Nas ruas do México irromperam protestos em massa contra a fraude eleitoral. A versão oficial dos resultados da eleição presidencial deu a Enrique Peña Nieto, o candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI), 38,21% dos votos, 31,59% para o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, do Partido da Revolução Democrática (PRD); e 25,41% para Josefina Vázques Mota, do conservador Partido Ação Nacional (PAN). O pequeno partido Nueva Alianza obteve 2,29%.
Mas ninguém acredita nas cifras oficiais que são frequentemente manipuladas. É do conhecimento geral que o PRI comprou votos e subornou descaradamente as redes de televisão para apoiá-lo. Agentes do PRI fizeram entrega de alimentos gratuito aos eleitores, por meio de cartão de pré-pago e deram também outros ‘presentes’. As acusações de compra de voto começaram a surgir em junho, mas se intensificaram mais tarde quando as pessoas começaram a correr para os supermercados fora da Cidade do México para trocar seus vale-presentes pré-pagos por valores entre 100 e 1.500 pesos (de 8 a 110 dólares americanos). Muitos disseram abertamente que os vale-presentes foram dados por seguidores do PRI antes das eleições em troca de voto para o partido.
Uma série de artigos no The Guardian juntou mais material à polêmica com a publicação de evidências de que a Televisa abriu o caminho à presidência caluniando os rivais e apresentando como notícias, propagandas descaradas a favor do PRI. O jornal El Universal imprimiu de antemão sua edição da manhã, com Peña Nieto na capa como “o ganhador”.
Nas semanas antecedentes às últimas pesquisas, um movimento dirigido por estudantes, #Yo Soy132, convocou manifestações e protestos pela internet contra os vínculos de Peña Nieto ao gigantesco meio de comunicação Televisa, acusando tanto Peña Nieto como a Televisa de manipular a opinião pública e as instituições do Estado. López Obrador qualificou corretamente como uma “vergonha nacional”. Ele disse que pelo menos cinco milhões de eleitores tinham recebido cartões pré-pagos de lojas, dinheiro em espécie, alimentos, materiais de construção ou eletrodomésticos. The Economist comenta:
“Houve relatos de eleitores das zonas pobres de que tinham sido oferecidos mais de 500 pesos (US$ 38) em troca de que eles entregassem seus títulos de eleitores, o que os impedia de votar e talvez permitisse que outra pessoa pudesse votar em seu lugar. O PRI aparece com maior frequência em ditos informes. A proibição de propaganda política depois do final da campanha na quarta-feira foi desobedecida pelo Partido Verde, um aliado formal do PRI. Os Verdes enviaram ilegalmente mensagens de textos e chamadas telefônicas gravadas para muitas pessoas (incluindo este correspondente) no dia da eleição, incitando-as a votar em seus candidatos.”
Para pagar estes subornos massivos, o PRI superou o limite legal para os gastos de campanha em pelo menos 10 vezes. Além disso, os observadores do PRD nas cabines de votação foram intimidados, baleados e alguns assassinados. Para muitos, foi como um retorno aos velhos tempos de governo do PRI. Este partido governou o México ininterruptamente durante sete décadas através de uma mistura tóxica de corrupção, repressão, clientelismo e fraude eleitoral, até que finalmente foi desbancado da presidência em 2000.
Em 2006, Calderón, o candidato do partido de direita PAN, foi declarado vencedor nas eleições presidenciais. No entanto, Andrés Manuel López Obrador, o candidato do PRD, desafiou o resultado e chamou as massas às ruas. López Obrador tinha perdido a eleição por menos de 0,53% que era claramente resultante da manipulação. Durante meses centenas de milhares de pessoas participaram em um bloqueio da rodovia principal da cidade do México para protestar contra o resultado.
Agora a história parece se repetir. Depois de um período de seis anos no cargo, o PAN está completamente desacreditado. Mas a classe dominante mexicana quer entregar o poder ao PRI com o fim de bloquear a eleição de um homem que temem por estar sob a pressão das massas. Os seguidores de López Obrador estão saindo às ruas outra vez.
As denúncias contínuas de fraude eleitoral foram confirmadas pelo próprio resultado, que está mais perto do que previstos nas pesquisas, alguns dos quais davam a Peña Nieto uma vantagem de entre dez e 15 pontos percentuais. Apesar de tudo, o PRD e López Obrador obtiveram um resultado muito bom. Em Puebla, apesar da manipulação, a esquerda ganhou pela primeira vez. A esquerda também ganhou o governo em Tabasco pela primeira vez.
