Setenta anos da Batalha de Stalingrado – Como a União Soviética derrotou os nazistas

Sábado, dia 2 de fevereiro, marcou o septuagésimo aniversário do final da Batalha de Stalingrado, com a rendição das tropas alemãs. Um ponto de viragem na Segunda Guerra Mundial, onde cerca de 800 mil alemães e tropas do Eixo foram ou mortos ou capturados, incluindo todo o Sexto Exército Alemão e seu comandante -em-chefe – um golpe demolidor em Hitler. A Batalha de Stalingrado marca o momento em que o poder da Wermacht foi finalmente detido após uma sangrenta troca de golpes pelo controle da cidade de Stalingrado (agora, chamada de Volgograd) no sudoeste da União Soviética. Comparativamente, a vitória britânica na Batalha de El Alamein foi um episódio insignificante.

A batalha começou em 23 de agosto de 1942 e somente terminou em dois de fevereiro de 1943. Em todo este tempo, os alemães e seus aliados foram envolvidos em uma selvagem luta mano a mano, em meio à ruína de ruas e prédios destroçados e reduzidos a entulhos.

O número total de feridos alemães e soviéticos ficou próximo a dois milhões. As perdas abaladoras infringidas ao exército alemão afetaram decisivamente o resultado de toda a guerra. Depois da Batalha de Stalingrado, as forças alemãs nunca mais recuperaram seu vigor e moral para a luta, enquanto o triunfante Exército Vermelho começava a maior ofensiva militar já vista na história.

Isto dá destaque a um importante fato que até hoje os historiadores ocidentais relutam em admitir: a Segunda Guerra Mundial na Europa foi, na realidade, um gigantesco conflito entre a Alemanha de Hitler, com todos os recursos da Europa por trás, e a União Soviética.

Até o último momento, a Grã-Bretanha e a América se mantiveram como meros observadores do conflito europeu. A Batalha da Normandia de 1944 foi uma operação impressionante e custosa, mas não pode se comparar à escala da ofensiva do Exército Vermelho no leste. Isto era completamente claro para qualquer um com um mínimo de conhecimento de como uma guerra é conduzida, inclusive os comandantes aliados e os governos que eles representavam. Em agosto de 1942, o chefe americano do Estado-Maior Conjunto redigiu um documento que diz:

“Na II Guerra Mundial, a Rússia ocupa uma posição dominante e é o fator decisivo para a derrota do Eixo na Europa. Enquanto na Sicília as forças da Grã-Bretanha e dos EUA estão enfrentando duas divisões alemãs, a frente russa está recebendo a atenção de aproximadamente 200 divisões alemãs. No momento em que os aliados abrirem uma segunda frente no Continente, já será decididamente uma frente secundária comparada à frente russa; deles continuará a ser o principal esforço. Sem a Rússia na guerra, o Eixo não pode ser derrotado na Europa, e a posição das Nações Unidas se torna precária” (citado em V. Sipols, The Road to Great Victory, p. 133).

Essas palavras expressam com precisão a posição real que existia quando da batalha do Dia-D. A verdade é que a guerra contra Hitler na Europa foi lutada principalmente pela URSS e pelo Exército Vermelho. Na sequência da invasão da União Soviética, no verão de 1941, Moscou repetidamente exigiu a abertura de uma segunda frente contra a Alemanha. Mas Churchill não estava com pressa. A razão disto não era apenas militar, também era política. As políticas e táticas da classe dominante britânica e americana na Segunda Guerra Mundial não foram de modo algum ditadas pelo amor à democracia ou pelo ódio ao fascismo, como quer a propaganda que acreditemos, mas por interesses de classe.

Os verdadeiros objetivos de guerra do imperialismo

Quando Hitler invadiu a URSS em 1941, a classe dominante britânica calculava que a União Soviética seria derrotada pela Alemanha, mas que, no processo, a Alemanha ficaria tão enfraquecida que seria possível intervir e matar dois coelhos de uma só cajadada. É provável que os estrategistas em Washington também estivessem pensando mais ou menos nos mesmos termos.

Os conflitos entre Churchill e Roosevelt sobre a questão do Dia-D foram de caráter político e não militar. Churchill queria limitar a guerra dos Aliados ao Mediterrâneo, em parte com um olho no Canal do Suez e na rota para a Índia britânica, e em parte porque ele estava contemplando uma invasão dos Bálcãs para bloquear o avanço do Exército Vermelho ali. Em outras palavras, seus cálculos estavam baseados exclusivamente nos interesses estratégicos do imperialismo britânico e na necessidade de defender o Império Britânico. Ademais, Churchill ainda não tinha perdido totalmente a esperança de que a Rússia e a Alemanha se enfraqueceriam mutuamente, criando um impasse no leste.

