabalhadora;

Mudanças estruturais no funcionamento dos serviços e organizações públicas estatais de modo que:

  • em todos os serviços e organizações públicas, a administração seja realizada por representantes eleitos e revogáveis das organizações de massa dos sindicatos da classe trabalhadora, do governo eleito e dos trabalhadores destes serviços e organizações;
  • o salário dos servidores civis reflita o salário de um trabalhador industrial.

Por relações “internacionalistas” e não por relações externas “estrangeiras” – Pelos Estados Unidos Socialistas da Europa!

Um governo da Esquerda deve interagir no cenário internacional de forma radicalmente diferente dos até então governos conservadores gregos. O ponto de partida de uma nova política nacional “externa” deve se basear no pressuposto de que o aliado mais leal de uma Grécia revolucionária é a classe trabalhadora do mundo inteiro, independente do Estado e origem nacional/étnica. Seria necessário que essa política reflita a ativa aspiração de que o exemplo revolucionário socialista da Grécia se espalhe e ganhe terreno através da luta dos trabalhadores nos Bálcãs, na Europa e no mundo. Um governo da Esquerda deve adotar iniciativas específicas que enviem uma mensagem revolucionária da luta internacionalista contra o capitalismo e de resistência ao imperialismo em escala global.

As medidas e iniciativas imediatas de um governo da Esquerda para uma política internacionalista devem incluir:

Retirada da OTAN e fechamento das bases dos EUA no território grego. A OTAN não é um mecanismo militar inofensivo; é a expressão militar do capitalismo do período de ascensão dos monopólios, ou seja, do imperialismo. É um complexo de instituições militares e governamentais inseparavelmente ligados aos mecanismos internos da burguesia, criado para esmagar o movimento dos trabalhadores e da Esquerda e para defender o capitalismo. A retirada da OTAN não é somente uma questão de princípio; também tem a ver com a defesa dos direitos, interesses e conquistas da classe trabalhadora e sua trajetória revolucionária. Permanecer na OTAN equivaleria a um governo da Esquerda dando à contrarrevolução uma oportunidade para que o sabote;

Um apelo aberto a todos os trabalhadores europeus para unir suas lutas as lutas da classe trabalhadora grega contra o capitalismo europeu. A aplicação de um programa de derrubada do capitalismo equivale logicamente ao enfrentamento com a União Europeia capitalista e suas instituições e à saída imediata dela.

A cada etapa, um governo da Esquerda deve clamar aos povos da Europa e do mundo que seu objetivo não é uma volta ao isolacionismo nacional reacionário. A “construção do socialismo exclusivamente dentro das fronteiras da Grécia” é uma utopia reacionária. O socialismo é um sistema de harmonia social e econômica e de bem-estar. Dentro das condições de total desenvolvimento e dominação do mercado global, onde há objetivamente uma divisão altamente desenvolvida do trabalho, o socialismo não pode ser construído sobre as forças produtivas de um só país. Para se construir firmemente o socialismo, é necessário unir as forças produtivas de muitos países desenvolvidos.

O que esta atual e profunda crise na Zona do Euro também prova é que o capitalismo, dadas as suas contradições e antagonismos inerentes, é sistemática e organicamente incapaz de levar à conclusão o processo historicamente progressista de unificação do continente europeu. A única força capaz de fazê-lo é a classe operária europeia sob a bandeira do socialismo.

Um governo da Esquerda teria que, de forma paciente e ativa, defender e encorajar a bandeira de uma Europa de seus próprios trabalhadores; uma Europa fraterna e amigável que institucionalizaria este relacionamento através de novos tratados capazes de garantir não simplesmente um mercado comum e uma moeda comum, mas uma planificação comum das forças produtivas para o benefício mútuo de todos os povos europeus. Um governo da Esquerda teria que trabalhar duro em nível global e fazer campanha para levar a bom termo o programa dos Estados Unidos Socialistas da Europa!

No contexto desta luta, um governo da Esquerda teria que organizar conferências internacionais para a coordenação destas lutas e esforços comuns contra o capitalismo nos Bálcãs e na Europa, e tomar as iniciativas necessárias para o estabelecimento, através dos movimentos de massas e dos partidos da classe trabalhadora globalmente, de uma nova Internacional das massas dos trabalhadores!

Translation: Esquerda Marxista (Brazil)

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