O PRI obteve resultados bem abaixo do que esperava. Não tem a maioria no parlamento e se vê obrigado a aliar-se com partidos pequenos de direita (PVEM e PANAL). Terá que assumir um país em profunda recessão com desemprego massivo e pobreza crescente. Será um governo débil: um governo de crise. Pode ser derrotado, mas a condição prévia é uma mobilização geral das massas. Esta já começou.
Enfurecidos por esta manipulação desavergonhada, até meio milhão de pessoas marcharam na Cidade do México no sábado dia 7 de julho. Estudantes, sindicalistas e ativistas de esquerda na Cidade do México levavam cartazes que diziam: “Peña, quanto custou pra chegar a ser presidente?” e “México, quem penhorou seu futuro por 500 pesos?”. Um informe da BBC citou entrevistas com alguns dos participantes que nos dão uma ideia da ira dos manifestantes:
“A fraude ocorreu antes [das eleições], comprando votos, enganando as pessoas”, disse Gabriel Petatán Garcia, um estudante de geografia que carregava um cartaz em finlandês. Os manifestantes também carregavam cartazes em inglês, japonês, francês, alemão e outros idiomas para chamar a atenção da imprensa internacional. Alguns manifestantes cobriram as cabeças das estátuas com sacolas de plásticos de Soriana, a rede de supermercados onde podiam trocar os vale-presentes.
Temos que sair às ruas para denunciar a compra de votos do PRI e que houve pessoas que os venderam, disse uma psicóloga de 32 anos de idade, Raquel Ruiz. O PRI ameaça muitas pessoas e compra as outras com um par de tacos”, disse Manuel Ocegueda, um trabalhador do comércio de 43 anos de idade que participava da manifestação”.
A equipe de Lópes Obrador denunciou irregularidades em 113.855 colégios eleitorais dos 143.000 existentes no país, e os observadores eleitorais independentes disseram que 29 por cento dos eleitores entrevistados (ou seja, quase 1/3) havia enfrentado casos de “irregularidades”. O candidato de esquerda, por outro lado, exigiu uma recontagem. Isso é certo e lógico.
O estado de ânimo a favor de uma luta está claramente presente. As manifestações alcançaram pelo menos 16 estados de um total de 32. Em Jalisco houve a maior manifestação em 20 anos. Em Monterrey, na fronteira com os EUA, também houve uma grande manifestação. A esta distância é difícil saber quantas pessoas estão envolvidas, mas o movimento é maior do que em 2006.
As autoridades calcularam que cerca de 50.000 manifestantes se reuniram na praça central de Zócalo. A cifra real ninguém sabe, mas as fotografias e testemunhos mostram que foi muito grande, talvez com meio milhão. Nosso correspondente na Cidade do México me informou que havia dezenas de milhares de pessoas de todas as idades, mas o componente predominante foi a juventude, especialmente os estudantes. Ser um estudante universitário hoje em dia é sinônimo de estar contra Peña Nieto. Nem sequer obteve apoio nas escolas privadas. Houve várias simulações de eleições nas escolas, e em todos os casos López Obrador ganhou com grande maioria.
Nosso correspondente escreve: “As pessoas vieram marchando em direção ao Zócalo por pelo menos três horas contínuas. Organizamos manifestações espontâneas e as pessoas se reuniram ao redor de nossa mesa. Vendemos 580 jornais – todos os que tínhamos. Todo mundo gritava slogans contra a fraude, contra o PRI, contra o Instituto Federal Eleitoral, contra a televisão, mas também houve alguns contingentes que gritavam em coro por greve geral. Nenhuma organização de massas convocou esta manifestação”.
Os últimos comentários são significativos. As massas querem lutar, mas quem está liderando o movimento? Quem organizou os protestos? A resposta parece ser: ninguém. Estas manifestações parecem ser principalmente de caráter espontâneas, provavelmente convocadas através dos meios de comunicação social. Portanto tem todas as forças e fraquezas de todas as ações espontâneas. A falta de liderança é seu calcanhar de Aquiles. Apenas o MORENA, que organiza a ala de esquerda do PRD, e ativistas de fora do partido, juntos com o movimento estudantil, respaldaram a convocatória da ação.
Enquanto que em 2006, López Obrador se identificou com o movimento de protesto, dessa vez, até o momento, ele está distante das marchas e da luta em geral. Ao invés de por em marcha um movimento de massas, disse que vai apresentar um inquérito legal formal para a recontagem de votos nos tribunais eleitorais. Esta estratégia é completamente equivocada.