Os interesses do imperialismo EUA e os do imperialismo britânico eram inteiramente opostos a este respeito. Washington, enquanto formalmente aliado de Londres, estava a todo o momento buscando usar a guerra para enfraquecer a posição da Grã-Bretanha no mundo e particularmente para romper seu controle integral sobre a Índia e a África. Ao mesmo tempo, estava em causa deter o avanço do Exército Vermelho e ganhar o controle sobre uma Europa enfraquecida depois da guerra. Isto explica a pressa dos americanos em abrir a segunda frente na Europa e a falta de entusiasmo de Churchill quanto a isto. Harry Hopkins, principal representante diplomático de Roosevelt, queixou-se de que as táticas de protelação de Churchill tinham “prolongado o curso da guerra”.

O que realmente inclinou a balança na Guerra foi a contraofensiva soviética em 1942, que culminou na Batalha de Stalingrado e, mais tarde, na ainda mais decisiva Batalha de Kursk. Depois de uma luta feroz, a resistência alemã entrou em colapso. Para fúria de Hitler, que tinha ordenado ao Sexto Exército a “lutar até a morte”, o General Paulus se rendeu ao exército soviético. Até mesmo Churchill, este raivoso anticomunista, foi obrigado a admitir que o Exército Vermelho havia “dilacerado as tripas do exército alemão” em Stalingrado.

Foi um golpe tremendo para o exército alemão. Embora não estejam disponíveis números precisos, parece que metade dos 250 mil homens do Sexto Exército morreu ou em combate, ou do frio, da fome e das enfermidades. Cerca de 35 mil conseguiram escapar, mas dos 90 mil que se renderam, somente seis mil viram a Alemanha de novo. A vitória russa lhes custou cerca de 750 mil homens mortos, feridos ou desaparecidos. A imagem cumulativa era ainda mais sombria. Em apenas seis meses de luta desde meados de novembro de 1942, a Wermacht tinha perdido impressionantes 1.250.000 homens, cinco mil aviões, nove mil tanques e vinte mil peças de artilharia. Mais de uma centena de divisões tinham sido ou destruídas ou deixaram de existir como unidades efetivas de luta.

Martin Gilbert escreve: “Nas primeiras semanas de 1943 o ressurreto Exército Vermelho parecia atacar em todos os lugares. A Operação Estrela foi um avanço soviético massivo a oeste do rio Don. Em 14 de fevereiro, os russos capturaram Kharkov, e mais ao sul estavam se aproximando do rio Dnieper” (M. Gilbert, Second World War). Muito mais do que os desembarques na Normandia, a Batalha de Kursk em julho de 1943 provou ser a mais decisiva batalha da Segunda Guerra Mundial. O exército alemão perdeu mais de 400 tanques nesta luta épica. Depois deste golpe demolidor, os exércitos russos começaram a empurrar os alemães ao longo do front para trás, em direção ao ocidente, a maior ofensiva militar em toda a história.

A segunda frente

Durante toda a guerra a conduta dos imperialistas britânicos e dos EUA – como já vimos – foi ditada, não pelas necessidades de derrotar o fascismo e defender a democracia, mas por cínicas considerações políticas de grande potência. As divisões entre Londres e Washington se elevaram porque os interesses dos imperialismos britânico e estadunidense eram diferentes, e até mesmo antagônicos. O imperialismo americano não queria que Hitler tivesse êxito porque isto teria criado um poderoso rival dos EUA na Europa. Por outro lado, era do interesse do imperialismo EUA enfraquecer a Grã-Bretanha e seu império, porque aspirava substituir a Grã-Bretanha como potência dominante no mundo depois da derrota da Alemanha e do Japão. Era precisamente por esta razão que a atenção de Churchill estava fixada no Mediterrâneo.

Contudo, no final de 1943 tornou-se claro para os americanos que a URSS estava ganhando a guerra na frente leste e que, se nada fosse feito, o Exército Vermelho passaria o rolo compressor por toda a Europa. Foi por isto que Roosevelt pressionou pela abertura da segunda frente na França. Churchill estava constantemente argumentando pelo adiamento. Isto levou a ríspidas fricções entre Londres e Washington.