O PRI pode argumentar que o que fizeram está dentro dos limites legais (do México). Dar presentes para influenciar nos votos é um delito, mas simplesmente dar estes presentes não é ilegal sob a lei eleitoral mexicana, sempre e quando os gastos forem “informados às autoridades eleitorais”. Em outras palavras, há milhares de truques para transformar um inquérito legal em nulo e sem efeito.
Apelar a um poder judicial corrupto contra uma decisão eleitoral fraudulenta é como apelar a Satanás contra o Diabo. Tal recurso de cassação não levará a nenhuma parte e tomará muito tempo. Atrasando as coisas até que as rodas pesadas da “justiça” tenham acabado de rodar, as autoridades terão sucesso desmobilizando o movimento de massas. Tratar de substituir a luta de classes por recursos judiciais não é mais que cretinismo legalista.
Com o mais surpreendente cinismo, o porta-voz do PRI, Eduardo Sánchez, disse na semana passada que o caso dos vale-presentes tinha sido uma “representação teatral” montada pela esquerda. Afirmou que os partidários de López Obrador levaram centenas de pessoas às lojas, as vestiram com camisetas do PRI, deram vale-presentes, esvaziaram as prateleiras para criar uma aparência de compras de pânico e trouxeram as câmaras de televisão para dar a falsa impressão de que o PRI tinha dado os vale-presentes. Com esta “explicação” a arte de mentir obteve novas dimensões, beirando o surrealismo.
Leonardo Valdés, o presidente do Instituto Federal Eleitoral, é o representante mais astuto e sutil da classe dominante. Ele disse que “não vê nenhum motivo para anular os resultados”, mas assegurou ao público que “tinham posto em marcha” uma investigação sobre os vale-presentes. Em outras palavras, está dizendo à coalizão de esquerda: “Sigam adiante com suas apelações legais meus amigos. Nós, com certeza, investigaremos tudo o que queiram, mas ao final as investigações não descobrirão nada e a decisão que já tomamos permanecerá”.
César Yáñez, porta-voz de López Obrador, negou as acusações do PRI, mas não chamou mais protestos massivos. Este é um erro grave. A única esperança de conseguir que o resultado seja anulado é com a intensificação do movimento de massas. A classe dominante, recorrendo uma vez mais à manipulação descarada das eleições com o fim de evitar que o PRD chegue ao poder, desafiou a classe operária e o povo do México. A classe operária tem que responder de um modo contundente ao desafio da oligarquia.
É provável que os dirigentes do PRD pensem que porque não alcançaram o resultado desejado no ano de 2006, esta tática não deve se repetir. Mas o problema de 2006-07 não era que o movimento foi longe demais. Pelo contrário, não foi suficientemente longe. Era preciso levar as coisas até as últimas consequências mediante uma greve geral de todo o México para derrotar o governo. Sem isso, a ocupação do Zócalo nunca poderia ter tido sucesso.
O mesmo erro se pode ver em outros países, onde ganhou popularidade a ideia de que simplesmente mediante manifestações e a ocupação dos centros urbanos seja suficientemente para provocar uma mudança fundamental. Protestos massivos nas ruas e ocupações são excelentes maneiras de mobilizar as amplas camadas da população, para dar às massas um sentimento de sua força. Mas por si só, estas táticas não resolvem nada. Não pode levar a uma mudança fundamental na sociedade.
A simples verdade é que a classe dominante pode dar-se ao luxo de esperar, mas as massas não podem. As pessoas têm que viver, comer e ganhar um salário. Não podem simplesmente permanecer nas ruas e praças esperando que algo aconteça. Tais táticas passivas finalmente esgotam as massas e irritam as classes médias e outros “cidadãos respeitáveis” que nada mais querem do que seguir com suas atividades diárias com um mínimo de interrupção.
Como primeiro passo, López Obrador deveria convocar mais protestos, manifestações e ocupações. Mas a lição de 2006 é que este movimento só pode ter sucesso se tiver uma plataforma para laçar uma greve geral.
*Pela convocatória de reuniões de massas nas fábricas e locais de trabalho para dicutir e preparar a greve.
*Pela eleição de comitês de greve nas fábricas e sua ampliação para incluir outras camadas dos oprimidos: camponeses, desempregados, vendedores ambulantes.
*Pelo envolvimento dos representantes estudantis, mulheres da classe trabalhadora e de todos os que estão dispostos a lutar pela democracia e pelo socialismo.
*Sobre esta base, e somente sobre esta base, o PRI será derrotado e o povo trabalhador avançará em direção à sua meta final: a conquista do poder.
Mass protests in Mexico (Traduzido por Marcela Anita)