A preocupação dos imperialistas foi abertamente expressa em um encontro dos chefes britânicos e americanos do Estado-Maior Conjunto que teve lugar no Cairo em 25 de novembro de 1943. Eles fizeram notar que “a campanha russa teve êxito além de toda esperança e expectativas [isto é, as esperanças dos russos e as expectativas de seus “aliados”] e seu vitorioso avanço continua”. Mesmo assim, Churchill continuava a defender o adiamento da Operação Overlord.

O rápido avanço do Exército Vermelho na Europa finalmente forçou Churchill a mudar de ideia sobre a Operação Overlord. De uma posição de inatividade indolente na Europa, os Aliados precipitadamente entraram em ação. O temor do avanço soviético era agora o principal fator na equação tanto em Londres quanto em Washington.

Tão preocupados estavam os imperialistas que chegaram a elaborar um novo plano, a Operação Rankin, envolvendo um desembarque de emergência na Alemanha se esta entrasse em colapso ou se rendesse. Estavam determinados a chegar a Berlin antes do Exército Vermelho. “Devemos ir tão longe quanto Berlin [...]”, disse Roosevelt aos Chefes do Estado-Maior a caminho da reunião no Cairo. “Os soviéticos poderiam, então, tomar o território a leste. Os EUA deveriam ter Berlin” (FRUS, The Conference at Cairo and Teheran, 1943, p. 254).

Apesar do êxito do Exército Vermelho, Hitler ainda tinha forças consideráveis a sua disposição. A Wermacht permanecia uma formidável máquina de luta, com mais de dez milhões de homens, mais de seis e meio milhões dos quais no terreno. Entretanto, dois terços destes estavam concentrados na frente russa. A única contribuição dos britânicos e americanos era a campanha de bombardeamento que devastou as cidades alemãs como Hamburgo e matou um gigantesco número de civis, mas que fracassou totalmente tanto em destruir o espírito de luta dos alemães quanto em deter a produção de guerra.

As forças alemãs na frente leste tinham 54 mil canhões e morteiros, mais de cinco mil tanques e canhões de assalto e três mil aviões de combate. Apesar dos raids de bombardeio aéreo dos Aliados, as indústrias de guerra de Hitler aumentaram sua produção em 1944. Produziram 148.200 canhões contra 73.700 em 1943. A produção de tanques e de canhões de assalto aumentou de 10.700 a 18.300 e de aviões de combate de 19.300 a 34.100.

Subsequentemente, a decisão de se abrir a frente na Itália foi ditada principalmente pelo temor de que, na sequência da derrubada de Mussolini em 1943, os comunistas italianos pudessem tomar o poder. O principal objetivo dos britânicos e americanos era, dessa forma, evitar que os comunistas italianos tomassem o poder. Assim, numa altura em que o Exército Vermelho estava suportando todo o peso da Wermacht na batalha de Kursk, os britânicos e americanos estavam caminhando nas areias das praias da Sicília. Em vão Mussolini implorou a Hitler para lhe enviar reforços. Toda a atenção de Hitler estava focada na frente russa.

Porque a União Soviética venceu

Os planos tanto dos círculos dominantes britânicos quanto americanos eram fundamentalmente falhos. Em vez de ser derrotada pela Alemanha nazista, a União Soviética não deixou por menos e infringiu uma derrota decisiva aos exércitos de Hitler. A razão desta extraordinária vitória não pode nunca ser admitida pelos defensores do capitalismo, mas é um fato óbvio. A existência de uma economia nacionalizada e planificada deu a URSS uma enorme vantagem na guerra. A despeito das políticas criminosas de Stalin, que quase levou ao colapso da União Soviética no início da guerra, a União Soviética foi capaz de se recuperar depressa e reconstruir sua capacidade industrial e militar.

Os russos foram capazes de desmantelar toda sua indústria no Ocidente – 1.500 fábricas – colocá-las em trens e transportá-las a leste dos montes Urais onde estariam fora do alcance dos alemães. Em questão de meses a União Soviética estava superando os alemães na produção de tanques, canhões e aeroplanos. Isto é uma prova, além de qualquer dúvida, da superioridade colossal de uma economia nacionalizada e planificada, até mesmo sob um regime burocrático.

Somente em 1943, a URSS produziu 130 mil peças de artilharia, 24 mil tanques e canhões autopropulsados, 29.900 aviões de combate. Os nazistas, com todos os gigantescos recursos da Europa a sua disposição, também intensificaram a produção, produzindo 73 mil peças de artilharia, 10.700 tanques e canhões de assalto e 19.300 aviões de combate (ver V. Sipols, The Road to a Great Victory, p. 132). Estes números falam por si mesmos. A URSS, ao mobilizar o imenso poder de uma economia planificada, conseguiu produzir melhor e atirar melhor que a poderosa Wermacht. Este é o segredo de seu êxito.

Havia outras razões para a formidável capacidade de luta do Exército Vermelho. Napoleão já sublinhara a importância decisiva do moral na guerra. A classe trabalhadora soviética estava lutando para defender o que permanecia das conquistas da Revolução de Outubro. Apesar dos monstruosos crimes de Stalin e da burocracia, a economia nacionalizada e planificada representava uma enorme conquista histórica. Comparadas com a barbárie do fascismo – a essência destilada do imperialismo e do capitalismo monopolista – estas eram coisas pelas quais valiam a pena lutar. O povo trabalhador da URSS fez ambas as coisas na mais espantosa escala.

Mesmo antes de Hitler ser derrotado, o imperialismo britânico e EUA estavam se preparando para o próximo conflito entre o Ocidente e a URSS. Por esta razão se precipitaram a abrir a segunda frente em 1944: para assegurar que o avanço do Exército Vermelho fosse detido. George Marshall expressou a esperança de que a Alemanha deveria “facilitar nossa entrada no país para repelir os russos” (Ibid., p. 135).

A Batalha de Kursk foi a maior batalha de tanques na história. Os alemães tinham cerca de três mil tanques e canhões de assalto, 2.110 aviões de combate e 435.000 homens. Foi uma das maiores concentrações do poder de luta alemão já reunido. E, mesmo assim, não foi suficiente. O Exército Vermelho lançou uma gigantesca ofensiva no final de dezembro de 1943, que varreu tudo diante dele. Depois de libertar a Ucrânia, eles empurraram as forças alemãs de volta através da Europa do Leste.

A forma como a União Soviética foi capaz de esmagar as forças de Hitler na Batalha de Kursk em julho e agosto de 1943 fez os sinos de alarme tanger em Londres e Washington. Em agosto de 1943, Churchill e Roosevelt se encontraram em Quebec sob o panorama de uma poderosa ofensiva soviética. As vitórias soviéticas em Stalingrado e Kursk forçaram os britânicos e americanos a agir. O impiedoso avanço soviético obrigou até mesmo a Churchill a reconsiderar sua posição. De forma relutante, Churchill cedeu às insistentes exigências do presidente americano.

O fato é que tanto Roosevelt quanto Churchill (para não mencionar Hitler) tinham subestimado a União Soviética. Na competição, os Aliados encontraram o Exército Vermelho, não em Berlin, mas no profundo interior da Alemanha. Se eles não tivessem lançado a Operação Overlord no momento em que o fizeram, teriam encontrado o Exército Vermelho no Canal Inglês. É por isto que os desembarques do Dia-D foram lançados naquela data. Se não tivessem organizado os desembarques na Normandia em 1944, teriam encontrado o Exército Vermelho, não no meio da Alemanha, mas no Canal Inglês.

Hitler também calculara muito mal. Stalin tinha expurgado o exército soviético de alguns de seus mais brilhantes oficiais comandantes. Por conseguinte, Hitler acreditava que isto lhe seria vantajoso e lhe permitiria avançar em direção ao leste e, em assim fazendo, ele seria capaz de destruir a União Soviética e sua economia planificada. Mas a economia planificada, apesar da burocracia, demonstrou ser muito mais resistente. Como vimos, foi ela que deu a União Soviética a força e a capacidade para reagir.    

As grandes vitórias da União Soviética e o eventual esmagamento da uma vez poderosa máquina militar de Hitler, apesar de toda a mitologia que foi subsequentemente criada sobre Stalin como o “Grande Líder da Guerra”, aconteceram apesar de Stalin e da burocracia. Eles tinham levado a União Soviética à borda da catástrofe. Unicamente a determinação dos trabalhadores e soldados soviéticos para defender a URSS e as conquistas da Revolução de Outubro, e a impressionante superioridade da economia nacionalizada e planificada resolveu a questão.

Translation: Esquerda Marxista (Brazil)

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